Nos Bastidores da Obsessão - Novo Projeto

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CAPÍTULO 15

Enfermidade salvadora

Havia um mês que o Sr. Mateus retornara ao lar, após a crise que o conduzira inconsciente ao Pronto Socorro, vítima de embolia cerebral. O ambiente espiritual na residência dos Soares era sensivelmente melhor. Havia mesmo uma atmosfera de paz inabitual naquele domicílio longamente sacudido por tempestades de vária ordem. O genitor de Mariana, carinhosamente assistido pela esposa e filhas, dava mostras de confortadora recuperação orgânica. Já conseguia falar com menor dose de esforço e as lições consoladoras do Espiritismo, a que se acostumara paulatinamente, mediante a leitura de "O Evangelho Segundo o Espiritismo" realizada pela ex-obsidiada, penetravam-no fundo, fazendo-o reformular conceitos e modificar disposições íntimas...

O Delegado de Polícia, que continuava à espera de poder ouvir o depoimento da vítima contra o Sr. Marcondes Pereira, o agressor, visitou o enfermo para tomar por termos a queixa-crime contra o desafeto, e, para surpresa geral, o Sr.

Mateus esteve à altura da situação. Pediu que tudo fosse esquecido, em considerando a própria leviandade, causadora do acontecimento, pois que ele não pretendia apresentar qualquer acusação. Germinava já naquele terreno, antes sáfaro, a semente do Evangelho Redentor.

O responsável pela ordem saiu agradecido e igualmente feliz com a decisão do Sr.

Mateus, em considerando, afinal, os danos não terem sido de grande monta e que o tempo tudo regularizaria.

Dias depois, acompanhado do mesmo Policial, o cidadão Marcondes veio visitar a sua vítima e lhe solicitou escusas, considerando a circunstância de se conhecerem de há muito, conquanto a pouca afinidade espiritual existente entre ambos.

Que fossem esquecidos os incidentes lutuosos que poderiam ter culminado na desgraça de dois chefes de família e na consequente desdita dos seus descendentes. Aquilo lhes serviria a ambos de lição preciosa.

Foi com essas noticias alvissareiras que nos reunimos para os trabalhos ordinários de desobsessão, após ouvi-las dos lábios de Dona Rosa e Amália que, serenadas as dificuldades no lar, retomavam os deveres do culto espiritual e da caridade aos desencarnados.

As operações socorristas estavam no término, quando Saturnino, incorporando o médium Morais, teceu algumas considerações em torno dos labores desobsessivos junto aos Soares.

—As nossas palavras de hoje — falou com inflexão de muita ternura e bondade, como lhe era habitual — são dirigidas à irmã Rosa, cujo exemplo de resignação nos comove e nos felicita. Convidada ao resgate em caudaloso rio de sofrimentos, a irmã querida tem sabido honrar a confiança do Senhor. Desde cedo requisitou a bênção da renúncia pessoal, reunindo no lar velhos compromissos que se complicavam e aceitou a incumbência de labutar infatigável até o fim da tarefa, sem desânimo nem rebeldia. É justo que lhe seja conferido o salário pela fidelidade no posto do dever retamente atendido.

E o salário do servo devotado é a esperança de melhores horas, com a paz de todos os instantes, para a continuação do empreendimento de luz interior, ao qual se encontra nobremente vinculada.


E desejando, talvez, demonstrar a elevação dos méritos da mãe de Amália, acrescentou:

—Tínhamos em mãos o dilema de como conduzir o Sr.

