Nos Bastidores da Obsessão - Novo Projeto

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CAPÍTULO 7

Apontamentos novos

Afastado do conúbio permanente com Mariana, graças à interferência dos Benfeitores Espirituais, Guilherme esteve todo o tempo em tratamento especializado, de modo a refazer o campo mental, secularmente abalado pelo ódio infeliz e destruidor.

Mariana, por sua vez, que já vivia aclimatada psiquicamente às vibrações do seu perseguidor, sentiu-lhe a ausência desde o momento em que Saturnino recolhera ao aconchêgo da prece aquele que se lhe fizera verdugo inconsciente e pertinaz.

No dia imediato à primeira incorporação de Guilherme, a jovem, após retornar ao lar, deixara-se abater por forte prostração. As emoções suportadas durante aquele dia, a expectativa dolorosa e frustrada quanto ao desejado colóquio com o namorado, a presença da Sra.

Aurelina e o reencontro com a genitora gastaram-lhe as resistências psíquicas e físicas, desde há muito vilmente vampirizadas pelo comparsa desencarnado. A jovem amanheceu, portanto, indisposta e perturbada. Recordava-se de cruéis pesadelos de que fora vítima, nos quais parecia estar sempre perseguida por impiedoso assassino que lhe desejava tomar a vida, despertando transtornada e sendo acometida de constantes delíquios.

Dona Rosa e Amália desdobravam-se em angustiante assistência à moça atormentada, sem lograrem os resultados que desejavam.

O Sr. Mateus, indiferente ao drama que se desenrolava no próprio lar, mantinha-se apático, distante...

Ao entardecer, como Mariana continuasse em doloroso desconserto emocional, por alvitre de Amália foi chamado um médico relacionado com a família, que, após aplicar um sedativo, recomendou repouso e confidenciou à mãe aflita a sua opinião de que a jovem estava com singular crise histérica, da qual poderia sair mentalmente perturbada.

A nobre senhora, banhada em lágrimas, redobrou cuidados junto ao leito da filha e de imediato solicitou a Amália fosse buscar a caridade nas mãos de José Petitinga, convidando-o a vir ao seu lar, em tarefa de socorro e compaixão.

O servidor fiel do Evangelho, à hora aprazada, tendo-nos antes convidado, compareceu, conosco, solícito, ao lar dos Soares, e fomos conduzidos ao quarto em que a moça dormia, visivelmente agitada.

Depois de demorada concentração e de sincero recolhimento através da oração, Petitinga, amparado carinhosamente pelo irmão Saturnino, fez demorada aplicação de passes na jovem, que lentamente se foi acalmando até que o sono se lhe fez reparador, tranquilizante.


Interessado em acalmar a família aflita, esclareceu, bondoso:

— Mariana, conforme verificamos nos trabalhos espirituais da noite passada, vinha sendo vítima de uma obsessão em grave desenvolvimento. Vinculada pelo passado culposo a atormentado companheiro que se lhe transformou em adversário vingador, absorveu durante alguns anos as energias deletérias em que se via envolvida, criando um condicionamento psíquico, que, embora desgastando o seu organismo, lhe servia, também e simultâneamente, de sustentação.

Libertada da constrição perturbadora, conforme acompanhamos durante os trabalhos desobseøsivos, ressente-se e padece as consequências da falta dos fluídos pesados...


E desejando elucidar com mais segurança, acrescentou:

— É como alguém que, ambientado a uma região de ar viciado, repentinamente fosse trasladado para um planalto de ar rarefeito e puro, o que produziria natural sensação de mal-estar, asfixia e tortura.

