Tormentos da Obsessão
Versão para cópiaA CONSCIÊNCIA RESPONSÁVEL
Com o abnegado Alberto retornamos à enfermaria onde Ambrósio prosseguia sob assistência carinhosa, mergulhado no abismo das próprias angústias e aflições.
Apresentava-se como de hábito amadurecendo as reflexões ao calor do arrependimento tardio, que abre espaço para a expiação que vivia, a fim de que o futuro lhe facultasse a necessária reparação.
Afeiçoei-me ao sofredor, nele identificando muitos companheiros terrestres que fazem da mediunidade mercantilismo extravagante ou instrumento de exibição do ego para tormento próprio.
Detendo-me junto ao seu leito, procurava exteriorizar os sentimentos de compaixão e ternura, a fim de que as densas camadas de energia deletéria fossem, a pouco e pouco, diluindo-se, de forma que, em ocasião oportuna, ele se pudesse libertar para novos enfrentamentos com a razão e a caridade.
Dessa maneira, ali permaneci em oração por alguns minutos, assessorando os assistentes espirituais que dele cuidavam, dando-me conta de que o amor com que se encontrava visitado pela caridade geral, conseguia o objetivo feliz de abrir-lhe espaço para a libertação.
Preparava-me para sair com o devotado cicerone, quando deu entrada uma nobre Senhora, portadora de expressiva beleza, que havia conhecido o médium durante a vilegiatura carnal e mantinha por ele devotamento fraternal.
Depois de saudar-nos, manteve-se em silenciosa oração, durante cujo período exteriorizou suave e peregrina claridade que igualmente envolveu o paciente adormecido.
Manteve-se em atitude de reflexão por vários minutos, quando, então, dispôs-se a sair.
Alberto, sempre gentil, conhecendo-lhe a história vivida na recente existência terrena, acompanhou-a e, no corredor, apresentou-me com bondade e gentileza, explicando os objetivos da minha estância, naquele Sanatório espiritual.
Sem qualquer constrangimento, a Senhora externou simpatia pelo projeto no qual me encontrava envolvido, e ofereceu-se a narrar-nos sua especial experiência humana.
Acercamo-nos, por sugestão da mesma, de uma sala muito agradável, num dos recantos do pavilhão, ali, no subsolo, que se encontrava iluminado pela branda luz do Sol da primavera.
Logo se apresentou o ensejo, ela expôs:
— Conheci a provação da facilidade econômica, havendo nascido em uma família paulistana possuidora de largos tratos de terras e abundantes bens de várias natureza.
Experimentei a ternura de pais devotados e generosos, que me mimaram por demorados anos, enriquecendo-me de carinho e falando-me dos deveres da consciência perante a vida e a humanidade.
Pude estudar em Escolas requintadas, embora não me houvesse interessado por adquirir um Diploma de qualquer especialidade.
Senti, desde muito cedo, que havia nascido para o lar, anelando por uma família que pudesse contribuir favoravelmente para a sociedade.
Muito sensível, passei a identificar fenômenos mediúnicos que me alegravam, ensejando-me convivência com os Espíritos, que passei a amar. "Nesse ínterim, travei conhecimento com o Espiritismo, e confesso que me fascinei com os romances mediúnicos, firmados por Entidades nobres através de seareiros dignos.
As histórias, repassadas de sabedoria, fundamentadas nos postulados kardequianos, me tocavam profundamente.
Procurei introjetar algumas daquelas vidas, de forma que me servissem de modelo para o cotidiano existencial.
Porque essas mensagens fossem reveladoras, participando de experiências práticas em um grupo familiar, comecei a psicografar breves páginas, que me constituíram verdadeiras bênçãos. "Muito bem relacionada socialmente, não temi informar às amigas e aos familiares as descobertas preciosas da Doutrina dos 1mortais.
Na minha ingenuidade supunha que todos estivessem amadurecidos para as reflexões profundas da vida após o túmulo, esquecendo-me de que muitos são chamados, mas somente poucos serão escolhidos.
Compreensivelmente, minhas palavras e entusiasmo foram mal interpretados, e mesmo censurados, levando-me ao retraimento em torno das ideias que abraçava. " A Senhora, enquanto recordava, demonstrou emoção que a fez parar por um momento, logo prosseguindo:
— Foi naquele pequeno grupo que conheci o homem honrado e brilhante com quem me casei posteriormente.
