Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 3

REMINISCÊNCIAS

As informações do Dr. Ignácio Ferreira deram-nos a dimensão perfeita da grandeza espiritual de Eurípedes Barsanulfo, cuja dedicação à vivência do Evangelho, à luz do Espiritismo, dele fizera um verdadeiro apóstolo da Era Nova.

Dando prosseguimento ao seu ministério de amor ao Mestre através do próximo colhido pelo vendaval da alucinação, com um grupo de abnegados mensageiros da luz erguera, sem medir esforços, aquele Nosocômio para o socorro aos enfermos da alma e o estudo preventivo da loucura, assim como das terapias próprias, com especificidade na área dos transtornos obsessivos de natureza mediúnica atormentada.

Sem dúvida, sendo a mediunidade uma faculdade inerente ao Espírito, que a deve dignificar mediante o seu correto exercício, todos os seres humanos, de alguma forma, são-lhe portadores.

Quando se expressa mais ostensivamente, em razão de compromissos espirituais anteriores, é campo muito vasto a joeirar, exigindo comportamento consentâneo com a magnitude de que se reveste.

Ao mesmo tempo, em razão das defecções e conquistas morais do seu possuidor, situa-se em faixa vibratória correspondente ao grau evolutivo do mesmo, produzindo sintonia com Entidades que lhe correspondem ao apelo de ondas equivalentes.

Assim sendo, torna-se veículo dos pensamentos e induções próprios à sintonia, todos aqueles, encarnados ou não, que são semelhantes aos sentimentos do médium.

Por isso mesmo, quando irrompe a mediunidade, não raro, se transforma em grave tormento para o seu portador, por colocá-lo em campo diferente do habitual, expondo-o às mais diferentes condutas morais e mentais, procedentes do mundo espiritual, e que se sucedem de maneira volumosa e perturbadora.

Desequipado de conhecimento e de recursos para contrabalançar as ondas psíquicas e as sensações físicas delas decorrentes, experimenta distúrbios nervosos, tais a ansiedade, a depressão, a insegurança, o mal-estar físico, as cefalalgias, os problemas de estômago, de intestinos, as tonturas, e que resultam da absorção das energias negativas que lhe são direcionadas pelos próprios adversários, assim como por outros Espíritos, perversos uns, zombeteiros outros, malquerentes quase todos eles...

É certo que jamais escasseia a misericórdia divina através do amor, da inspiração que verte do seu Guia espiritual na sua direção, das induções para a prática das virtudes, da oração e do dever, mas que nem sempre são captadas e decodificadas conforme seria necessário para os resultados imediatos.

Pela tendência à acomodação e por decorrência das más inclinações que vicejam do passado de onde cada qual procede, mais facilmente se dá guarida às vinculações malfazejas do que à condução superior.

Quando, no entanto, o medianeiro toma conhecimento das lições educativas do Espiritismo, especialmente através das diretrizes seguras de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, o roteiro de segurança se lhe desenha com maior eficiência, convidando-o a submeter-se ao compromisso sério de trabalhar pelo próprio como pelo bem comum.

À medida que se moraliza, o médium se equipa de resistências para vencer as perseguições espirituais, que são um grande entrave ao êxito do seu ministério, particularmente tendo em vista as paixões inferiores que constituem um grande desafio a enfrentar a todo momento.

A mediunidade, portanto, pode ser uma provação dolorosa, que se transforma em tarefa de ascensão, ou um sublime labor missionário que, assim mesmo, não isenta o indivíduo dos testemunhos, das dificuldades, das renúncias e da vigilância constante que deve manter.

Durante a mais recente vilegiatura terrena, lidando com portadores de mediunidade, acompanhamos não poucos indivíduos que derraparam em terríveis enganos, açodados pelos seus inimigos desencarnados, que lhes não concediam trégua.

Isso acontecia, porque neles encontravam tomadas psíquicas para acoplarem os seus plugs, o que lhes permitia o intercâmbio sistemático e contínuo.

