Além da Morte

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CAPÍTULO 32

RECEBENDO O COMPANHEIRO

As visitas à Terra faziam-se mais frequentes. Alguns meses depois de ter voltado a privar do teu convívio, a irmã Liebe informou-me, numa das suas habituais estadas na Colônia Redenção:

— Otília — começou a dizer, — como não desconheces, a enfermidade do Gonçalves agrava-se, dia a dia. A idade avançada não lhe permite maior resistência. Acreditamos que a desencarnaçãO se dará em breves dias. Amigos Espirituais, que o seguem na presente etapa, comunicaram-me a aproximação da hora de retorno. Sendo do teu desejo, poderá a irmã Zélia dispensar-te, por cinco dias, para acompanhá-lo à hora do traspasse.


Com um sorriso bondoso, onde vibrava a sua ternura, concluiu:

— Recorda-te da vigilância em todos os momentos. O amigo é um irmão em Jesus e transporá a aduana da morte com os recursos que entesourou através dos anos, não podendo o teu auxílio caracterizar-se por expressões de entusiasmo pessoal. Confia no Mestre e ora.

Fiquei jubilosa e ao mesmo tempo preocupada. O Gonçalves foi o pai que eu conheci na hora mais difícil da existência, oferecendo-me, bondoso, o braço nupcial. Tê-lo ao lado era motivo de satisfação, entretanto, talvez as circunstâncias não nos permitissem, por algum tempo, maior convivência. Aguardei, silenciosa e confiante, o ensejo de recebê-lo.

Na manhã seguinte, domingo, pela alva, cheguei acompanhada do Espírito do frade franciscano Francisco dÁvila, ao quarto em que o velho esposo desencarnava lentamente.

A dispneia atacava-o e o coração atribulado detinha-se nos estertores de demorada agonia.

Um amigo encarnado, que se postara fiel durante a dificuldade da doença, dormia ao lado. Seu Espírito fraterno, no entanto, estava vigilante, assistindoo. Identificou-nos à chegada, recebendo-nos com carinho.


O dr. Carneiro, velho cooperador desencarnado que colabora eficientemente nas orientações espirituais da Casa, esclareceu-nos de imediato:

— A desencarnação está programada para estes dias. Já iniciamos o desligamento dos centros de força. Nosso irmão, entretanto, por formação religiosa deficiente, guarda inexplicável pavor da morte. Embora recentemente ligado às fileiras do Espiritismo, conserva no subconsciente o fantasma do medo e, por isso mesmo, atém-se à carne, desesperado e receoso. "Pretendemos, dentro de alguns minutos, trazêlo ao nosso campo vibratório, esclarecendo-lhe a necessidade da confiança e da tranquilidade, e pela manhã inspiraremos os encarnados que o cercam de afeto, para que a conversação seja feita em torno do problema da morte. " Com a aplicação de passes cuidadosos, o enfermo querido, depois de longa vigília, adormeceu, e, desligado parcialmente pelo dr. Carneiro, escutou meio consciente, palavras estimulantes e roteiro para a viagem inadiável.

Despertou angustiado, embora conservasse na mente a ideia do termo da romagem física.

Mais tarde, quando os amigos se aproximaram para a conversação habitual, o dedicado médico inspirou a palestra, conduzindo-a para o palpitante problema da vida nova. Tecendo comentários sábios e profundos em torno da vida, aquém e além da fronteira carnal, o amigo transmitiu-lhe a notícia do decesso físico, animando-o para a bela excursão ao país da luz.

Feitas as orações e lidos alguns salmos espiritualizantes, o enfermo serenou, identificando a fé robustecida pela certeza da imortalidade.


O dr. Carneiro informou-nos:

—Ele melhorará, aparentemente, para desprender-se dentro de quatro dias, a fim de o pouparmos a choques para os quais não se encontra preparado. Assim, terá tempo de meditar, recolhendo os frutos da esperança.

Consoante a previsão do médico espiritual, decorrido o prazo, em relativa melhora, o estado geral apresentou modificação súbita e os distúrbios cardíaços, em desordenada repetição, precipitaram o processo desencarnatório.


Sentada ao seu lado, e cercados pelos amigos constantes, ouvi o dr. Carneiro acentuar:

— Inspiremos os amigos que se encontram em reunião doutrinária a apressarem os trabalhos, favorecendo-nos com vibrações úteis.

