Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 17

ALUCINAÇÕES ESPIRITUAIS

Encerrada a visita a Gustavo Ribeiro, Dr. Ignácio conduziu-nos a uma Enfermaria onde se encontravam diversos pacientes: uns hebetados, outros agitados, todos em lamentável estado de desequilíbrio psíquico.

Havia uma gritaria infrene, gargalhadas ensurdecedoras, blasfêmias e vitupérios que se misturavam ao choro convulsivo e aos apelos comovedores.

A enfermaria espiritual diferia pouco daquelas terrestres, caracterizada porém, pela limpeza e pelos cuidados especiais que eram dispensados aos pacientes.

Havia, não obstante o tumulto, uma psicosfera de tranquilidade e de dedicação ao próximo, que surpreendia.

Observando os doentes, notei que cada um permanecia no seu mundo, totalmente alienado da realidade ambiental, das necessidades do seu companheiro de infortúnio, dos acontecimentos à sua volta.

Sob o direcionamento do médico, acercamo-nos de um leito, separado dos demais por um biombo coberto de tecido alvinitente, e nos deparamos com um paciente desfigurado, estereótipo do alucinado.

Gritava e debatia-se com desesperação, como se desejasse libertar-se de agressores invisíveis que o agoniavam.

Agucei a observação mental e detectei que ele lutava contra formas hediondas que o ameaçavam e logravam atacá-lo.


Ante a surpresa, que se me fez natural, o amigo gentil explicou-me:

— Trata-se de formas-pensamento, que foram elaboradas por ele mesmo durante quase toda a existência de adulto, e de que não se conseguiu desembaraçar na Terra, continuando no seu campo mental após a morte física.

Tão vívida era a sua constituição que adquiriram existência, e são nutridas agora pelo medo e pelo mecanismo da consciência culpada.

O irmão Honório é vítima também de si mesmo, porém, com alguma diferença em relação a Gustavo, como teremos ocasião de o constatar.

Indagando quanto aos procedimentos que deveriam ter antecipado aquele momento, Dr. Ignácio foi informado de que a sala estava preparada, faltando, somente, anestesiar o paciente para conduzi-lo.

De surpresa em surpresa, saímos da Enfermaria com o pequeno grupo que conduzia o sofrido Honório agora adormecido mediante o recurso especial que lhe foi aplicado e aproximamo-nos, no lado oposto, de um recinto suavemente iluminado onde já se encontravam Eurípedes, dona Maria Modesto e as duas médiuns já nossas conhecidas.

Pairava no ar dúlcida vibração de paz, em razão de o recinto estar invadido por ondas sucessivas de bem-estar com quase imperceptível melodia ambiental, que convidava à reflexão e à prece.


Após instalar o enfermo na cama que o aguardava, depois de breves considerações, o venerável Eurípedes orou:

— Jesus, Excelso Terapeuta: Os enfermos espirituais, que somos quase todos nós, reunimo-nos, mais uma vez, no Hospital de amor que nos confiaste, para rogar-Te diretriz de segurança para a reconquista da saúde eterna.

Apesar de conhecedores que somos dos sublimes recursos do amor, ainda não conseguimos aplicá-los com a eficiência desejável, razão pela qual apelamos à Tua sabedoria para que nos inspire a sua aplicação na dosagem correta de medicamento libertador.

Anelando por servir, perdemo-nos, não poucas vezes, no labirinto dos interesses mesquinhos e pessoais, deixando a empresa da fraternidade em plano secundário.

Ajuda-nos a manter a força moral indispensável, para nos não desviarmos do objetivo central da evolução, que é o bem fazer.

Neste momento, vem ter conosco na praia da compaixão, para auxiliar-nos a recuperar o náufrago da viagem terrestre, cujo barco orgânico se esfacelou nos recifes das paixões.

Colocamo-nos em Tuas hábeis mãos e aguardamos que nos guies mediante a inspiração de que necessitamos.

Vem, pois, Médico das almas, socorrer-nos, suplicamos-Te!

Ao silenciar, graças à unção com que pronunciara cada palavra, a vibração superior mantinha-se na sala, gerando emoção de paz e de confiança ilimitada.

Sentados em um semicírculo fronteiro ao leito de Honório, percebemos que dona Maria Modesto entrava em transe profundo.

A medida que se lhe alteravam as formas do rosto, suave ectoplasma era exteriorizado pelas duas damas envolvendo a médium, auxiliando-lhe a transfiguração.