Recordo-me, por exemplo, do irmão Ludgério, que se iniciara no hábito destrutivo do alcoolismo desde muito jovem.

Portador de faculdade mediúnica atormentada, por necessidade reparadora, foi reencontrado pelos inimigos desencarnados que, desde cedo, aos doze anos aproximadamente, o induziram à ingestão de bebidas alcóolicas, inicialmente nas festas familiares e nas de caráter popular muito comuns na cidade onde residia, para o arrastarem por longos anos aos mais abjetos comportamentos e experiências infelizes.

Quando, pela primeira vez, travamos contato pessoal com esse paciente, defrontamo-lo, excitado e provocador, na sala das palestras doutrinárias da Casa Espírita onde mourejávamos.

Havia terminado a reunião, dedicada ao estudo de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, quando ele se adentrou pelo recinto, visivelmente embriagado, agressivo, utilizando-se de palavras vulgares e gestos grosseiros para fazer-se notado.

Gentilmente atendido por um dos membros da Instituição, desatou em gritaria e ameaças, que criaram um constrangimento geral entre as pessoas que se encontravam de saída e aqueloutras que permaneciam em conversação saudável e despedidas.

O nobre diretor da Casa, o irmão José Petitinga, que se mantinha entretecendo considerações sobre o tema abordado junto a um grupo de interessados, foi atraído pelo alarido inusitado, e acercou-se do enfermo, a fim de o atender.

Com muita habilidade, tocando-lhe o braço e envolvendo-o em suave magnetismo, retirou-o da sala pública, conduzindo-o para um cômodo mais discreto, onde procurou dialogar com paciência e misericórdia.

Era totalmente impossível qualquer conversação edificante, em razão do estado de alcoolismo do visitante inesperado, cujos centros do discernimento e da lógica se encontravam bloqueados.

Assim mesmo, as palavras gentis do abnegado diretor provocaram mais rebeldia nos comparsas espirituais, que se locupletavam com os vapores alcoólicos que absorviam através do enfermo da alma, logo deixando-o, após imprecações e promessas de vinditas em altos brados, sem que conseguissem atemorizar ou perturbar o psicoterapeuta sereno.

Ato contínuo, o paciente, sem o suporte fluídico dos seus perseguidores, entrou em ligeira convulsão, tremendo e vomitando violentamente, causando profunda compaixão.

Logo depois desmaiou, permanecendo inconsciente por alguns minutos, tomado de palidez mortal e débil respiração.

Formando um círculo de orações, Petitinga, eu e mais alguns companheiros, envolvemo-lo em vibrações de revigoramento, aplicando-lhe passes restauradores de energias, que lhe facultaram recuperar a consciência vagarosamente.

Passados esses momentos mais graves, a caridade cristã socorreu-o, conforme as circunstâncias do momento, envolvendo-o em esperanças e promessas de paz.

Após ser-lhe providenciado o concurso monetário para alguma refeição, Ludgério afastou-se, ganhando a praça ensolarada...

A impressão que nos deixou foi muito dolorosa.

Tratava-se de um jovem de aproximadamente vinte e oito anos, que demonstrava o desgaste produzido pelo alcoolismo e a insegurança derivada do processo obsessivo pertinaz quão dilacerador.

A partir desse incidente, inspirado pelos seus Guias espirituais, ele retornou, em estado de sobriedade, às reuniões doutrinárias, uma ou outra vez, quando se comportava com relativa calma.

Avançado o fenômeno obsessivo, já assinalava marcas irreversíveis nas telas mentais do paciente, que o levavam a confundir os conceitos que ouvia e a supor-se facilmente ofendido, quando algo o desagradava.

Normalmente era de trato irritável, de maneiras rudes e possuidor de ego muito sensível, que o armava contra as demais pessoas que sequer o podiam olhar, produzindo-lhe sempre a ideia falsa de que o estavam censurando.