Depois de uma pausa mais longa, como se rebuscasse os refolhos da memória, e inspirado pelo seu Espírito guia, adiu: Tenho a impressão de que os labores socorristas da noite se alongaram durante as horas do sono... Estão-me impressas na mente desde esta manhã diversas cenas que me recordam serviços espirituais junto a Mariana, seus familiares e o Espírito perseguidor... Estou certo de que o processo em estudo se alongará ainda por algum tempo e de que teremos que envidar muitos esforços no sentido de equacionar os problemas que se misturam no drama dessa obsessão, muito característica, aliás. No momento, vejo Saturnino que, assentindo com gesto peculiar da cabeça, nos conclama àpaciência, à oração e à vigilância. Mariana não está desamparada, mas se faz mister carinhosa assistência e muita dedicação, até que se possa recobrar do doloroso embate, cujo pórtico de libertação somente agora vislumbra, tendo muito caminho a percorrer.

Viremos diàriamente aplicar-lhe passes e instruí-la espiritualmente como o caso requer, de modo a que ela aprenda a sintonizar em outras faixas do pensamento espiritual e moral, a fim de contribuir eficazmente para a própria regeneração íntima e recuperação da saúde.


Despedindo-se gentilmente dos familiares visitados, sob visível gratidão de todos, ao chegar à rua Petitinga prosseguiu explicando-me, assumindo essa atitude que lhe era habitual:

— Ocorre que despertados os centros da memória subconsciente, Mariana se vê agredida pelas próprias imagens desequilibrantes que acalentou, e que se podem transformar em infeliz processo de loucura. Loucos não são somente os que são vítimas de infecções específicas, os que têm lesões cerebrais, os que sofreram traumatismo craniano, os que padecem de tumores no cérebro, os esquizofrênicos e outras tantas que se apresentam sob causas outras. Não apenas os obsidiados por Entidades desencarnadas. O enfermo mental, classificado em qualquer nomenclatura, é espírito perseguido em si mesmo, fugitivo das Leis Divinas, refugiando-se numa organização psíquica que lhe não resiste aos caprichos e se desborda em alucinações, até à alienação total. Muitas recordações infelizes de existências passadas podem, repentinamente, assomar à consciência atual, libertadas dos depósitos da subconsciência, criando estados patológicos muito complexos. Essas evocações podem tomar dois aspectos distintos: remorso inconsciente a se manifestar em forma de autopunição, como buscando reparar o mal praticado, e recordação tormentosa, persistente, gerando a distonia da razão, o desequilíbrio do discernimento.

No caso de Mariana, a segunda é a hipótese que melhor se lhe ajusta.


Fez silêncio. A noite convidava à meditação. As ruas calmas da cidade ensejavam marcha lenta e agradável. Interessado em clarificar o problema, aduziu:

— Como observamos durante os trabalhos já referidos, que tiveram curso demorado quando buscamos o leito, na noite passada — dos quais me lembro cada vez com melhor nitidez —, Mariana se defrontou, parcialmente desdobrada pelo sono, com o seu antagonista e recordou naturalmente da fuga ao dever, da responsabilidade pelo sofrimento que acarreta ao atual desafeto, ficando desse modo vivas, na mente, as cenas revisadas pela necessidade imperiosa que se fazia do reencontro espiritual da vítima e do algoz, para o impositivo da pacificação. Nada ocorre em nome de um protecionismo que seria injusto e indigno do Nosso Pai.

Verdugo e vítima são filhos do mesmo Amor, momentaneamente separados por desconsideração ao dever ou por maneira inditosa de acatar os fatos e acontecimentos da vida. Daí, a inevitabilidade de uma existência pautada nos conceitos sempre atuais do Evangelho de Jesus.

— E terá ela probabilidade de se refazer? — indaguei, interessado.