O semblante empalideceu expressivamente, a respiração fez-se-lhe opressiva, um noto estranho sulcou-lhe a face desenhando uma figura estranha, quase uma máscara de sarcasmo, semelhando-se às oleogravuras representativas de Satanás que, entre estertores, começou a blasonar:

— Eu sou o Senhor dos vândalos e perversos.

Sou a chibata que estimula e que pune.

Sou Mefistófeles, de que se utilizou Goethe, para o seu Fausto.

Atendo aos chamados, inspiro e passo a comandar aqueles que se me afeiçoam e passam a dever-me a alma.

Logo se me faz oportuno arrebato-a para os meus domínios.

Qual é o problema que aqui se delineia, exigindo minha presença? Venho espontaneamente, bem se vê, a fim de inteirar-me do que se deseja.

—Reconhecemos — respondeu com brandura, Eurípedes — todas as prerrogativas do amigo que nos visita, o que nos constitui um grande prazer e uma honra especial, recebendo-o com carinho e muita fraternidade.

— Deixe-se de verborreias desnecessárias.

Que esperam de mim?

— Inicialmente trata-se de um encontro de amizade — respondeu o Mentor.

— Respeitando-lhe as convicções em torno do que lhe apraz, desejamos esclarecê-lo que, infelizmente, o poder que estardalhaça é destituído de fundamento, porque o caro amigo é Espírito criado, sujeito às Leis que regem a vida, embora possuidor de recursos magnéticos que poderiam ser utilizados de maneira mais útil.

Demais, apesar da sua aparente força, outra existe mais poderosa que a todos nos submete, que é aquela que procede de Deus, ínsita nos Seus ministros e, especialmente em Jesus.

— Onde estão e quais são essas decantadas forças, que as não conheç o — vociferou, gargalhando estranhamente — Eu sou forte e apoio-me em mais seguro poder.

Honório é meu, e o terei pelo tempo que me aprouver, porquanto assim ele quis, já que firmou um pacto comigo para todo o sempre, a partir do momento em que lhe facultei desfrutar do prazer e do gozo.

Como me desincumbi da minha parte, ele terá que corresponder ao comprometido.

— Não ignoramos — ripostou o evangelizador espírita — que o enfermo manteve largos colóquios mentais com o amigo.

No entanto, o seu critério de razão estava perturbado pela insânia de que já se encontrava acometido, embora a aparente conduta equilibrada.

Ele preferiu viver o seu mundo mental às experiências dignificadoras do mundo moral.

Nessa fuga da realidade, conectou com o amigo que se aproveitou da sua fraqueza para infundir-lhe ideias falsas e brindar-lhe estímulos perversos, qual ocorreu com você próprio em ocasião oportuna, quando se fez vítima de outrem mais perverso que o vem explorando...

— E quem é esse explorador a que se refere.

— Esbravejou em ruidosa gargalhada de mofa.

— Eu sou senhor dos meus atos e movimento-me na área que me agrada, onde sou respeitado e temido.

— Certamente — elucidou Eurípedes — mais temido que respeitado, em razão de transitar entre cegos, fingindo possuir visão total e clara da realidade.

Recorde-se do enunciado de Jesus ao referir-se que todo cego que conduz cegos, tomba no abismo com eles...

Isso, aliás, já aconteceu, desde que a sua, é a região da ignorância, verdadeiro abismo onde se encontram sepultadas todas as aspirações do ser.

Mas, Jesus, e a luz libertadora, e para Ele estamos convocando-o neste momento aflitivo da sua vida.

— Dou-me conta que você não me conhece.

— Estridulou, revoltado. — Lamento que não tenha informações a meu respeito, não obstante tenho-as muitas em referência à sua pessoa.

E porque sei quem é, não temi enfrentá-lo, desejando, neste momento, medir forças com o adversario...


Sem perturbar-se, o Mentor redarguiu:

— Não é nosso interesse medir forças, porque reconheço não as possuir. O pouco de que disponho não é meu, antes é-me concedido por misericórdia de acréscimo.

Além do mais, apoiamo-nos no amor, e com ele esperamos encontrar o recinto de paz e entendimento para seguir juntos na direção da Grande Luz.

— A mim não me interessa grande ou pequena luz.

— Acentuou com desdém.

— Já tenho a minha claridade essencial, aquela que me norteia os passos.

A questão, todavia, é outra. Trata-se de Honório e nada mais me interessa.