Na complexidade desse problema obsessivo defrontamos: primeiro, o paciente soberbo, cuja dor não lhe alterara a conduta da existência anterior, quando malograra, exatamente na faixa do comportamento obstinado e violento, traindo lembranças de poder e ostentação, que lhe davam um aspecto quase ridículo de prepotência entre farrapos e imundície; e, segundo, os inimigos, insolentes e perversos, aqueles que padeceram nas suas mãos impiedosas, e hoje buscavam desforçar-se sem qualquer escrúpulo.

A pugna se instalara quando, identificado na atual reencarnação pelas suas antigas vítimas, passou à convivência psíquica dominadora, conduzido ao vício, no qual experimentava prazer, facultando-lhe descarregar as complexas excentricidades que lhe remanesciam no inconsciente.

Podia-se perceber a extensão do ódio que vicejava entre ambos, comparsas do comprometimento, por quanto, esclarecido quanto à interferência desses Espíritos em sua conduta, Ludgério reagia entre blasfêmias e maldições, que denotavam a rebeldia que lhe era peculiar, facultando o campo vibratório específico para maior intercâmbio com os perseguidores.

Esses, por sua vez, desejavam derrotá-lo cada vez mais, não se contentando em vê-lo jogado à ruína física, moral, mental, econômica, sem qualquer amigo, dormindo em verdadeiras pocilgas, nas ruas imundas do hórrido bas fond onde permanecia semi-hebetado...

Planejavam recebê-lo, após exaurir-lhe as energias animais por vampirização, além do portal do túmulo para darem prosseguimento ao conúbio vingador.

Em uma das oportunidades em que se encontrava lúcido e com relativa paz, mantivemos uma conversação mais calma, havendo recolhido dados muito importantes para uma anamnese do seu caso e estudo cuidadoso da questão tormentosa, que sempre me despertava profundo interesse espiritual.

Narrou-nos que, desde a primeira infância, era acometido de sonhos terrificantos, nos quais seres monstruosos perseguiam-no, ameaçando destruílo por meio de formas as mais terríveis que se possa imaginar.

Sempre despertava daqueles sombrios pesadelos banhado em álgido suor e apavorado.

As sombras da noite passaram a ser-lhe um incomparável tormento.

Não tendo renascido em lar equilibrado, consequência compreensível, porque decorrente da conduta anterior vivenciada, os pais não lhe proporcionaram o carinho necessário, antes repreendendo-o, surrando-o sem aparente motivo, e obrigando-o a silenciar o sofrimento, que se lhe foi agigantando, a ponto de passar a temer as noites e o sono.

Lenta-mente se lhe instalaram no imo sentimentos de ira e mágoa contra os genitores, transferindo-os para os demais irmãos, que com ele não mantinham bom relacionamento, de algum modo por efeito da sua própria constituição temperamental.

Frequentou a Escola pública para o curso primário, sempre depressivo e atemorizado, expressando conduta antissocial, até que, aos doze anos, experimentou o primeiro trago, no próprio lar, por ocasião do aniversário do genitor. A partir daí, após uma alucinação que o venceu, criando tumulto e sendo sovado impiedosamente pela ignorância que predominava na família, passou a tomar bebidas alcoólicas às ocultas e a entregar-se a pensamentos vulgares na área sexual, que lhe constituía um tormento cruel, em razão do surgimento de impotência psicológica, que era também resultado da somatização dos conflitos mantidos, bem como efeito do alcoolismo em instalação no seu organismo debilitado.

À medida que os anos se passaram, viu diminuir as perspectivas de vida alegre ou feliz, sendo empurrado para a região do meretrício, após desavenças domésticas contínuas, quando sua presença se tornou insuportável na família difícil, em razão das crises alcoólicas que se faziam prolongadas e gravemente perigosas.

Muitas vezes foi levado ao cárcere público por policiais impiedosos que o surpreenderam nas casas de lascívia em deploráveis situações, ou por desordens nos bares, quando lhe era negada bebida sem o correspondente pagamento.

