Amor, Imbatível Amor

Versão para cópia
CAPÍTULO 36

DESPERSONALIZAÇÃO

O ser humano, embora antropologicamente seja portador de uma herança animal, é, antes de tudo, um Espírito, com possibilidades inimagináveis, que se lhe encontram em germe, e que à educação cumpre o mister de despertar e desenvolver.

Em razão da sua realidade transpessoal, a finalidade da sua existência é crescer, alcançando os patamares que lhe estão reservados, por fatalidade evolutiva.

No entanto, face à sua natureza animal, que não poucas vezes desconhece ou que lhe dá predominância, aturde-se, sem saber como avançar.

Se não valoriza a condição na qual se encontra — as exigências do corpo — faz-se um autômato, porque lhe cumpre vivê-las, educando-as, superando os impulsos dos instintos básicos, para desenvolver os valores espirituais latentes.

Vencendo, a pouco e pouco, os automatismos psicológicos, que vão sendo orientados pelo senso crítico e pela razão, deve conduzir o corpo sem paixão, nem escravidão, realizando-se física e emocionalmente.

O corpo, como é natural, impõe inúmeros anseios e necessidades, que fazem parte da sua constituição biológica, e devem ser levados em conta, não obstante a sua realidade espiritual ser o comando básico da existência.

O ego, por consequência, tem suas raízes fincadas nele, e se as mesmas são arrancadas violentamente, corre o perigo de tornar-se esquizoide.

Faz-se necessário, portanto, que seja mantida uma inter-relação entre o passado — animal — e o presente, a fim de que, negando o seu corpo, não se tome um Espírito sem envoltório material, o que lhe tomaria improvável o processo de evolução. Alterando, porém, subvertendo a natureza animal — por falta de consideração pelo Espírito que é — transforma-se em um títere, um demônio, que desconhece os direitos dos outros e somente cultiva o primarismo dos instintos.

A luta travada pela cultura e pela civilização, a fim de que o corpo seja superado, tem propiciado situá-lo em nível mais elevado, em razão do raciocínio, do aprofundamento da consciência, tornando mais radioso e belo o Espírito. Como efeito inevitável, tornou-lhe o corpo mais sensível, mais estético, portador de sensibilidade apurada, de percepção parafísica, alimentandoo com equilíbrio, exercendo-lhe as funções com respeito.

Sem necessidade de agredir o corpo, mediante cilícios nem considerações deprimentes que o denigrem, vem o mesmo recebendo a consideração que merece, face ao valor que representa no processo de elevação mental e moral do ser.

Não obstante esse reconhecimento, vários fatores se apresentam como responsáveis pela despersonalização, tais como os sentimentos de terror, de culpa, que produzem a inibição respiratória e a dos movimentos, enjaulando o paciente nas celas escuras e sem paredes dos conflitos.

Essa conduta produz sensações indescritíveis, que o organismo procura vencer através da morte da sua realidade.

O corpo, então, enrijece, a respiração faz-se com dificuldade e a falta de oxigênio no organismo produz males psicológicos e físicos variados.

A autopercepção é profundamente afetada e os pacientes passam a sofrer emocionalmente sensações de difícil catalogação, que os levam ao desespero. O eminente Eugen Bleuler, analisando a despersonalização que afeta os indivíduos incursos nessa distorção, considera que os sofrimentos creditados àqueles que lhe são vítimas, variam desde surras e queimaduras, a espetadas com agulhas, lâminas e punhais em brasa viva; amputações de membros, o semblante deformado...

e suplícios indescritíveis são experimentados em um clima de horror crescente, que mais piora a patologia da personalidade.

A ausência de sentimentos responde por esses efeitos, tendo-se em vista que o paciente matou o corpo, em mecanismo psicológico inconsciente, para fugir dos sintomas anteriores produzidos pelo terror.

Concomitantemente, o portador de esquizofrenia, porque destituído da capacidade de direcionar os sentimentos, tomba no vazio da sua própria realidade.