Mateus, em face das dores que pesavam sobre o seu lar e a sua irreverente deslealdade para com os deveres espontâneamente assumidos junto ao altar da família. Logo após o lamentável incidente de que se fez merecedor, reunimo-nos, aqueles que assumimos a responsabilidade do socorro a Mariana e posteriormente à família, para examinar o transcurso das tarefas futuras no seu lar, chegando à conclusão de que o remédio mais eficaz e mais bem aplicado para o nosso irmão seria o de demorada permanência no leito, a fim de que a limitação das forças e o constrangimento da enfermidade lhe pudessem despertar o espírito atormentado para as questões vitais da reencarnação, da imortalidade... Sabemos, por experiência e observação, que os mais calcetas e inveterados adversários da razão, do siso, dos sentimentos espirituais, modificam os conceitos logo se deparam com as perspectivas próximas da desencarnação e, embora não acreditando na continuação da vida, como fazem crer, rogam, desesperados, tempo para refazer o caminho e preparar-se... Assim, concluímos pela hipótese de retê-lo, no leito, dependendo das mãos da família, à queda espetacular e irreversivel no despenhadeiro da delinquência para onde marchava sob poderoso comando de insensíveis inimigos com os quais se imantava desde há muito. Dessa forma, após o delíquio no atrito com Marta, igualmente perturbada, recorremos a providencial socorro, aplicando-lhe recursos magnéticos que libertaram a bolha de ar que se alojou em circuito especial do cérebro, gerando a embolia de que foi acometido... Como o Divino Benfeitor dispõe de recursos e terapêutica especializada para todos os problemas e enfermidades, a dor, que agora lhe é mestra e mãe gentil, abre-lhe, também, as portas da compreensão da família e da paz no lar, ajudando-o a descobrir o mundo novo do espírito para a própria felicidade.


Silenciou por breves momentos e, logo depois, prosseguiu:

—Certamente que há muito ainda por fazer. Ele mesmo deverá desatar inúmeros liames a que se deixou prender, na retaguarda. Inclinado, no entanto, a observações mais prudentes e valiosas, poderá refazer muito dos danos antes gerados, iniciando novos cometimentos em prol de si mesmo. Seus verdugos se aquietam na encruzilhada das tramas soezes e aguardam ensejo. Alguns sitiam-no durante os momentos da libertação pelo sono, pois que de mente fortemente fascinada pelas dissipações, por cujos caminhos enveredou, sintoniza livremente com os antigos comparsas e deles recebe sugestões negativas, abundantes, e altas doses de energia deletéria, retornando à organização física acabrunhado, saudoso, rebelde... A providencial e inspirada interferência de Mariana, quando se prontificou à leitura do Evangelho junto ao seu leito, lentamente lhe modifica os painéis mentais, permitindo-lhe deslocar o centro de interesse, antes monoideado pelo jogo, para a elevação dos deveres, fazendo-o considerar a perda de tempo até então e a desvalia das suas aspirações, ante a vida carnal que se extingue com a enfermidade, a idade, o acidente... Impossibilitado de falar com a clareza desejável, não pode reagir nem discutir a temática espírita, e, semi-imobilizado, sente-se constrangido à reflexão dos conceitos ouvidos. Vagarosamente se lhe acalmam os centros desordenados dos raciocínios, impondo-se-lhe necessários novos comentários íntimos sobre as belezas da reencarnação, até então despercebidos... Concomitantemente, a união da família em torno dos estudos elevados e das meditações salutares granjeia simpatias enobrecidas do Mundo Espiritual e o reduto doméstico se transforma num pouso de refrigério para os lidadores desencarnados afeitos ao bem e, porque não dizer, uma escola viva para aprendizagem, na qual as lições são vidas que se rearmonizam em torno da Excelsa Vida de Jesus.

Frutificam já, nos ramos do arvoredo da fé, as doações do amor e da caridade, transformadas em seiva sadia e produtora.

Quando o Benfeitor silenciou, havia uma saturação de paz e alegria geral, que parecia carreada por mãos invisíveis e poderosas ali presentes.

Dirigiu-se, ainda, generoso e calmo, a alguns outros companheiros, quando, então, os trabalhos da noite foram encerrados.

Por alvitre do próprio Saturnino diretamente a Petitinga, feito anteriormente, e vencendo inúmeras dificuldades, procedemos a uma visita ao Lazareto, no bairro das Quintas, para tentar alguma assistência a Ana Maria, a antiga noiva atormentada e inditosa do irmão Teofrastus.