Estava transformado em pária social, detestado por uns e ameaçado por outros companheiros de desdita.

Nunca ouvira falar a respeito do Espiritismo, porém, sabia que a morte não representava o fim da vida, porquanto, nos delírios alcoólicos, conseguia detectar os inimigos que o afligiam e o levavam a recordar-se dos atos ignóbeis que lhe haviam sofrido.

Juravam jamais o perdoar, mas vingar-se sem piedade até que, rastejante, experimentasse o máximo de padecimentos que lhe imporiam.

Tratava-se, bem se vê, de muito difícil conjuntura espiritual, cuja alteração dependeria do paciente submetido e sem resistências morais, face ao largo período de entrega espontânea.

Apesar disso, buscamos envolvê-lo em carinho, oferecendo-lhe os instrumentos poderosos do Evangelho de Jesus, particularmente o amor e o perdão, que deveria usar com segurança, a fim de reconquistar aqueles a quem maltratara, e agora cometiam erro equivalente, tomando a dava da justiça nas mãos desvairadas.

Parecendo despertar do largo transe, passou a frequentar as reuniões dominicais de exposição doutrinária, iniciando um período de abstinência alcoólica.

Auxiliado por nossa Casa, que procurava diminuir-lhe a penúria econômica, sentia-se atraído aos antros conhecidos, quando os companheiros de desdita o instigavam a novas libacões alcoólicas, tombando muitas vezes em recidivas dolorosas.

Algumas vezes, banhado em lágrimas, nos informava que sempre lhe negavam alimento, enquanto lhe ofereciam as bebidas malditas.

Sem resistências morais e dependente dos tóxicos do álcool, fraquejava, porquanto, simultaneamente, os desencarnados não apenas inspiravam os doadores como o induziam à queda...

Sinceramente compungido com o caso Ludgério, em ocasião própria, durante nossas reuniões hebdomadárias de terapia desobsessiva, indagamos ao Benfeitor encarregado o que se poderia fazer em favor do enfermo desorientado, e esse esclareceu que traria ao atendimento espiritual um dos seus verdugos, a fim de formularmos uma ideia da gravidade do cometimento.


Menos de um mês transcorrido, incorporou-se em um dos nossos médiuns sonambúlicos indigitado obsessor que, vociferando, golpeando o ar e arquejante sob a ação do ódio, declarou, asselvajado:

— Aqui estou, atendendo à solicitação do Sr.

Miranda, que se atreve a envolver-se em problemas que não lhe dizem respeito.

Nunca tive defensores, e sufoquei as minhas penas por largo período em silencioso sacrifício, até o momento, quando posso desforçar-me do bandido que mas cumulou por anos a fio, sem qualquer piedade ou misericórdia.

Que pretende, o seu improvisado benfeitor?

Usando a palavra com cautela e demonstrando compreensão do drama de que se tornara vítima o desditado, tentamos recordar-lhe a Justiça Divina da qual ninguém se evade, bem como considerar o significado daquele instante para todos nós, por ensejar-nos reconhecer a falibilidade das nossas conceituações e formas de ver a vida, numa tentativa de chegar-lhe até os sentimentos obnubilados.

Totalmente desvairado, na cegueira que o tomava, passou a detalhar as ocorrências que o desgraçaram antes, bem como a outros que ora participavam do programa de cobrança.


Deixamo-lo exteriorizar o desconforto e as mágoas, quando blasonou, estentórico:

— O nosso plano, já que é um plano coletivo, do qual participamos diversos adversários que o detestamos, é armá-lo contra alguém, a fim de que cometa um hediondo crime, para o qual não haverá perdão.

Isso realizado, têlo-emos para sempre sob nosso poder.

—E os amigos, por acaso — respondemos com paciência — desconhecem que os programas divinos são outros, com características mui diversas das que vêm estabelecendo contra o irmão submetido às suas tenazes?

—É claro que sabemos — ripostou, alardeando superioridade intelectual.

