Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 7

A AMARGA EXPERIÊNCIA DE LEÔNCIO

Gentilmente assessorado por Alberto, dirigimonos a uma das Enfermarias de amplas proporções, que era dividida habilmente em agradáveis e cômodos apartamentos para atendimento individual dos pacientes.

Adentramo-nos em um deles, que se apresentava acolhedor.

Ampla janela abria-se para o jardim verdejante, onde árvores frondosas abrigavam folhagem luxuriante e roseirais abriam-se com abundância de perfumadas flores.

O cômodo reconfortante transpirava paz, pintado em suave tonalidade verde, apropriada para o repouso e a reflexão.

Reclinado sobre duas amplas almofadas encontrava-se um senhor de pouco mais de sessenta anos, de semblante sério, mas que não denotava sofrimento ou simples circunspeção.

Sentada próxima à cabeceira da cama, uma dama que irradiava paz conversava afavelmente em doce tonalidade de voz.


Quando nos notaram a entrada, Alberto explicitou:

— Perdoe-nos a invasão da privacidade.

De imediato, foi advertido quanto ao prazer que a sua visita lhes proporcionava.

Certamente, muito querido, foi recebido com real alegria, o que deveria acontecer com certa frequência.

— Desejo apresentar-lhes um novo amigo — explicou o visitante — que se encontra realizando estágio em nossa Clínica.

Trata-se do irmão Miranda, trabalhador afeiçoado aos problemas pertinentes aos distúrbios espirituais, nos quais vicejam as interferências dos irmãos alucinados e doentes, que se comprazem no mal por ignorância.


Sorri jovialmente e acerquei-me do leito, cumprimentando fraternalmente o convalescente e a nobre senhora, que se apressou em dizer:

— É sempre com renovada alegria que recebemos companheiros dedicados ao estudo dessa grave epidemia, que tem sido motivo de martírio para as criaturas humanas, até hoje ainda não combatida com a eficiência que merece.

E parece-me bastante estranho, por ser, talvez, a doença mais antiga da Humanidade, em relação a outras tantas prejudiciais.

Basta que nos recordemos que, em todos os períodos do pensamento histórico, a obsessão e suas sequelas se têm apresentado ceifando a saúde física e mental dos indivíduos.

Terrivelmente ignorada, ou simplesmente desconsiderada, vem prosseguindo no seu triste fanal de vencer todos aqueles que lhe tombam nas malhas coercitivas.

Todos os esforços, portanto, direcionados para a desmistificação e o combate a esse terrível mal devem ser envidados, por todos aqueles que nos encontramos forrados pelos ideais superiores e que haurimos na palavra de Jesus o direcionamento correto para a felicidade.


Parecendo que esperavam alguma palavra de minha parte, algo timjdamente concordei, acrescentando:

— Na raiz de todos os problemas que aturdem o ser humano sempre encontraremos o Espírito como seu responsável, face aos comprometimentos que se ocasionou Criado, simples e ignorante, com neutralidade interior, defrontando as opções de agir correta ou incorretamente, tudo quanto lhe ocorre provém da preferência que se permitiu de início, cabendo-lhe o reencontro com o equilíbrio que lhe direcionará os passos para o futuro.

A obsessão encontra-se incursa nesse raciocínio porquanto, somente ocorre em razão do comportamento irregular de quem se desvia do roteiro do bem fazer, criando animosidades e gerando revides.

Certamente, haverá muitas antipatias gratuitas entre as pessoas, que resultam de preferências psicológicas, de identificações ou reações afetivas, Os dardos atirados pelas mentes agressivas e inamistosas são inevitáveis para aqueles contra quem são dirigidos.

No entanto, a conexão somente se dará por identidade de sintonia, por afeição àafinidade em que se manifestam.

Por esse motivo, a obsessão sempre resulta das defecções morais do Espírito em relação ao seu próximo, e desse, infeliz e tresvariado, que não se permite desculpar e dar novas chances a quem lhe haja prejudicado, Não ignoramos aquelas que têm gênese nas invejas, nas perseguições aos idealistas e trabalhadores do Bem, mas que também somente se instalam se houver tomada psíquica naquele que se lhes torna objeto de perseguição.


