Além da Morte

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CAPÍTULO 7

À BEIRA MAR

Em breves palavras, a irmã Liebe falou-me da necessidade de contato mais amplo com os fluídos da Natureza, a fim de favorecer a minha reabilitação. E como me encontrasse depauperada, o meu transporte até à praia próxima seria feito sob ação de sono magnético.

Tocando-me as têmporas, levemente, tive a sensação agradável de sono invencível que me dominou.

Despertei à beira-mar, num encantador recanto do litoral, bordado de coqueiros prateados pela luz da lua cheia. As ondas próximas despedaçavamse em brancas espumas que se desfaziam nas areias alvas e brilhantes, em ritmo bravo, incessante...

Não se ouviam outras vozes senão o canto do vento e o bramir do mar.

Relva baixa e verdejante margeava a praia como tapete macio convidando ao repouso e o cenário era, na sua beleza virgem, imperioso chamamento à oração e à paz.

Aspirei o ar puro da noite, tomada de emoção crescente. O odor agradável e balsâmico de flores do campo misturava-se ao agradável cheiro de algas marinhas. Absorvia essas dádivas sublimes da Natureza, que me beneficiavam a organização espiritual combalida, de maneira salutar.

A irmã Liebe, regozijante com a poesia da noite, chamou-me a atenção para as belezas do ambiente vibrante de vida e festa.

Encontrávamo-nos a poucas dezenas de metros das areias praieiras, em outeiro bordado de vegetação luxuriante, junto a antiga construção de pedra que pertencera, no passado, a Senhores que haviam colonizado a região.

Entre as velhas colunas e arcadas quebradas, a Lua desenhava caprichosas figuras, e, pelas frinchas da construção arrebentada, a noite murmurava queixas e saudades, na voz do vento.


Apontando o casario abandonado, a zelosa amiga espiritual falou, dando origem a conversação edificante:
— Eis ali um exemplo eloquente da vacuidade da vida física. O esplendor sucedido pela decadência e glória seguidas pela ruína e pelo olvido. "Outrora, aqueles salões, hoje reduzidos a escombros, vestiam-se de gala e luz, enquanto a senzala esquecida jazia na treva e na dor. "Com o passar do tempo, desapareceram os júbilos e os senhores, os cativos e as dores. Tudo foi reduzido a um monte de ruínas, coberto de vegetais vitoriosos. "Da construção e de seus donos, ficaram vivos os contos da tradição oral e os muros arrebentados... " E após breve pausa:

— Também na vida física o fenômeno que comentamos é o mesmo para todos: berço e túmulo, como portas da existência; infância e velhice, como estações de chegada e saída, e juventude e maturidade, como lugar de aprendizado, no campo emocional. Início e encerramento da viagem, meios e oportunidades de utilização do ensejo, no jogo ilusório do corpo. Raros, entretanto, se dispõem verdadeiramente ao aproveitamento devido. Alguns seguem vitoriosos por fora, e escravos por dentro. São os que acreditam no poder temporário. Outros abandonam a luta dignificante, matando o exterior, e despertam no silêncio aflitivo da inutilidade de que se fizeram mestres. Somente poucos realizam o aproveitamento real, com a utilização dos bens terrenos, no programa de construção da felicidade além do mundo.


E desejando, talvez, ampliar a oportuna dissertação, prosseguiu, com voz pausada e clara:

—Enquanto não compreendermos a necessidade de valorizar a vida no plano físico, continuaremos invadidos pelo infortúnio a bater-nos desapiedado, com os chicotes resultantes das ações impensadas. A vida na carne é patrimônio que não merecemos. Significa concessão misericordiosa para renovação, aprendizado e libertação. Toda a luta deve ser dirigida para a realização dos objetivos essenciais do programa que nos conduz ao renascimento. "A alma mergulha na carne, cheia de boas intenções e desejosa da recuperação do tempo.

Todavia, a boa intenção e o desejo, apenas, não respondem positivamente pela felicidade. É imprescindível ação realizadora no campo do bem geral. Mas, o que acontece comumente é que o contato com o corpo, ocasionando a anestesia da memória, faz que o roteiro traçado com o concurso das lágrimas e do arrependimento fique a margem, voltando a criatura aos hábitos milenários onde pontificam o prazer, a cobiça e o crime. A perigosa e atraente rede da ilusão arrasta diariamente multidões descuidadas, que malogram desastradamente, adiando, por tempo indefinido, a ascensão aos planos mais altos...