Exercendo um alto cargo em respeitável Empresa, tornara-se espírita premido pela lógica dos postulados doutrinários e pelos esclarecimentos que oferecia em torno dos ensinamentos de Jesus, porquanto, estudioso do Evangelho, não podia concordar com as peias dogmáticas e as interpretações absurdas que eram oferecidas pela Igreja de Roma. "O nosso foi um reencontro, porquanto as afinidades que nos vinculavam eram numerosas, insejando-nos um relacionamento afetivo, profundo e sério.
Consorciamo-nos, para júbilo dos meus pais, que ainda se encontravam reencarnados, e construímos a casa que deveria hospedar-nos, como se fosse um ninho encantado para a vivência do amor.
A medida que os anos se passaram, relacionamo-nos com outras famílias espíritas e tornamo-nos membros ativos de respeitável Instituição devotada à divulgação do Espiritismo. "Como a felicidade no mundo não é completa, constatamos com tristeza a impossibilidade de sermos pais, por impedimento orgânico de minha parte.
Conseguimos, no entanto, sobrepor à tristeza e decepção, a compreensão de que na Terra colhemos conforme a semeadura anterior, e resolvemo-nos por contribuir de maneira positiva em favor das crianças muito necessitadas que acorriam ao Departamento assistencial do Núcleo que frequentávamos. " Novamente fez uma breve pausa oportuna, como que para concatenar as recordações, e continuou:
— Nessa ocasião, um dos casais que se nos tornou muito amigo e afeiçoado, informou-nos que pretendia visitar em outra cidade abnegado médium que enriquecia as vidas que o buscavam com mensagens de alta qualidade, porque fiéis aos seus Autores, e cuja vida era um Evangelho de feitos.
Sem qualquer dificuldade programamos uma excursão, objetivando visitá-lo, e, na data estabelecida, bem como no horário regulamentar, tivemos a imensa alegria de conhecer alguém que passaria, a partir de então, a constituirnos exemplo de fé, de coragem, de abnegação na mediunidade e na conduta, cujo convívio iluminava as vidas que se lhe acercavam. "Naquela noite incomparável, tivemos a impressão que os Céus desceram à Terra, no modesto recinto onde se orava e se discutia as promessas do Evangelho, ao tempo em que o medianeiro psicografava sem cessar.
Fascinada, acompanhei todos os lances daquele inesquecível acontecimento entre preces de entrega a Deus e, porque não dizer, deslumbramento pelo que acontecia à minha volta.
Posso afirmar que, também os outros, aqueles que viajaram conosco e diversos mais que vieram de diferentes lugares, participavam do banquete de luz com a mesma emotividade, reconhecidos e firmando propósitos de fidelidade ao dever, à consciência espírita. "A reunião prolongou-se por várias horas, e, ao terminar, foram lidas as mensagens de alto conteúdo filosófico, ético e espiritual.
Umas de consolação aos familiares aflitos que ali estavam buscando conforto para as dores da saudade e do sofrimento; outras de poetas e escritores que volviam ao proscênio terrestre para traduzir as emoções da sobrevivência ao corpo frágil;
outras mais, de orientação e advertência.
Foi nesse momento, que O abnegado médium chamou-nos nominalmente, a mim e ao meu marido, passando a ler uma mensagem do Venerável Dr. Bezerra de Menezes conclamando-nos ao trabalho da caridade fraternal, da entrega aos filhos do Calvário, da dedicação aos que se encontrassem perdidos na noite da ignorância espiritual...
O casal amigo igualmente foi aquinhoado com expressiva mensagem de conforto e de chamamento, que lhes assinalou os sentimentos em profundidade, norteandolhes a existência a partir de então com segurança e firmeza.
Concluída essa parte, em convívio espontâneo e quase íntimo O iluminado Instrumento dos Espíritos narrou-nos detalhes da sua faculdade, especialmente aqueles que ocorriam durante o transe mediúnico, informando-nos sobre acontecimentos que tiveram lugar na reunião, e que se tornaram para todos nós lições de incomum beleza, que jamais seriam esquecidos ou descurados. "Retornamos aos nossos lares tomados por incoercível felicidade, prometendo-nos servir e amar sem restrição, custasse-nos o preço que fosse.
Posso afirmar que aquela experiência iluminativa foi o marco definidor do nosso futuro espiritual, e que, lamentavelmente não soube preservar por fraqueza moral face ao cerco das más inclinações que predominam em a minha natureza.