— Penso diferente — aduziu o doutrinador.

— Creio que se trata de você, que se encontra em sofrimento que escamoteia com a máscara da indiferença.

O nosso irmão Honório, que tem sido sua vítima, naturalmente necessita de libertação, para que, posterior mente você se libere dos próprios conflitos.

— Isso não me interessa, nem tampouco a você -reagiu com violência verbal - Continuarei cobrador inclemente com aquele que me é devedor, a quem tudo ofereci conforme me solicitou, e o realizarei com a severidade que o assunto requer.

— Novamente o amigo se equivoca — esclareceu, sereno, enquanto o perturbador espumava de ira — O único doador real é Deus, a quem tudo pertence.

O que parece pertencer-nos é de Sua propriedade, especialmente no que diz respeito ao poder, que no mundo é sempre transitório e vão.

Por um processo de afinidade, o caro Mefistófeles estimulou mentalmente o descuidado, já que ambos navegavam na faixa da ilusão, facultando-lhe experiências perturbadoras e doentias que se lhe fixaram na mente, gerando formas psíquicas que se condensavam quando lhes recorria às imagens para deleitar-se na alucinação que o assaltava.

— Exijo que me respeite — redarguiu, furibundo -Não vim aqui para ser desconsiderado.

O meu problema é com o bandido traidor, mas posso aceitar o repto e enfrentá-los a todos os senhores, porque sou decidido e sei o de que necessito, bem como a melhor maneira de conseguí-lo.


Sem perder a serenidade, antes pelo contrário, Eurípedes contestou:

— Não é nosso objetivo desrespeitá-lo, submetêlo ou intimidá-lo.

O nosso Guia é Jesus, que sempre conquista com amor e compaixão, jamais com violência.

A Sua compassiva misericórdia desce hoje sobre você, como sempre tem acontecido embora o amigo não o haja detectado anteriormente.

Desejamos esclarecê-lo que Honório, como você mesmo e todos nós, somos filhos de Deus, que não nos encontramos ao desamparo.

É certo que ele se comprometeu e se enganou.

Quem lhe pode atirar a primeira pedra, considerando-se isento de erro? Porém, através do sofrimento que se impôs, já resgatou a dívida, estando em condições de iniciar uma nova experiência iluminativa para crescer e libertar-se da inferioridade que lhe pesa na economia moral.

— E se eu não o permitir? — Interrogou, arrogante.

— Deus o fará através de Jesus, Aquele a quem entregamos a operação desta noite — esclareceu com tranquilidade.

— O que pretendemos, é que o amigo-irmão dê-se conta do tempo que vem sendo desperdiçado na ilusão de manter-se como uma personagem que não tem existência real.

Conforme sabemos, o mito do diabo está ultrapassado, embora a loucura de alguns Espíritos que desejam assumir-lhe o comportamento e dar-lhe legitimidade em um esforço insensato que vai além da fantasia.

Ninguém foge de si mesmo, dos seus próprios arquivos mentais, das suas realizações...

Neste momento, iremos convidálo a recordar-se de suas experiências pessoais, levando-o numa viagem ao tempo-ontem, quando se lhe instalou a ideia absurda de ser Mefistófeles.

Ato contínuo, Dr. Ignácio acercou-se da médium e começou a aplicar-lhe energias dissolventes no centro cerebral, a fim de que a memória do Espírito se desenovelasse das induções mentais a que fora submetida.

Ao mesmo tempo, pôs-se a induzi-lo ao sono profundo, usando o recurso da palavra tranquila, monocórdia, repetitiva.

Sem muita relutância o visitante adormeceu e, estimulado a recuar ao passado, no sé culo 19º, logo começou a caracterizarse como um ator em pleno palco representando a figura dramática da tragédia do Fausto.


Enquanto repetia as palavras de Goethe, enunciadas por Mefistófees, em atitude prepotente e exuberante, o Benfeitor esclarecia:

— Você confundiu a personagem da fantasia trágica a que dava vida no teatro com o homem da realidade terrena, igualmente atormentado, vaidoso, sonhador e perseguidor do triunfo na ribalta dos interesses humanos, sem qualquer estrutura em torno da espiritualidade interior.

Repetindo o papel que o fascinava, introjetou-o de tal forma, que passou a vivê-lo no comportamento cotidiano, embrenhando-se no matagal da auto-obsessão.