Solicitamente atendidos por um enfermeiro de plantão, e com o documento de autorização do serviço de Saúde Pública, percorremos várias dependências da Casa, até localizarmos a jovem, cuja presença nos fez evocar, como em sonho bom e agradável, a recordação da visita anterior que fizéramos àquele reduto de sofrimento, em espírito, sob a segura condução do Irmão Glaucus.

A moça, singularmente desfeita, com alguns sinais de arroxeamento na face e nos hélices e lóbulos das orelhas, comoveu-nos pela tristeza que refletia nos olhos angustiados e no rosto melancólico.

Petitinga, portador de nobre persuasão, conseguiu manter ligeira palestra com ela, emoldurando-a no halo da sua cordial simpatia envolvente. Poeta sensível, falou-lhe ligeiramente do Cristo Jesus e das Suas curas...

Motivou-a à saúde, à esperança, bem assim às duas companheiras que lhe dividiam a acanhada cela, quase uma masmorra nauseante e infecta, prometendo retornar sempre que se nos permitissem os compromissos.

Naquele tempo, as medidas sanitárias impeditivas de contacto com os portadores do «mal» de Hansen eram muito rigorosas, conquanto aqueles pacientes vivessem entregues ao quase total abandono, cuidados com medicamentos tais Alofam (um preparado de caroteno), o Chaulmoosan (feito com os ésteres etílicos do óleo de chalmugra), a termoterapia, as sulfas... As experiências em todo o mundo em que havia Leprosários ainda não ultrapassaram essa terapêutica, com algumas ligeiras variações sem grande significado. As tentativas para a cura se sucediam inócuas e de resultados desesperadores. Os pacientes, porém, eram muitas vezes caçados como animais e, em alguns países, conduziam-nos aos Lazaretos, acorrentados, com armas coladas à nuca...

Em lugares mais atrasados, viviam como nos tempos bíblicos, mendigando, com a face semicoberta, considerados selvagens e malditos, esfarrapados, dormindo nas matas ou nas rochas próximas dos caminhos onde esmolavam...

Assim, era muito difícil conseguir-se permissão para visitas regulares a pacientes internados.

O fantasma da enfermidade era tão poderosamente inculcado em todas as mentes e o «perigo» do contágio tão fortemente difundido, que nós mesmos sentíamos o constrangimento decorrente da ignorância.

Petitinga, no entanto, conseguiu, utilizando-se de amizades múltiplas, atingir o desiderato e passou a visitar Ana Maria uma que outra vez, oferecendo-lhe, ao primeiro ensejo, um exemplar de «O Evangelho segundo o EspIritismo», dizendolhe que ali, naquela fonte de luz e água Viva», ela encontraria paz e reconforto.

Ocorria, também, um admirável fenômeno: quando das nossas visitas e enquanto conversávamos, Saturnino, em espírito, utilizando-se das nossas forças ectoplásmicas, aplicava recursos salutares na paciente e nas suas companheiras, continuando a assistência, espiritualmente, nos dias subsequentes. Seu antigo obsessor fora deslocado desde a primeira visita que fizemos com o irmão Teofrastus, recolhido logo após pelos irmãos Glaucus e Ambrósio a Hospital especializado da Esfera Espiritual, para posterior tratamento.

Dessa forma, a tristeza e a melancolia foram desaparecendo paulatinamente da enferma e as manchas da intoxicação fluídica igualmente foram esmaecendo até o total desaparecimento.

Por insistência, ainda, de Petitinga, seis meses depois da nossa primeira visita, a enferma foi submetida a rigoroso exame e considerada curada. Ora, sabíamos que a sua doença era uma enfermidade simulacro, provocada pelos fluídos maléficos do seu obsessor, que conseguira levá-la àquele Lazareto para culminar com a sugestão de suicídio nefando, que a enrodilharia em teias fortes de desgraça, caindo-lhe nas garras odientas para o longo processo de vampirização espiritual, de demorado curso, nas regiões dolorosas das esferas infelizes...