O indivíduo saudável é aquele que orienta as emoções organizadamente, lutando contra os obstáculos que se lhe apresentam, e que são parte do processo no qual se encontra mergulhado, o que mais lhe desenvolve a capacidade de crescimento e de armazenamento de conhecimentos.

Esse terror, gerador do grave mal, está quase sempre vinculado a condutas vivenciadas na infância, quando se foi vítima da negligência ou da crueldade de pais insensíveis, que promoveram cenas aterradoras e perversas, que o paciente atual associou inconscientemente aos fenômenos desafiadores da atualidade.

Comportamentos sexuais promíscuos dos adultos, sob a observação infantil ignorante, expressões agressivas e temerárias, que não puderam ser absorvidas nem superadas pela criança, tormentos decorrentes de agressões físicas e morais destituídas de compaixão e respeito, não podendo ser liberadas, por associação conduzem a vítima ao estado de despersonalização.

O corpo passa a ser detestado, e a falta de um conceito como de uma imagem corporal saudável, empurra-o para o atendimento dos impulsos sexuais mais primários e de maneira promíscua.

Quando o corpo, porém, é recuperado pelo discernimento, e toma-se aceito, ganhando vida e significado, modifica-se-lhe o comportamento sexual para melhor, equilibra-se-lhe a conduta emocional, fácilitase-lhe a aspiração da busca do amor e do afeto, pela necessidade de relacionamento estimulador e prazenteiro.

Muitas vezes, também, os pais, inadvertida ou conscientemente, passam a nutrir pelo descendente, um sentimento apaixonado, no qual está oculto o desejo de um relacionamento sexual perverso, anulando-lhe a natural constituição da personalidade, que se deveria ir firmando a pouco e pouco de forma correta.

Essas condutas estranhas e esdrúxulas de muitos pais, com características incestuosas, refletem os seus próprios conflitos e perturbações, que os não auxiliaram no desenvolvimento de um comportamento pessoal saudável, tanto quanto de um desenvolvimento sexual harmônico.

Aturdidos e viciados mentalmente, vêm nos filhos somente objetos para o autoprazer, preservando a sua personalidade incompleta e insatisfeita interiormente.

A reconquista da personalidade, no entanto, épossível, mediante a recuperação dos movimentos e da respiração, por meio de exercícios de reflexão e auto análise, eliminando as associações negativas e buscando-se, racionalmente direcionar a ocorrência dentro do quadro de valores que possui, sem superestima, nem mecanismo traumatizante. A aquisição da personalidade equilibrada está no relativismo do ego para com o Self, nas aspirações do corpo para com as da mente, no processo de busca de valores e de vivências geradores de alegria e portadores de paz.

Dentro do quadro da psicogênese da despersonalização, é-nos possível também adir, que muitos aspectos desse terror procedem de vivências em outras experiências carnais, passadas, que imprimiram suas marcas tão profundamente, que somente na juventude e na idade adulta o inconsciente consegue liberar em forma de clichês e recordações que passam a confundir e a atormentar, aprisionando os seus agentes nesses cárceres da respiração insuficiente e dos movimentos paralisados.

Todos os fatos que são praticados pela crueldade, pela insensatez e vilania, mesmo quando ocorre o fenômeno biológico da morte, não desaparecem, porque os danos morais continuam gerando consequências, até que o seu causador se recupere e reorganize a paisagem moral afetada.

Conhecendo a própria debilidade, e consciente do abuso perpetrado, o ser transfere de uma para outra experiência carnal a carga das responsabilidades, sendo compulsoriamente convidado à regularização. Essas reminiscências emergem como consciência culpada, terrores sem próxima justa causa, ansiedade, atitudes autopunitivas e autodestrutivas, que lhe alteram o comportamento pessoal, modificando, totalmente a personalidade que fica marcada.

Quanto mais se consiga autoconscientização das responsabilidades para com o corpo e para com o Espírito, mais facilmente se fazem a luta pela preservação da saúde física e mental, e as experiências propiciadoras do progresso moral e cultural, que contribuem para a existência realmente feliz.




Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 36.
Para visualizar o capítulo 36 completo, clique no botão abaixo:

Ver 36 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?