Ao desencarnar foi, por sua vez, vítima de hábil hipnotizador, que o induziu a assumir a forma perversa, para que lhe fosse útil nos lamentáveis processos de perturbação espiritual em que o atirou, desprevenido e insano como tem sido.

Enfrente agora a realidade diversa.

Você é filho de Deus e necessita ser feliz. Abandone a indumentária triste e ilusória que o veste.


Enquanto o Espírito apresentava diferentes expressões faciais que variavam do espanto ao terror durante o esclarecimento oportuno, Eurípedes prosseguia:

—O seu período de sofrimentos também acabou Atrás da máscara sempre se encontra o ser humano angustiado, sem roteiro, escondendo suas dores no disfarce da ilusão.

Você merece despertar para uma nova realidade, começando a experiência dignificadora, aquela que constrói o ser interno verdadeiramente harmonizado.


E dando maior ênfase à voz, enquanto Dr. Ignácio aplicava passes de dispersão energética no Espírito, permitindo que fossem desaparecendo as construções ideoplásticas, Eurípedes acentuou com firmeza:

— Augusto, acorde para a realidade e para a vida.

Retome a sua forma humana, aquela que o vestiu durante a trajetória terrestre antes da alucinação.

Saia do palco e volva à realidade.

Você está entre amigos que lhe compreendem o drama íntimo, que não vem ao caso aqui examinar, e é muito bem recebido.

Ninguém foge indefinidamente de si mesmo, nem das Leis de Deus, que a todos nos alcançam onde quer que nos refugiemos.

Desperte...

desperte...

e seja bem-vindo, meu irmão.

O Espírito começou a contorcer-se na aparelhagem mediúnica delicada, a respirar com dificuldade, e enquanto se diluíam as formações da indumentária e da máscara facial, ele se foi reconstituindo e assumindo a personalidade que lhe pertencia, recurvando-se como alguém de muita idade, portador de problema na coluna, para finalmente ser tomado por convulsivo pranto, que lhe dificultou o verbo.

— Acalme-se, meu amigo! — Propôs, suavemente Eurípedes — Todo renascimento é doloroso, especialmente quando se dá através do abandono da fantasia para a realidade, da loucura para a razão.

Tudo agora é passado, e você dispõe de um futuro abençoado que o aguarda.

Agora é necessário repousar, dormir e sonhar com o Bem, de forma que o amanhã surja das névoas do ontem com as claridades da alegria de viver.

Nesse momento, Dr. Ignácio, que prosseguia aplicando energias restauradoras do equilíbrio, deslindou o comunicante dos laços que o vinculavam ao perispírito da médium e o colocou em uma cama de campanha que se encontrava atrás do semicírculo para posterior transferência para a Enfermaria adequada, onde prosseguiria o seu tratamento.

Ainda sob o clima psíquico de júbilo ante o êxito do cometimento espiritual com o irmão Augusto, Honório despertou, chamado por Eurípedes, logo assumindo a postura alucinada.

As formas-pensamento, que o exauriam em terrível processo de vampirização das suas energias espirituais, assomaram ao consciente e ele começou a delirar, assumindo posturas grotescas, escabrosas, que eram os resíduos dos seus conflitos morais e sexuais em desalinho, vivenciados pela mente atormentada.

Utilizando-se das bênçãos do clima psíquico, uma das damas presentes, a Sra.

Emestina, visivelmente mediunizada, levantou-se e aproximou-se do enfermo.

Irradiava mirífica luz que a banhava toda em tom prata-violáceo, espraiando-se pelo pequeno recinto e dando-lhe uma tonalidade especial.


Nesse comemos, Eurípedes assinalou:

— Honório, você já não se encontra no corpo no qual se refugiava.

Espírito liberto da matéria, mas preso às suas sensações, você já não necessita das imagens delirantes para encontrar o prazer.

Enquanto não mudar de atitude perante a vida, descobrindo outros valores, permanecerá nesse estado de loucura.

Acorde para a realidade na qual está instalado e passe a vivenciá-la.


Segurando-lhe firmemente as mãos, impôs:

— Acorde! Abandone, por momentos breves que sejam, as fantasias sexuais e os devaneios mentais.

Desperte, nós lhe ordenamos em nome de Jesus, o Cristo!