Não me pude furtar a profunda meditação. Compreendia, tardiamente, é certo, o manancial de luzes que o Espiritismo nos confere, e que eu não soubera aproveitar devidamente. Em pensamento, retomei àmesa simples das nossas sessões de mediunidade, em cujas tábuas tantas vezes colocara as mãos em busca do concurso da Espiritualidade. Recordei advertências e ensinamentos, conselhos e roteiros ouvidos, nos quais o convite ao trabalho e à oração, o apelo à vigilância e ao auxílio eram notas frisantes, e não pude conter as lágrimas que, sucessivas, me banharam o rosto. Pela memória, acompanhei o desfilar de tantos Benfeitores Anônimos, generosos e compassivos, que tantas vezes, enternecidamente, me distinguiram o espírito, com expressões de bondade e zelo, verificando, aterrada, quanto fora negligente e descuidada no Campo do Senhor. O desânimo ia-me assenhoreando, quando a vigilante Benfeitora, interrompendo-me o curso das reflexões atalhou: — Otília, minha irmã, recorda que Jesus não deseja a morte do pecador, mas a do pecado. Desanimar agora seria o mesmo que retroceder. O discípulo do Evangelho não dispõe de tempo mental para o receio ou para a dúvida. Não te lamentes! "Cristo, em nosso caminho, é uma permanente oportunidade nova. Se achas que não aproveitaste devidamente o ontem, lembra-te de que o amanhã pertence à tua alma. "Robustece o espírito na fé e reanima-te, pois que muito terás a fazer. "Alegra-te no Senhor, que nunca nos abandona, e, sem perda de tempo, põe mãos à obra. Jesus espera muito de nós. Nossos irmãos choram em diversos planos do orbe e suas vizinhanças, aguardando socorro em nome do Céu. Não dispomos de tempo para a despesa da inutilidade. O passado pode constituir-se de sombras; todavia, o amanhã é sempre uma luz nova, dissipando todas as trevas. Ergue-te e não temas!" Com admoestações tão oportunas, alento novo invadiu-me confortadoramente.


Modificando a inflexão da voz, após a pausa que se fizera, espontânea, Liebe, apontando as ondas inquietas, prosseguiu:
— O mar é fonte de energia e vitalidade. Por enquanto, o homem não tem sabido valorizar, devidamente, os benefícios magnéticos do Oceano. Laboratório de forças vitais, depositário de gloriosas e velhas civilizações, santuário de milhões de espécies vivas, é um mundo inexplorado, a conquistar. "Com Alberto, príncipe de Mônaco, começaram as primeiras excursões de pesquisa científica, medindo-lhe a profundidade, conhecendo-lhe os acidentes, examinando-lhe a flora e a fauna. A Oceanografia moderna, entretanto, com os recursos técnicos de que dispõe, candidata-se a descobertas valiosas no seio grandioso das águas. Embora quanto já se conhece sobre a vida submarina, muito há escapado à observação dos pesquisadores no que concerne aos fluxos e refluxos das marés com o seu potencial de energia pura que tantos benefícios produzem na organização físio-psíquica do animal e do homem. " E como se perscrutasse a região, utilizando recursos que me eram desconhecidos, concluiu:

— Multidões de desencarnados nas cidades próximas são aqui trazidos para necessário e inadiável refazimento. Outrossim, encontros espirituais de ordem superior, entre os habitantes das duas esferas da vida, aqui se concertam, quando as dádivas do sono descem sobre os corpos cansados na luta humana. Cuidadosos Benfeitores da nossa esfera conduzem tutelados alquebrados e desfalecidos, para regiões semelhantes a esta, em toda a costa marinha, a fim de que o ar puro das praias restitua ao perispírito as funções temporariamente traumatizadas pelo ranse desencarnatório.

Encontrava-me encantada. Quando encarnada sempre sentira inexplicável atração pelo mar, motivada talvez, supunha, pelas histórias ouvidas desde a infância, sobre os mistérios e belezas ocultas na profundeza das águas. Agora, todavia, após os apontamentos da devotada irmã, começava a compreender os valores reais, descobrindo belezas, antes ignora-das.

Muito longe, por detrás dos coqueiros, a madrugada desenhava rastros de luz. Vento mais frio soprava ligeiro, açoitando as ondas que se quebravam ao longe.

Acarinhando-me, a Benfeitora convidou-me ao repouso. Havia catorze dias, segundo informava a irmã Liebe, ocorrera a minha desencarnação.

Embora todo o encantamento da paisagem e da palavra da esclarecida enfermeira, a sensação de dor persistia, se bem que menos acentuada.

Após aquele repouso, seria transportada a uma Colônia Assistencial, próxima à crosta planetária, para tratamento e recuperação de energias, ingressando, assim, na realidade do mundo espiritual, onde estava dando os primeiros passos, com vacilação.

Reclinadas em tufo de capim, recebíamos a brisa agradável da alva. Suave torpor envolveu-me, lentamente, fazendo-me adormecer.




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