Além da Morte

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CAPÍTULO 9

NO CENÁCULO

Lentamente a visão ia-se dilatando, permitindo-me distinguir, através da tênue cortina prateada, os semblantes queridos dos entes inesquecíveis. Colorações suaves envolviam todos, vestindo nosso recinto de orações com as tintas miraculosas das grandes paisagens, somente possíveis na "Mansão do Reino".

Deixava-me conduzir pelas delícias do momento. Até então, jamais supusera lobrigar encantamento igual. Ao cérebro tumultuado por tantos acontecimentos chegavam-me, oportunos, os ensinamentos da Doutrina Consoladora que na Terra fora um roteiro para a minha vida, nos últimos anos. Afigurava-se-me a verdadeira e única trilha para a felicidade, porquanto só essa Mensagem sublime explica ao viandante sem rumo a via certa da imortalidade.

Quão poucas vezes me detivera a meditar na excelência da Crença desposada! Iniciada no Romanismo, habituara-me a enxergar na religião somente um campo para solicitações de toda ordem, à base de promessas materiais, perdendo-me, invariavelmente, nos meandros da revolta e da inquietação. Sem. o conhecimento da vida espiritual, pouco afeita embora àconfissão auricular, vivia ignorante dos problemas da alma. Com as primeiras luzes projetadas em meu cérebro pelo Espiritismo, esse farol abençoado, um mundo novo me apareceu, convidativo e maravilhoso, e que agora "de visu" podia constatar.


No entanto, enquanto encarnada, não supunha fosse o mundo do espírito algo tão concreto — embora muito diverso do que, por concreto, nominamos na Terra —, qual aquele que me surgia a cada instante. Não tendo logrado a felicidade de realizar cultura intelectual, não fosse a abnegação da irmã Liebe e de outros 1nstrutores, eu não poderia sequer escrever-te estas páginas; vivendo mais do trabalho, não pude penetrar devidamente nas lições preciosas de André Luiz, quando o lera, encarnada

(*) .

Todavia, amparada pelo imenso desejo de acertar o passo com o Bem, guardei na mente, indagadora e ansiosa, anotações e fatos narrados por aquele trabalhador incansável, e que agora eram de grande e salutar utilidade.


Enquanto a meditação me visitava, alargando-me

(*) Refere-se a uma das obras mediúnicas, ditada pelo Espírito André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier. Edição da FEB. (Nota da Editora).

os horizontes da alma, a reunião dos companheiros, sob as bênçãos do Senhor e o carinho de Auta de Souza, ia-se alongando em marcha para o término.


A irmã Liebe, que me acompanhava o pensamento com bondoso sorriso, murmurou:

— Escutemos a mensagem da generosa Mentora. Observei que a Benfeitora mergulhava em profunda meditação. Luminosidade esverdeadoviolácea envolvia-lhe o tórax e a cabeça, banhando de claridade o médium Marcos, em concentração.

Decorridos breves minutos, como se obedecesse a uma força de atração santificante, o espírito do médium pareceu afastar-se um pouco do corpo que, imediatamente, passava a ser atendido pela Instrutora desencarnada. Não pude compreender o mecanismo delicado da incorporação mediúnica, apesar da palavra de auxílio da irmã Liebe que me veio em socorro.

Nesse momento, a comunicante contribuía com as instruções do dia, traçando o abençoado roteiro de trabalho e auxílio, em favor dos menos favorecidos pela fortuna.