— No entanto, ele é o devedor, a quem nos recusamos desculpar, porquanto jamais usou de piedade, mínima que fosse, para quem lhe sofria a crueza.

Perverso e obstinado, caprichoso e mau, sobrepôs-se às Leis e destruiu vidas incontáveis que deveria preservar, dominado pela loucura do poder que logo lhe escapou das mãos hediondas quando lhe adveio a morte.

—Curioso — analisamos com piedade fraternal — éobservar que o amigo incrimina-o, procedendo da forma que nele censura, utilizando-se da mesma medida de que o acusa, assim rumando para futuros processos, não menos desditosos do que esse no qual jaz o seu antigo verdugo.

De maneira como não existe vítima inocente, nenhum algoz passa sem expungir os delitos através dos mecanismos soberanos da Vida.

Só o amor possui a chave para decifrar todos os enigmas existenciais e solucionar as dificuldades do caminho evolutivo.

Assim, rogamos-lhe, e aos demais companheiros, que lhe seja concedida uma chance pelo menos, para reabilitar-se pelo bem que possa oferecer àqueles aos quais prejudicou, especialmente os incluindo por haverem sido os ofendidos...

— Nunca! — interrompeu-nos, com rispidez.

— Ele nos pagará, e isso acontecerá sem demora... Utilizamos da lei de talião: olho por olho, dente por dente.

— O amigo esqueceu-se do amor — propusemos com piedade — conforme nos ensinou Jesus.

Somente o amor possui os mecanismos que desagregam as construções do mal, gerando bênçãos e proporcionando o bem.


O comunicante estrugiu em ruidosa gargalhada de mofa e acrescentou com ironia:

— Não me fale em amor, nem em Jesus.

Também se dizia cristão, o covarde, e após os crimes tenebrosos que praticava contra aqueles que lhe caíam no desagrado, corria ao culto religioso a que se filiava, e rogava perdão do seu confessor, que o atendia, igualmente infame, enquanto suas vítimas eram dilaceradas pelo relho, trucidadas por métodos incomuns de perversidade.

Onde o amor desse Jesus?


Profundamente consternados, esclarecemos:

— Não podemos confundir a Doutrina do Mestre com os homens que dela se utilizam para atendimento das próprias misérias e paixões imediatistas.

Longe dos sentimentos que apregoam, exploram e mentem, enganando-se a si mesmos e àqueles que se deixam conduzir pelas suas urdiduras, igualmente interessados nesse conúbio de ilusões e mendacidade.

O Mestre ofereceu-se em holocausto, mesmo quando todos O abandonaram.

— Nunca lhe concederemos ocasião de repetir o que já fez, e temos pressa em concluir a tarefa iniciada —.

Ripostou com enfado e nervosismo.

Preferimos silenciar.

O momento não era para discussão verbal, nem para debate inútil.


Recolhendo-nos em oração, escutamos suas palavras finais e atormentadas:

— O mal devora aqueles que o vitalizam, nós o sabemos.

Enquanto não chega a nossa vez, tornamo-nos os instrumentos hábeis para que essa lei se cumpra sem qualquer desvio...

Porque não existem violências em nossos compromissos para com a vida, ele resolveu afastar-se do médium, ou foi retirado carinhosamente pelo Mentor, deixando-nos algo frustrados e incompletos.

Posteriormente, nosso Instrutor esclareceu-nos que a hora era grave, e somente o esforço do paciente poderia modificar os planos de vindita elaborados pelos seus desafetos, o que parecia bastante difícil...

Não passaram duas semanas, e fomos informados da tragédia em que se envolvera o pobre Ludgério, tendo fim a consumida existência física.

Discutindo com outro companheiro embriagado, comparsa habitual das extravagâncias alcoólicas, num dos bares em que se homiziavam, foi acometido de grande loucura e, totalmente alucinado, tomou de uma faca exposta no balcão da espelunca, cravandoa, repetidas vezes, no antagonista, mesmo após tê-lo abatido e morto.

