Além da Morte

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CAPÍTULO 8

FRATERNIDADE - BÊNÇÃO DE DEUS

Quando o dia estava alto e a passarada inquieta entoava hinos ao Sol, despertei. Embora mais refeita, guardava sensação dorida na região do peito, a respiração difícil e a perturbadora saudade. Com a paisagem vestida de luz, as lembranças se me acendiam na alma, comprimindo-me o coração. As dores aumentavam, e por mais buscasse esquecer, não conseguia libertar-me da sensação de distância, debatendo-me mentalmente no desalento.


Compreendendo minha inquietação, a incansável irmã Liebe procurou tranquilizar-me:

— Dentro de alguns minutos estaremos com os companheiros do círculo fraterno. É necessário não esqueceres que os problemas afetivos produzem desequilíbrios psíquicos que prejudicam a estabilidade da alma. No momento, tens de reunir os melhores esforços no sentido de lograr êxito no processo de libertação. "Estaremos com os amigos; no entanto, não lhes escutarás a voz, como antes. Sentir-lhes-ás os pensamentos e as orações, porquanto, dentro de uma hora estarão reunidos no Culto da Boa Nova. Como te deves recordar, congregam-se hoje sob a responsabilidade da nossa Auta de Souza, para debate e estudo do programa assistencial aos seus cuidados. Estamos no primeiro domingo do Ano Novo...

Ah! minha filha. A mente tem estranho poder. Ao enunciar Liebe o nome da nossa Auta de Souza, retornei como por milagre às nossas reuniões dominicais. A aflição que parecia seguir-me de perto, aguardando oportunidade, voltou a perturbar-me, fazendo-me arder o cérebro, ansioso por notícias novas.


Mesmo assim, procurei haurir forças no robustecimento da alma, quando a irmã Liebe sugeriu:

— Reunirei algumas flores deste verdejante outeiro e as levaremos aos nossos irmãos, como símbolo da pureza dos nossos sentimentos.

Acercou-se de plantas desprezadas e recolheu algumas de pequeninos botões perfumados.


Conduzida ao sono magnético, para o transporte até o Centro das nossas Orações coletivas, quando voltei a abrir os olhos, notei, surpresa, a presença de jovem Espírito que se aproximou sorrindo, qual amiga devotada e constante. Tentei recordar-lhe o vulto; antes, porém, de o conseguir, ouvi-a dizer:

— Sou Auta de Souza, a pobre cigarra potiguar. Decepcionada? — inquiriu com meiguice e bom humor.

Não pude responder. A voz ficou estrangulada e o pranto incessante — esse amigo dos que amam e sofrem — jorrou abundante. Senti-lhe a vibração de amor e ternura e, quando fui estreitada nos seus braços, tive a impressão de retornar ao seio materno. A emoção sacudia-me e tremor incontrolável dominava-me.

— Coragem, irmã querida — advertiu, bondosa, a cantora da Caridade. Sua visita é aguardada com muita alegria. Tenho acompanhado o seu renascimento e estou informada das suas surpresas e dos progressos no novo caminho. "Dentro de alguns minutos a reunião terá início. Estão se preparando para a oração de abertura. Eles nos sentem a presença e, por intuição, registram, pelos canais mediúnicos, o seu progresso na senda da liberdade. " Feito silêncio, notei que prateada chuva caía abundante, iluminando o recinto. Identifiquei, de imediato, o Cenáculo do nosso Templo. Revi os queridos irmãos de antes, olhos baixos, atitude respeitosa, buscando o concurso do Alto. Auta de Souza, ao lado do médium Marcos, inspirava-o fortemente.


A irmã Liebe murmurou:

— Estão orando; ajudemos. Unamo-nos num só pensamento ao Senhor Jesus, o Excelso Benfeitor.


Emoções desconhecidas e vibrações nunca antes experimentadas visitavam-me a alma, banhando-a de paz. Suave melodia, entoada por vozes infantis, enchia o ar de harmoniosa vibração musical. Deixarme-ia arrastar demoradamente nessa chuva de bênçãos, não fosse a interferência da irmã Liebe:

— Aproveitemos o momento. Os companheiros encarnados sabem-na presente.

Tive, então, nítida visão da sala. Nuvens claras pareciam flutuar no recinto.


Revi-te, então, filha minha, adornada de dor. Vislumbrei o companheiro de largos anos, em crescente emoção, e os irmãos de Crença Espírita, ao teu lado, sustentando-te na saudade. Ante o meu júbilo infinito, porque filho da felicidade de comprovar a vida estuante além da morte, Auta de Souza informou-me, solícita, consolidando minhas esperanças:

— Fraternidade, bênção de Deus! Enquanto os homens marcham em busca do amor puro, ensinado pelo Mestre dos mestres, a fraternidade que os reúne ensina-lhes as edificantes lições do socorro e do bem. "Fé, minha querida amiga — continuou —, significa conquista espiritual. Fé espírita, representa conquista da alma nos domínios da evolução. A fé haurida no Espiritismo impõe a necessidade do conhecimento de si mesmo e oferece os instrumentos para que o homem realize o autodiscernimento, o autocontrole, o autoconhecimento, para, seguro, avançar resoluto pela senda evolutiva. Por isso, a fé espírita é consoladora. "Recordemos que o primeiro nome do Espiritismo veio de Jesus Cristo: O Consolador. E a doutrina de Jesus, em Espírito e Verdade. "Em razão disso mesmo, onde haja um Núcleo Espírita, haverá o bálsamo, o consolo. Sendo consolação é tudo: caridade, esclarecimento, força, diretriz, porque o consolo nasce não somente do pão, mas sobretudo do esclarecimento. "Na multidão dos que sofrem indagando, o espírita é o único felicitado pela serenidade. Sua indagação é feita sem dor íntima, porque ele já tem a felicidade íntima. Indaga com alegria, porque sabe que ninguém foi criado para a tristeza. " Estava deslumbrada. Senti que, embora desencarnada, não estava esquecida. Notando os rostos tomados de confiança, encontrei neles, igualmente, as marcas indeléveis da saudade e da dor, amparadas pelas dádivas consoladoras da esperança vivida na fé. Não despertara das alegrias e irmã Liebe, prestimosa e atenta, sugeriu-me colocasse sobre a mesa a nossa oferenda de flores silvestres.

Amparada pelas duas benfeitoras, aproximei-me, vacilante, do móvel, onde tantas mãos repousavam no momento da comunhão com o Senhor, quando o nosso querido Marcos, colhido de surpresa, deparou comigo. Nossos olhares se cruzaram, rápidos, porém significativos. Oh! minha filha; não poderei descrever-te o intenso prazer daquela hora. Aquele momento inesquecível marcou-me a jornada pelo reino novo da vida imperecível.


Senti a emoção do médium, experimentando igualmente o mesmo estado. Depositei o improvisado "bouquet" sobre a toalha humilde, e, quando me voltei, ouvi da mãezinha espiritual do nosso movimento socorrista:

— A alegria é tônico da alma. Agradeçamos ao Celeste Doador este momento, comprometendo-nos a servi-lo sem cansaço.

Amparada ainda, fui conduzida a uma cadeira, da qual acompanharia a breve reunião.




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