Entre os formosos conceitos enunciados pela Entidade, falaram-me ao sentimento as expressões de oportuna advertência:

— Em nosso labor socorrista não permitamos que o convencionalismo, esse cruel carrasco da fé, penetre nos arraiais das realizações a que nos propomos. Ele sufoca o ideal e mata a iniciativa. Pela sua trilha seguem os excessos do preconceito da Terra. Contra esses excessos devemos brandir nossas armas, conservando a simplicidade no trato e espontaneidade na ação. Recordemos a simplicidade de Jesus e a Sua grandeza. Tenhamos em mente a grandeza do que o Cristo não fez, e não apenas, daquilo que fez. Apesar dos recursos de que dispunha, viveu, no entanto, na condição de humílimo servidor. "Recordemos, assim, o que estamos fazendo e o que estamos deixando de fazer. Recusemos o mal onde quer que se encontre, reduzindo-lhe a expressão numérica e a expansão territorial nos corações!" Chegado o momento da oração final, enquanto a comunicante se dirigia ao Celeste Benfeitor, pétalas delicadas, coloridas de rósea luz, caíam perfumadas no recinto, impregnando a todos com o magnetismo da paz e do consolo.

Estava concluída a reunião. Todos se ergueram. Nós outros, desencarnados, demoramo-nos, entretanto, nas efusões do reencontro e da alegria, tecendo a coroa de júbilos.

As grandes emoções que me sacudiram a alma deixaram-me, de certo modo, sinais dolorosos, por não me encontrar totalmente liberta das impressões físicas.


A irmã Liebe, muito atenta, explicou-me, delicada:

— Não podemos esquecer que regressaste há pouco da esfera carnal, estando necessitada de repouso e medicação específica para o devido refazimento, bem como de adaptação à vida nova.


E com gentil sorriso, onde espelhava sua bondade, acentuou:

— Todos os que atravessamos o oceano físico sabemos quão difíceis são os primeiros tempos após o túmulo. A indumentária carnal que nos vestiu, por longos anos, permanece a envolver-nos, retendo-nos no labirinto cruel das lembranças e das sensações habituais.


E como se recordasse o seu próprio caso, após alguns momentos, prosseguiu, em tom grave:

— A reencarnação quase sempre é um mergulho nas águas escuras e perigosas do mar do esquecimento. A grande maioria das almas torna à carne como criminosos em exílio, para, no olvido, reconsiderar atitudes mesquinhas e infelizes, retificando pensamentos e aprendendo o respeito à vida, no contato com a dor. Ao chegarem à Pátria querida, recebendo-lhe a mensagem clara, nos dias de retorno, angustiam-se e sofrem, à semelhança de pássaro cativo por longos anos que, tendo perdido o hábito de voar, prefere a gaiola estreita à amplidão dos espaços que o chama. "Outros Espíritos retornam à vida planetária sedentos de liberdade e conquista e embaraçam-se nas dificuldades da recuperação, demorando-se, após a rutura dos laços, entre aflições e agonias, por longos anos a fio. "Somente aqueles que foram agraciados pelo crescimento no Bem, em labores incessantes, cruciados e perseguidos, tendo experimentado n"alma as farpas cruéis dos testemunhos por amor à Verdade, podem, à semelhança das rosas, vencer os espinhos que a precedem, perfumando posteriormente o ar, onde flutuam. "Todavia, o Administrador Compassivo da Terra, sublime e generoso, ao distender-nos o Seu amor, confere-nos, em toda parte, a bênção dos recomeços, ajudando-nos, incansável, no programa de libertação interior. "Busquemos-Lhe, assim, a valiosa contribuição e, no momento, utilizandonos das vibrações do ambiente, conduzamos a recém-chegada à nova esfera de trabalho, onde o dever nos aguarda. " Silenciando, deixava-me a sábia Enfermeira preciosa advertência que não proferira e que, no entanto, era mais expressiva, pela sua significação.

A vida, minha filha, não é apenas uma sucessão de dor e alegria, lágrima e sorriso, rogo e agradecimento, em continuidade. É um patrimônio valioso ao nosso alcance, para utilização consciente em favor de nós mesmos.


Abraçando-me com desvelo, Auta de Souza e Liebe, cortaram-me o curso de meditação e, sem mais delongas, informaram:

— Preparemo-nos. É hora de partir.




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