A cena de sangue, odienta e ultrajante, provocou a ira dos passantes e comensais do repelente recinto que, inspirados pelos perversos e indigitados Espíritos vampirizadores, se atiraram contra o alcoólatra, linchando-o sem qualquer sentimento de humanidade, antes que a polícia que frequentava o local pudesse ou quisesse interferir.

Todo linchamento demonstra o primarismo em que ainda permanece o ser humano, e resulta da explosão do ódio que acomete aos imprevidentes, que passam a servir de instrumentos inconscientes de hordas espirituais perversas, que dão vasa aos sentimentos vis através das paixões desordenadas...

A hedionda cena do Calvário é bem o exemplo desse fenômeno de primitivismo em que estagiam muitos indivíduos.

Aquele Homem, que somente amara e o bem fizera, fora escarnecido, abandonado, crucificado, após um julgamento arbitrário, apoiado pela massa que dEle tanto recebera.


E mesmo na cruz, inspirados pelas hostes selvagens da erraticidade inferior, bradavam irônicos, aqueles que se Lhe fizeram de inimigos de última hora:

— Não és o Messias? Sai, então, da cruz para que vejamos e acreditemos...

— E estertoravam em alucinadas gargalhadas.

Os jornais fizeram estardalhaço sobre o inditoso acontecimento, que a nós outros que o conhecíamos, muito nos compungiu, deixando-nos material espiritual para demoradas reflexões e interrogações que somente após a morte nos foi possível compreender.

Naquela ocasião, indagamo-nos, se teria falhado a ajuda espiritual que se estava iniciando com futuras perspectivas de atenuar o processo obsessivo.

Por que os desafetos conseguiram atingir as metas estabelecidas? Por qual razão não nos foi possível aprofundar terapias mais eficientes em favor dos desen carnados, quando da comunicação psicofônica de um deles? Outras indagações permaneceram bailando em nossa mente, até que o tempo, o grande consolador, foi-nos esclarecendo com as luzes soberanas da lógica do Espiritismo.

Após a morte física, ainda interessado no caso Ludgé rio, tentamos encontrá-Lo, sem o conseguir.

Soubemos, por fim, que aquele, que Lhe fora vítima do homicídio infame, era um dos comparsas anteriores, que se desaviera quando da partilha de terras que haviam sido espoliadas de camponeses humildes que lhes sofriam a dominação arbitrária, tornando-se-lhe igualmente adversário.

Desde então, unidos pelos crimes, uma ponte de animosidade fora distendida entre eles.

Como os adversários espirituais se vinculavam a ambos, encontraram campo vibratório propício para o assassinato de cunho espiritual.

Ante esse fato doloroso, em outras circunstâncias, sempre me perguntava, como as leis terrenas julgariam os criminosos que houvessem sido vítimas dos seus inimigos desencarnados? Puniriam ao homicida visível que, por sua vez, se tornara vítima de outros indigitados criminosos? E como alcançar aqueles que se encontram além das sombras terrenas em paisagens imortais excruciantes e permanecem odientos, se escasseiam recursos próprios para a análise e penetração nessas regiões?

Eram essas interrogações que nos ficaram e permanecem interessandonos por conquistar as respostas, em razão da frequente repetição de delitos dessa ordem e crimes outros sob a inspiração de seres espirituais desencarnados.

Igualmente, podemos considerar aqueles suicídios, nos quais a insidiosa presença e indução de algozes desencarnados responde pelo ato tormentoso, que diariamente arrebata em todo o mundo grande parcela da sociedade...

Agora, certamente, teríamos oportunidade de conseguir respostas com os admiráveis estudiosos do assunto, quando pudéssemos conhecer mais detalhes a respeito de alguns irmãos delinquentes dentre os internados no Sanatório espiritual.

E porque a noite avançasse incessante e generosa, busquei, eu próprio, o repouso, aguardando as bênçãos do amanhecer.




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