Sempre muito sereno, o interlocutor fitou-me com os seus olhos muito claros e brilhantes, e disse:

— Como você sabe, Miranda, a Lei é de Amor, sem dúvida; no entanto, também é de Justiça e de Misericórdia. Muito dependerá da menina Mariana. Falou-nos Dona Rosa que o esculápio diagnosticara tratar-se o seu problema de uma «crise histérica», deixando maliciosamente a suspeição de ser o problema de ordem sexual, que não tenho autoridade técnica do assunto para contestar. Acreditam os discípulos de Freud, que no sexo se encontram as explicações para quase todos os problemas que afligem o homem, na Terra. A comunhão afetiva, inegàvelmente, vazada na excelência do amor, consegue sublime intercâmbio de forças e energias de variada espécie que restauram, às vezes, as organizações físicas e psíquicas em desalinho, especialmente quando de tal intercâmbio resulta a bênção de filhos, pois que os inimigos espirituais quase sempre tomam a roupagem filial e renascem nos braços dos seus antigos adversários, libertando-os temporàriamente das perturbações que antes experimentavam — o que dá aos materialistas a falsa impressão de que o problema foi resolvido pela comunhão sexual calmante, por ignorarem, os que assim pensam, as leis das reencarnações, que são santificadoras portas de paz! — para surgirem outras implicações, mais tarde, que somente o amor, a abnegação, o perdão puro e a humildade, amparados na oração, podem equacionar. Confiemos que Mariana se liberte quanto antes da atual conjuntura e se possa preparar para o amanhã vitorioso. Há também um argumento que contraria a tese materialista que atribui ao sexo proezaz quase ilimitadas.

Não poucas vezes casais perfeitamente harmonizados e sexualmente tranquilos, descambam para lamentáveis desequilíbrios, os quais não se enquadram na apressada solução do uso do sexo, como moderador para o campo emocional.

Chegáramos ao local do transporte.

Tomamos as conduções e rumamos em direção diversa.

Desde então, diariamente visitávamos a paciente que, lenta, porém seguramente, dava mostras de recomposição íntima.

Dias houve mais graves, consequência natural dos encontros mantidos espiritualmente nas tarefas em desdobramento e de que ela não se dava conta ao retomar a lucidez orgânica.

Instruída cada dia nas lições ministradas por Petitinga, logo depois começou a andar e pôde, então, frequentar as sessões de estudos e passes dirigidas pelo amoroso seareiro de Jesus.

De quando em quando, acordava agitada, revendo-se em terras distantes, experimentando tormentosas agonias compreensíveis...

Petitinga, inteirado do processo de obsessão, conforme prosseguiam os serviços espirituais nas diversas reuniões especialmente convocadas por Saturnino para tal mister, quanto estávamos nós próprio, auxiliava a enferma, esclarecia, ministrava passes, orava, conclamava, otimista, aos serviços da esperança e do amor.

Concitou-a vezes várias à aproximação afetiva com o Sr. Mateus que, sempre reservado, apresentava já alguns sintomas característicos da «psicose senil», ele que também estava menos azorragado pelas tenazes de Guilherme, ora em tratamento.

Graças às palestras edificantes do generoso expositor, o lar dos Soares se foi transformando, não totalmente, produzindo uma atmosfera de entendimento relativo, que resultava em bem geral.

O caminho a percorrer, no entanto, era ainda muito longo.

Passaram-se apenas quatro semanas desde o choque entre filha e pai, quando tivera começo o serviço da desobsessão.

Na noite imediata ao encontro malogrado, Adalberto, refeito do problema gastrintestinal de que fora vítima, procurou informações sobre Mariana, vindo a saber por pessoa amiga de que esta se encontrava enferma.

Solicitou, então, logo depois, permissão a Dona Rosa para visitar-lhe a filha, no que foi atendido pela generosa matrona, embora sem atinar com a razão que o levava a este impulso.

Sem compreender o que ocorrera, Adalberto não pôde ocultar a singular surpresa que o acolheu quando visitou Mariana. Desfeita, sem vitalidade, a jovem causou-lhe imediata compaixão. Fitando-a, em silêncio, repassou pela mente pouco afeita a cogitações mais elevadas os planos que animara até quase às vésperas, deixando-se arrastar por abençoado arrependimento. Vendo a sua quase vítima, indefesa, quase desfalecida, um sentimento novo de afeição começou a brotar no seu espírito, compreendendo a necessidade de imprimir diferente rumo às suas atitudes.