Outras vezes voltaria àquele santuário, onde a morte era destruída pela Presença da vida abundante, e outras páginas de invulgar beleza nos foram dirigidas, convidando-nos ao prosseguimento do serviço e da caridade, caminhos seguros para a libertação do egoísmo, do orgulho e da presunção.
Simultaneamente, as faculdades mediúnicas ampliaram-me as possibilidades de captação espiritual, e, sem dar-me conta comecei a intoxicarme de vaidade, considerando-me quase privilegiada... "Como se pode perceber, um passo em falso, na difícil ascensão, e tudo pode transformar-se em sofrimento, em desalinho, em queda...
Foi o que me sucedeu, porquanto, convidada a edificar uma Obra de amor para atender criaturas infelizes, que a orfandade recolhera e o abandono social crestara, considerando a minha posição sócio-econômica passei a imaginar uma construção fabulosa, longe da simplicidade do bem, empenhando-me com todas as forças e aplicando muitos dos recursos que possuía, a fim de executála.
A imaginação em febre libertou antigos infelizes hábitos adormecidos no inconsciente, e a Dama que deveria ser da Caridade, passou a viver a imponência da ilusão, pensando em detalhes sem importância, a que atribuía alto significado, deixando o tempo correr, precioso patrimônio que escapava, enquanto os candidatos espirituais ao amparo se perdiam nos cipoais dos vícios e da delinquência. " A Senhora demonstrava visível emotividade.
Desejei pedir-lhe para interromper a narrativa que se lhe apresentava aflitiva, mas, olhando o caro Alberto, em busca de apoio, vi que ele esboçou delicado sorriso, tranquilizando-me.
— Peço desculpas — disse-nos a narradora — pela emoção.
Trata-se de recordações muito caras, que não posso esquecer, hoje patrimônio da consciência responsável.
Olvidei que o bem dispensa atavios, tem praticidade e urgência.
Nos engodos a que me entreguei no mundo, facilmente as imposições da frivolidade se transformam em valores significativos somente porque lhes atribuímos significado. "É claro que o nobre Dr. Bezerra me advertiu sutilmente várias vezes, não apenas através do seu dócil instrumento mediúnico, como também por meu próprio intermédio.
Mas a ilusão, que se me instalara no Espírito, bloqueou-me a razão, e somente eu não conseguia ver o lamentável engano a que me entregava.
A morte amiga, nesse momento difícil, arrebatou-me o companheiro, que me deixou um grande vazio existencial, mas não me despertou a humildade necessária para o serviço de Jesus entre os Seus na Terra. "Sem a lucidez indispensável, afastei-me dos amigos que me tentavam dissuadir da empresa grandiosa, convidando-me ao singelo trabalho da fraternidade, e reuni um grupo de equivocados como eu, fascinados com as mensagens de que me fazia objeto, sem aplicar a razão, o discernimento, na análise das páginas que então psicografava.
Como consequência, não fruí a alegria de albergar aqueles que a Vida me confiava aos cuidados, havendo desencarnado antes de concluir o trabalho... "Pode-se imaginar a decepção que me assaltou ao despertar além do portal de cinzas.
A medida que a claridade mental me assomava, mais angústia me assaltava o coração e a razão.
O compassivo dr. Bezerra, veio então, mais uma vez, em meu socorro, oferecendo-me conforto moral e esperança em relação ao futuro, de forma que o desespero não me fizesse afundar na depressão ou noutro estado qualquer de perturbação.
Esclareceu-me que sempre é tempo de recomeçar, e demonstrou-me que ele próprio prosseguia auxiliando os companheiros que ficaram na retaguarda, o que também eu poderia fazer em companhia do esposo, despertando os amigos aos quais anestesiara, e amparando os necessitados que ficaram na expectativa da assistência que lhes não pude oferecer.
É certo que a luz do Espiritismo orientava-me na ação da fraternidade, e procurei atender os aflitos do caminho, assistindo-os com carinho e misericórdia quanto me era possível. " Um outro silêncio espontâneo fez-se entre nos.
Transcorridos alguns segundos, a nobre Dama adiu:
—A reencarnação é dádiva de Deus, sem a qual ninguém lograria o triunfo sobre as próprias paixões.
Etapa a etapa, o Espírito se liberta dos limites, como o diamante que sai da parte bruta a golpes da lapidação, a fim de brilhar como estrela divina.