Do terapeuta, à medida que a voz assumia expressão enérgica, ondas sucessivas de energia envolviam o enfermo, diluindo as imagens mentais que permaneciam como verdadeiro envoltório em torno da sua cabeça, e ele, nominalmente convocado, pareceu despertar, alterou a expressão da face, os olhos recuperaram a normalidade, banhado por débil luminosidade, e enquanto balbuciava palavras desconexas, num retorno lento, como quem desperta de um largo letargo recheado de pesadelos intérminos, percebeu o Benfeitor e escutou-o, propondo-lhe:

— Observe onde se encontra.

Você não está a sós como lhe era habitual.

Aqui estamos alguns amigos interessados em liberá-lo do largo sofrimento, da loucura do prazer impossível.

Volva à consciência e olhe bem à sua volta...


O paciente atendeu à solicitação, quase automaticamente, e gritou, quando viu o Espírito comunicando-se através de dona Ernestina:

— Deus meu, um anjo! Será a Mãe de Jesus?!

— Não, meu filho.

Sou a tua pobre mãezinha, que vem em teu auxílio em nome da nossa Mãe espiritual, a Genitora de Jesus.


O paciente foi acometido de emoção sincera e levantou-se do leito, ajoelhando-se, num impulso intempestivo, dobrando-se quase até o solo, que tentou beijar em uma atitude profundamente comovedora. A seguir, explicitou:

— Volte para o Céu, mamãe, porque eu não mereço a sua presença.

Eu sou um pântano e a senhora é um lírio de Deus.

Não me atormente com a sua visita, porquanto eu sou detestável e devo estar sonhando...

— Não, meu filho, você está desperto, não é um sonho.

— Elucidou com bondade e ternura que se misturavam em vibrações de paz.

— Você já não se encontra entre as pessoas da Terra.

A morte, essa benfeitora de todos nós, trouxe-o para o reino da verdade, onde nada permanece oculto, e as oportunidades de elevação se apresentam enriquecedoras.

As aflições deveriam ter ficado com o corpo que já se desfez, mas você as trouxe no seu mundo íntimo, fechado à luz do discernimento e da confiança irrestrita em Deus.

Agora, devem cessar suas aflições.


Honório chorava e sorria, num misto de tristeza profunda e de alegria que o tomava. Enquanto isso, após uma breve pausa, que deveria auxiliá-lo a absorver-lhe as considerações, a mãezinha prosseguiu:

— Visitei-o durante os longos anos da nossa separação física, mas você não me pôde identificar.

A solidão em que esteve atirado por vários fatores, ao invés de direcionar-lhe a mente para Deus e para a paz, empurrou-o para as fugas espetaculares no rumo do delírio e das abjeções morais.

Não desejamos julgar-lhe a conduta.

Apenas queremos informá-lo que tudo isso agora é passado, mas o futuro sorri-lhe mil possibilidades de refazimento, de renovação, de trabalho edificante.

Você nunca esteve realmente a sos...

Quanto nos foi possível, procuramos infundir-lhe ânimo ante as vicissitudes e inspiração para suportar o fardo da soledade, que necessitava por imposição evolutiva.

Optando pelos devaneios, associou-se a Espíritos vulgares que o exploraram psíquica e fisicamente, enquanto o auxiliavam no banquete da perversão moral.

Mas agora tudo começa a mudar. Permaneça atento, e levantese, meu filho, para refundirmos nossas energias em um abraço de inefável amor.

A veneranda Entidade dobrou a médium, distendeu os braços e auxiliou o filho atônito a levantar-se.

Tremendo como varas verdes, foi cingido pela genitora, enquanto apoiava a cabeça suarenta e dorida nos ombros maternos, soluçando, e balbuciando: — Eu não sabia! Eu não sabia...

— Jesus, meu filho — acentuou a nobre visitante —é o nosso Caminho para a Verdade e para a Vida.

Busque-O em suas reflexões, siga-O em seu comportamento mental e suas atitudes espirituais.

É sempre tempo para recomeçar e para servir.

Não se detenha. Tanto quanto me esteja ao alcance, virei visitá-lo, porque estagio em outro campo de atividade que não está nesta cidade.

O nosso amor facilitará o nosso intercâmbio mental e nos dará forças para recuperarmos juntos o tempo malbaratado, as oportunidades perdidas, o serviço que deixou de ser executado.


Auxiliando-o a sentar-se no leito, concluiu com doçura:

— Nunca se esqueça do amor de Deus.