A vida física, junto ao leito da namorada, lhe parecia tão rápida e enganosa! Agradecia a Deus, sem palavras, a enfermidade que o impossibilitara de ter ido ao encontro com a jovem, sem entender de como tudo fora estabelecido pelos Emissários do Bem.

A partir daquela noite, passou a visitá-la com regularidade, sob a aquiescência materna, e, depois, por curiosidade e para ser gentil acompanhou-a às dissertações espíritas, revelando-se um admirador entusiasta do Espiritismo, e de Petitinga que lhe conquistara imediatamente a amizade.

Quando se encerravam as exposições doutrinárias, invariàvelmente Adalberto se acercava do venerando evangelizador e lhe apresentava, em forma de perguntas inteligentes, problemas que o afligiam intimamente, ou relacionava os informes espíritas com os fatos e angústias humanas, os dramas sociais, as enfermidades irreversíveis, nas quais milhões de seres se debatem e se desesperam, e para os quais a Ciência Médica na grande maioria dos casos se apresenta impotente.

As respostas serenas, lúcidas e lógicas, oferecidas por Petitinga, dealbavam para o moço horizontes de esperança, dantes jamais sonhados.

Mariana, conquanto muitas vezes permanecesse de semblante turbado por funda melancolia, invadida por macilenta palidez da face, registrava as lições novas nos refolhos dalma, com viva emoção.

Vezes outras, enquanto recebia o recurso do passe, deixava-se dominar por choro convulsivo e desesperador, tomando um "facies" de desespero como se visões pavorosas lhe assomassem à mente, após o que caía em prostração.


Petitinga sempre interessado em ajudar-nos com esclarecimentos, diante da jovem adormecida, explicava:

— Essas crises procedem de visões por parte de Mariana dos seus perseguidores espirituais, pois que estes, amparados, não a inquietam no momento. Ocorre que o próprio espírito, jugulado ao remorso por muitos anos antes de reencarnar, fixou vigorosamente na sede da memória perispiritual, que mais tarde se imprimiriam no cérebro, as cenas dolorosas que vivera no Hospício do Haarlen, conforme narrara ela mesma quando desdobrada pelo sono, no reencontro com Guilherme. O corpo é sempre para o espírito devedor — devedores que reconhecemos ser todos nós — sublime refúgio, portador da bênção do olvido momentâneo aos males que praticamos e cuja evocação, se nos viesse à Consciência de inopino, nos aniquilaria a esperança da redenção. Quando viciado por indisciplina da nossa vontade, ele envia aos recônditos do espírito os condicionamentos que se transformam em flagício, passando de uma reencarnação a outra, até que se depure, libertando os centros da vida das impressões vigorosas que os sulcaram. Na mesma ordem, os erros e os gravames praticados pelo espírito em processo evolutivo são transmitidos ao corpo que os integra na forma, assinalando nas células os impositivos da própria reparação, a se apresentarem como limitação, frustração, recalque, complexos da personalidade como outros problemas e enfermidades que são as mãos da Lei Divina reajustando o infrator à ordem. A semelhança de uma esponja, o corpo absorve as impressões que partem do espírito ou as elimina, como também se carrega da psicosfera ambiente e a envia ao íntimo, passando a viver-lhe as emanações.

Abençoar, portanto, esse «doce jumentinho», como o chamava meigamente Francisco, o Santo de Assis, com disciplina e educação, é dever que a todos nos devemos impor a benefício próprio e que não podemos postergar.

Diante das ínformações doutrinárias oferecidas pelo preclaro Benfeitor Petitinga, quedávamo-nos comovidos, buscando pesar, cada vez mais, as responsabilidades que nos competem na condução da organização física, lamentàvelmente tão pouco aproveitada pela imensa maioria das criaturas humanas.

Enquanto se desenvolviam os labores socorristas a Guilherme e simultaneamente a Mariana, os implicados mais diretamente nas malhas do sofrimento redentor, ela apresentava sinais de reequilíbrio, enquanto registrávamos os benefícios que a todos nós alcançavam, graças à aplicação da caridade fraternal.




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