No mesmo momento, claridade alaranjada, reconfortante e balsâmica, banhou o aposento.

— São as vibrações de amor, dos irmãos na Fé — murmurou frei Francisco dÁvila que cooperava em passes de desprendimento.


Realizando a delicada operação de desligar os liames perispirituais, que, durante toda a existência, se imanam ao corpo, informou o médico:

— Desligar-se-á dentro de alguns minutos. Acompanhei o processo desencarnatório, emocionada. A morte não parece ser muito fácil. Observei que se desprendiam do corpo do moribundo, principalmente das zonas onde foram aplicados os recursos dispersivos, os fluídos que pareciam movimentados por hábeis instrumentos, recompondo ao lado do corpo que estertorava um perfeito duplo em tudo igual ao complexo material. A respiração, antes acelerada, foi diminuindo até extinguir-se. Dera-se a morte física. Apesar disso, continuava ligado à zona coronária, um liame espesso, pardo-acinzentado.

Enquanto os encarnados oravam ou choravam discretamente, o médico espiritual continuava o trabalho de desligamento, informando-nos, obsequioso: — Somente decorridas algumas horas procederemos ao corte da ligação epifisiária. Clinicamente o Gonçalves está "morto". Sabemos entretanto que agora inicia a grande jornada para a sua alma lutadora. Saudemos o irmão que retorna, em nossas orações de reconhecimento ao Celeste Vivo.

Passados oito dias em os quais o companheiro se demorou em sono profundo, foi conduzido à Colônia, onde despertou em estado de inquietação e dor.

A enfermidade demorada deixou impressões profundas. Continuou, assim, apresentando os sinais do cansaço, seguidos de longos minutos de dispneia e sucessivos desmaios.

Assistido, entretanto, pelo dr. Cléofas, lentamente foi recobrando a serenidade, sendo conduzido a Enfermaria especializada. Passados quarenta dias, fui conduzida pela irmã Zélia ao encontro com o velho amor, já consciente e ansioso.

Cheia de expectativa, venci a pequena distância que nos separava, conversando com a Benfeitora prestimosa, e, chegando à sala, vislumbrei, ao lado do querido amigo, a figura delicada e jovial da amorosa Liebe.


Recebida com ternura pela meiga mensageira do Céu, ouvi-lhe novamente a voz macia, ao mesmo tempo em que, erguendo o recém-desencarnado, anunciava:

— Gonçalves, Jesus concede-lhe a satisfação do reencontro. Nossa Otília veio visitá-lo. Não há morte! Sinta a vida! Agora você está livre!

Aproximei-me do leito e, debruçando-me, abracei-o, feliz e reconhecida, beijando a cabeça ainda povoada de recordações e tormentos, e, como outrora, reclinei-me no seu peito.


* * *

Voltei a visitar o colaborador da minha alegria na Terra, quanto me permitiam as obrigações, respeitando, naturalmente, o regulamento do Nosocômio Espiritual.

Com o passar do tempo, convalescente, foi-nos permitido alongar a conversação, e, à medida que se ajustava ao nosso estado, pôde ensaiar os primeiros passos, no mundo novo.

Na primeira oportunidade, a irmã Zélia convidou-nos a visitar o Jardim da Saúde. Era a primeira vez que ouvia falar em tal recanto e, desejosa de informes, aguardei jubilosa o ensejo.

Na noite seguinte, tomamos um veículo que nos conduziu os três aos arredores da cidade. Bosque colorido esplendia de luz e cor ao nosso olhar atônito.

Flores miúdas embalsamavam o ar. Pareciam-se com as flores dos jardins terrenos, com a diferença única de serem luminosas.


Ante o meu espanto, a dedicada Condutora explicou:

— Trata-se de flores medicamentosas. Durante as horas do dia, absorvem os raios solares, e à noite, ao transmitirem a luz retida, favorecem os Espíritos alquebrados com emanações fluídicas de alto teor medicamentoso. Aproximemo-nos!

Acercamo-nos de um canteiro de gerânios e rosas de alvura invulgar. Sentamo-nos num banco igualmente alvo e macio que cedia anatômico ao pouso do corpo espiritual. Música melodiosa derramava-se na noite.

Silenciosos, aquietamo-nos na contemplação abençoada do pomar da Natureza.




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