O trabalho prossegue, felizmente, e os amigos devotados têm encontrado no Benfeitor vigilante a inspiração, que procuramos vivenciar com eles, restaurando os objetivos desviados e trabalhando afanosamente para que a dor seja menos aflitiva e o amor mais operoso em todas as dimensões. "Foi no início das atividades de construção da Obra que conheci o irmão Ambrósio, numa das suas conferências monumentais em nossa cidade.
Vinculamo-nos fraternalmente, e o recebemos em nosso lar, meu marido e eu, diversas vezes, quando ele exercia a mediunidade com elevação. Acompanhei, de alguma forma, o seu declínio, quando mudou de amizades, preferindo os espetáculos estapafúrdios e exibicionistas decorrentes da lamentável obsessão que o acometeu.
Visitando-o, não me posso furtar à reflexão, de que também eu tombara em sutil intercâmbio nefasto, cuja sintonia facultara através da vaidade exacerbada no cumprimento do dever.
A sua é a história de muitos de nós, médiuns desprevenidos e vitimados em nós mesmos pela luxúria, pela prepotência, pela sede de glórias terrenas e de encantamentos para a egolatria. " E dando um toque final, com um sorriso matreiro, encerrou o nosso encontro, esclarecendo:
— Mediunidade e presunção não podem andar juntos sem desastre à vista.
Pediu-nos licença e afastou-se airosa, deixando-nos mensagens de alta gravidade para reflexão e aprendizado.
Como eu poderia entender que, não obstante o quase insucesso da sua experiência, se apresentasse portadora de valores espirituais relevantes? Logo porém compreendi, por rápida conclusão, que o Bem que se faz sempre é melhor para o seu realizador, não importando como é feito ou vivenciado. A Dama, que ora se analisava com bastante severidade, realizara uma Obra de amor e vivenciara o Evangelho quanto lhe permitiram as possibilidades.
Os equívocos, a que se referia, eram consequência de malogradas experiências anteriores, que não conseguiu superar, mas lutou tenazmente para produzir melhor e com mais eficácia.
O essencial é não parar, não se acumpliciar com o mal, não perverter os objetivos nobres, permanecendo fiel ao compromisso abraçado para fazer o melhor, mesmo que o não consiga.
E ela, de alguma forma, fora uma triunfadora.
Dialogando com Alberto, concluímos que ela se tornara vítima da interferência de mentes desencar nadas interessadas em manter a sombra na Terra e de impedir que os Espíritos afeiçoados à Verdade se desembaraçassem dos liames negativos a que se vincularam antes.
Sutilmente, mas com firmeza, esses Espíritos enfermos movimentam-se nos mais significativos programas de dignificação humana, tentando enredar aqueles que se encontram envolvidos na sua realização, inspirando pensamentos equivocados, mas com aparência de elevação.
Induzem-nos a praticas exóticas, como destaque no grupo onde moureiam, à usança de indumentárias com esta ou aquela tonalidade, dando um toque de pureza externa aos seus atos, sem a correspondente pulcritude interna, enquanto lhes insuflam a vaidade desmedida, atraindo-os para posturas não condizentes com a atividade que realizam...
A obsessão sutil é enfermidade que grassa desordenadamente entre as criaturas humanas passando quase despercebida.
A sua ação nefasta se devem muitos distúrbios no comportamento terrestre e muitas quedas ante os compromissos morais e espirituais que deveriam ser realizados com mais elevada nobreza.
Somente a constante vigilância da consciência reta constitui mecanismo de defesa contra essas sortidas do mundo espiritual inferior, ao lado do envolvimento nos compromissos íntimos com a simplicidade do coração e da ação, perseverando-se nos deveres, sem qualquer extravagância até o momento da libertação carnal.
A um observador inexperiente pareceria que as forças identificadas como sendo o Mal, conseguem operar livremente em toda parte, sem que haja con trole superior limitando o seu campo de ação.
No entanto, a realidade é bem diversa; isto porque esses Espíritos que se creem poderosos na preservação dos objetivos vis, estão apenas doentes, necessitados de amor e de misericórdia que nunca lhes faltarão.
A sua permanência nesses objetivos é de breve duração, porque serão atraídos para a Grande Luz, e se libertarão no momento próprio dos impositivos inferiores a que se afervoram momentaneamente.
O processo de crescimento espiritual nem sempre é fácil, porquanto vencida uma etapa outra se apresenta, de modo que são superadas as deficiências anteriores mediante conquistas novas.
Aqueles que se mantêm na retaguarda e se acreditam incapacitados de prosseguir, lentamente despertam para os valores nobres e conquistam-nos, alçando-se à plenitude que a todos nos aguarda.
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