Graças, também, à interferência de Petitinga, este conseguiu localizar a afilhhada em casa de família espírita que, conquanto soubesse do local donde a mesma procedia, não recusou a mão caridosa dirigida à sua recuperação total. A família informada do drama da obsessão de que padecera a jovem, o que motivara o seu ingresso naquele expurgadouro material, e cientificada do não perigo de contágio por inexistência da enfermidade, recebeu a moça que passou a experimentar vida nova, comprometida, no entanto, a apresentar-se regularmente cada seis meses, no Lazareto, para exames de verificação médica necessária.

Enquanto isto ocorria, Marta, recém-libertada dos velhos conceitos vazados na mais chã superstição, buscava manter a resolução firme de perseverar nas gãs ideias do Espiritismo.

Graças, porém, ao longo convívio psíquico com Entidades muito grosseiras, o que originara uma certa interdependência entre a sensitiva incauta e os seus comensais, começou a experimentar desequilíbrios perfeitamente compreensíveis.

Vidente com boas possibilidades de registro e percepção, que, conquanto ultrajada pelo uso, captava as mensagens dos desencarnados, passou a sofrer-lhes o cerco nefando, a que fazia jus, pela própria leviandade.

A simples mudança de clima impõe ao organismo adaptação necessária.

Assim, a alteração da "psicosfera" se faz, também, acompanhar de esforço muito grande, para elaboração de outras condições íntimas e conveniente sintonia.

Embora o esforço para vincular-se aos ideais renovadores, via as entidades antigas, ameaçadoras, escarnecendo dos seus propósitos e provocando injustificáveis temores, o que gera, normalmente, a crença de que as pessoas que abandonam tais compromissos sofrem até à desencarnação o assédio dos antigos comparsas.

Perfeitamente compreensível que tais vínculos, muito profundos, não podem ser desfeitos pura e simplesmente com uma atitude. Há que edificar, novos laços e organizar resistências convenientes.

Possuidora, no entanto, de muita força de vontade, passou a estudar o Espiritismo com interesse, instruindo-se nas suas lições preciosas, através do que armazenava argumentação para uso próprio, Confiança ilimitada no auxílio divino.


Submeteu-se a carinhoso tratamento de passes magnéticos, aplicados por médiuns adestrados e educados, fazendo-se membro atuante dos trabalhos doutrinários, nos quais as lições confortadoras da fé renovada lhe penetravam, sendo, por fim, convidada a atuar nas experiências mediúnicas, e se tornando, vagarosamente, um instrumento disciplinado, por cuja mediunidade diversos dos membros das suas anteriores crenças receberam a luz esclarecedora da razão, desertando dos propósitos acalentados e iniciando nova trajetória, como que renascendo para a verdadeira vida

*.

* Chamamos a atenção do leitor para o que esclarece Allan Kardec, em "O Livro dos Espíritos", Parte 2a, Capítulo 9 (29a edição da FEB): "551.

Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que seja dedicado, fazer mal ao seu próximo? "Não; DEUS NÃO o permitiria. " 552.

Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar? "Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas superticiosas, Ignorantes das verdadeiras leis da Natureza.

Os fatos que citam, com prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos. " 555.

Que sentido se deve dar ao qualificativo de feiticeiro? "Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas que, quando de boa-fé, gozam de certas faculdades, como sejam a força magnética ou a dupla vista.

Então, como fazem coisas geralmente incompreensíveis, são tidas por dotadas de um poder sobrenatural. Os vossos sábIos não têm passado muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos. "ignorantes?" O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a Ignorância teceu um sem número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam uma única, mostrando a realidade das coisas e suas verdadeiras causas, constitui o melhor preservativo contra as ideias superticiosas, porque revela o que é possível e o que é Impossível, o que está nas leis da Natureza e o que não passa de ridícula crendice. " — Nota do Autor espiritual.

As demais filhas da família Soares, sem problemas de relevo, ante exemplos comoventes que tais, passaram a cooperar efetivamente no lar, que se transformava em escola de fé viva sob as luzes exuberantes do Espiritismo consolador.




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