Porque percebesse o interesse real pela exposição não proposital, continuei:

— O individuo que ama a retidão de princípios e os executa firmado em propósitos de elevação moral, mesmo quando fustigado pela pertinácia dos irmãos desajustados e perversos de ambos os planos da vida, não se deixa afetar, permanecendo nas disposições abraçadas, fiel ao programa traçado.

Pode experimentar alguma aflição, como é natural, mas robustece-se na oração, no prazer do serviço que realiza, nas leituras edificantes, na consciência pacificada.

Simultaneamente, torna-se amparado pelos Espíritos nobres, seus afeiçoados desencarnados, aqueles que foram beneficiados por sua bondade fraternal, que acorrem a protegê-lo e sustentá-lo nas atividades que lhe dizem respeito.

Jamais se curvam sob as forças tenebrosas do mal aqueles que se entregam a Deus, a Jesus e ao Bem, nas fileiras do dever a que se apegam.


Sentia-me enrubescer, quando, silenciando, Alberto aduziu:

— Tem toda razão o nosso estagiário.

Nenhuma sombra, por mais densa, consegue diminuir a claridade, assim como força alguma da desagregação moral e espiritual logra romper o equilíbrio da Lei de amor.

Dando novo curso à conversação, informou-me que o nosso visitado chamava-se Leôncio e a dama devotada, era D.

Matilde, sua genitora, que o precedera no retorno à Pátria pela desencarnação.

— Leôncio explicou gentilmente — encontravase naquele apartamento, há alguns poucos meses, após tratamento prolongado na área de psiquiatria do Hospital, na parte inferior do edifício.

Desencarnara fazia pouco mais de quinze anos, e naquele momento se encontrava em perfeito refazimento, reidentificando-se com os superiores objetivos da vida.


Sentindo-se indiretamente convidado à conversação edificante, o paciente apresentou uma expressão de melancolia, e com gentileza comunicou

—Eu sou um hóspede feliz deste abençoado reduto de misericórdia.

Aqui cheguei em lamentável situação moral e espiritual, que somente a complacência divina pode socorrer.

Em realidade, não me recordo dos detalhes que me caracterizaram a chegada.

Antes, eu conhecera o amor e o experiênciara através do lar ditoso em que renasci, do carinho dos meus genitores devotados e, mais tarde, da esposa e dos filhos queridos.

No entanto, a grandeza do amor que experimentamos neste remanso dedicado à saúde transcende quaisquer palavras, porquanto, os missionários que o construíram, e o mantêm há longos anos, optaram pelo trabalho incessante em favor do próximo, quando poderiam estar desfrutando de outros ambientes de luz e de reconforto moral...

Renunciaram à felicidade de fruir paz, adotando a alegria de oferecê-la àqueles que a malbarataram por conta da própria irresponsabilidade.

Medito longamente nos enunciados luminosos de Jesus, que aqui se vivem, e no ensinamento superior de Allan Kardec, a respeito da Caridade, que é a essência do trabalho desenvolvido neste Hospital, a fim de que se me insculpam a ferro e fogo no Espírito, para que jamais volva a olvidá-los...


Silenciou brevemente, e após solicitar-nos, a Alberto e a mim, que nos sentássemos em cômodo divã próximo, o que aquiescemos, talvez por considerar oportuno, deu curso à edificante conversação:

—Renasci, na Terra, há pouco mais de setenta anos, em formoso lar, onde o amor e o dever constituíam diretrizes de segurança.

Desde cedo ouvi e senti o respeito pelo nome de Jesus e por Sua doutrina.

Assim, portanto, fui educado na escola do exemplo, ao lado de outros irmãos consanguíneos.

Meus pais eram católicos, porém, se dedicavam com fidelidade aos ensinamentos da Igreja que frequentavam e para a qual nos conduziram com carinho.

A medida que crescemos e adquirimos maioridade fomos optando pelas doutrinas que nos pareciam mais compatíveis com o desenvolvimento intelectual e moral.

Consegui, por minha vez, adentrar-me em uma Universidade, que era um dos meus sonhos mais ardentes, e concluí o curso que elegera. "Foi nesse período, que passei a me interessar pelos fenômenos mediúnicos e paranormais, nos dias febricitantes em que a Parapsicologia era apresentada como a grande esclarecedora e devoradora de superstições, mitos e crenças...