A medida que você compreender o significado deste momento, mesmo que retornando os clichês viciosos à sua consciência, reaja e pense em Deus, buscando a leitura dos textos evangélicos, a fim de conseguir material iluminativo para o seu crescimento interior. "Muito bom ânimo, filho da alma! Que Deus o abençoe e o ampare!" Agradecendo ao grupo que lhe criou as condi ções psíquicas hábeis para a comunicação, afastou-se da médium que volveu à consciência.

Honório respirava sem muita dificuldade, enquanto as lágrimas lhe escorriam lentas e, em reflexão, tentava fixar na mente a ocorrência de alto significado, sem apresentar, porém, os delírios que antes lhe caracterizavam o comportamento.


Pairando peculiar silêncio, Eurípedes concluiu a reunião, orando:

— Sábio Médico das almas!

No momento em que encerramos a operação espiritual de libertação dos Espíritos emaranhados no cipoal do erro e da amargura, reconhecemos que foste Tu Aquele que agiu por nós e através de nós, exteriorizando o Teu inefável amor, que os impregnou, liberando-os de si mesmos e abrindo-lhes os horizontes da saúde interior e plena.

Agradecemos-Te, Benfeitor da Terra, e curvamo-nos, humildemente, ante a Tua magnanimidade, rogando-te que nos não deixes a sós na longa marcha ascensional, para que não venhamos a perder o Teu rumo, que a nossa segurança.

Suplicando-Te que nos envolvas a todos nós nas Tuas mercês, concluímos o labor desta noite, preparando-nos para o permanente amanhã de nossas vidas.

Sê, pois, conosco, hoje e sempre.

Podia-se perceber-lhe a emoção além das palavras e a humildade real que as vestia de beleza e gratidão.

A seguir, depois de breves momentos de conversação edificante despediu-se e afastou-se com as médiuns, rumando para novos deveres.

Honório foi conduzido a uma outra enfermaria in dividual, onde passaria a receber diferente assistência à daquela que lhe era oferecida até então, enquanto Dr. Ignácio, eu e Alberto, rumamos em direção aos nossos aposentos.


Caminhando silenciosamente, porque a ocasião me ensejasse oportunidade, interroguei ao médico:

— Honório continuará lúcido a partir deste momento?

—Não totalmente — respondeu com afabilidade.

—Os processos de autoobsessão prolongada deixam muitas sequelas que somente o tempo e o esforço do paciente poderão drenar, superando-as.

Nesse processo, conforme vimos, o enfermo experimentava o assédio do seu comparsa obsessivo, que se mantinha à distância, mas se lhe vinculava pelo pensamento, induzindo-o constantemente à vivência dos prazeres vulgares.

Fazia-se vítima do desequilíbrio pessoal e da ligação perversa.

Amparado aquele que o perturbava, e que irá enfrentar as consequências dos seus atos infelizes, o paciente terá pela frente todo um significativo trabalho de reconstrução mental, de reestruturação do pensamento, de mudança da conduta moral.

No entanto, sob o adequado tratamento que se prolongará pelo período necessário, conseguirá readaptar-se ao correto, ao moral e ao saudáve l — E que acontecerá com Mefistófeles? — Indaguei curioso.

— Será atendido conforme merece, por sua vez desligando-se do outro comparsa mais inditoso, que dele se utilizava para processos vulgares dessa natureza.

Nosso relacionamento de criaturas umas com as outras produz efeitos correspondentes aos graus de vinculação.

Quando auxiliamos a alguém, que passa a contribuir positivamente no grupo social em que se encontra, os juros de amor são-nos também acrescentados, porquanto o importante é o ato inicial de ajuda.

Da mesma forma, quando nos responsabilizamos pela degradação ou queda, infelicidade ou desalinho de outrem, todo o volume de desares que aparece é adicionado à nossa atitude primeira, àquela que deu curso aos desatinos que tiveram lugar a partir dali.

Eis porque o bem é sempre melhor, mais proveitoso, mais positivo para aquele que o realiza.

Nunca devemos desperdiçar o ensejo de servir, de amar, de contribuir em favor do progresso, por menor que seja a nossa contribuição, por menos valiosa que se nos apresente.

Estamos convidados a construir, nunca a perturbar, a erguer o amor às culminâncias, jamais a impedir-lhe o avanço, seja sob qual justificativa o façamos.

Silenciando, naturalmente, respeitamos-lhe o cansaço natural e, logo mais, atingindo o apartamento onde me hospedava, despedi-me de Alberto e do nobre missionário da psiquiatria, buscando também o conveniente repouso.




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