Aprofundei-me no estudo das diferentes correntes russa, holandesa, inglesa, americana e brasileira, se podemos classificálas desse modo, adotando o comportamento em torno dos fenômenos de natureza eminentemente psi e aqueloutros mediúnicos, que me levaram ao estudo sério do Espiritismo.

Afeiçoado à literatura, à filosofia, à história, encontrei nos postulados espíritas a lógica profunda e a ética feliz para uma existência ditosa.

Havendo-me dedicado à arte de escrever, já que era profissionalmente ligado a um grande periódico, no qual estava presente com regularidade e comentava acontecimentos inusuaís, passei a divulgar a Doutrina Espírita com entusiasmo e quase exaltação.


De temperamento forte e presunçoso, esqueci-me que todos têm liberdade para pensar e agir conforme lhes pareça melhor e que ninguém foi designado para ser defensor do Espiritismo, num arremedo de postura zelote, que hoje reconheço como abominável, conseguindo ferir gregos e troian os, conforme o velho conceito, quando deveria ater-me ao lado nobre das questões, apresentando os conceitos superiores do pensamento dos imortais e do Codificador, sem preocupações mesquinhas e exibicionistas. " Interrompeu a narração por um pouco, após o que, medindo as palavras com acentuado cuidado, voltou a narrar:

—Consorciei-me com excelente companheira, que me foi enviada por Deus para ajudar-me na travessia terrestre e experimentei a honra da paternidade várias vezes.

Reconheço que fui esposo e pai cuidadoso, cumpridor dos deveres, que procurou transmitir à família as lições libertadoras do Espiritismo.

Mas a prosápia intelectual envenenou-me os sentimentos.

Soberbo e egoísta, lentamente deixei-me fascinar pela absurda ideia de que me cabia a missão de preservar a memória do mestre de Lion, lutando qual Don Quixote contra os fantasmas monstruosos que detectava nas pás dos moinhos de vento da ilusão, passando a agredir sistematicamente nomes respeitáveis e Instituições venerandas, por discrepâncias de minha parte.

Possuidor de palavra fácil, usei a tribuna espírita muitas vezes, apresentando temas relevantes, mas sempre os concluindo com dardos venenosos bem dirigidos contra os inimigos que criava ou supunha possuir.

Simultaneamente consegui escrever páginas repassadas de beleza, que ainda confortam muitas pessoas que as lêem.

As paixões que predominavam no ser que sou, com o tempo as somaram, tomaram-me o fôlego, e tornei-me pessimista, agressivo, antipático. "Como seria de esperar, muitos daqueles a quem agredi pela Imprensa reagiram com o seu direito de defesa, dando curso a discussões infelizes e desnecessárias, que a morte a mim demonstrou serem somente fruto da vaidade e da exibição do personalismo doentio.

E que, no meu inconsciente, qual ocorre com muitos outros viandantes terrenos, agasalhava a ideia de passar à imortalidade...

humana. Consegui, por fim, ser mais detestado do que estimado.

Não me dava conta, eu que ensinava aos outros, que estava sendo arrastado vigorosamente a rude obsessão, face ao cerco organizado por adversários soezes do Cristo e da Doutrina Espírita.

Como consequência, passei a nutrir vigorosa antipatia por médiuns e dirigentes de reuniões que se me apresentavam como ignorantes e incapazes de contribuir em favor da Causa Espírita, quando, em uma reunião experimental, dentre as muitas que visitava com o fim de desmascarar médiuns e exibir-me, encontrei aquela que seria o pivô dos meus desconcertos emocionais.

Tratava-se de jovem e encantadora médium psicofônica clarividente de excelentes recursos, porém, em fase primária de educação da faculdade.

Relativamente frágil e muito insegura, inspirou-me imediata afeição, que não pude identificar de momento, tal a qualidade de que se constituía, O certo é, que, à medida que voltei àquele Núcleo, ao qual se vinculara, passei a oferecer-me para ministrar cursos de passes e outros, atraindo-a com persistente indução.

Não me passavam, então, pela mente, ideias perturbadoras ou desejos malsãos.

Telementalizado, porém, pelas Entidades infelizes, consegui que ela se me afeiçoasse, derrapando posteriormente em adultério nefando. " O irmão Leôncio empalideceu ante a lembrança daqueles acontecimentos sombrios e fez-se ligeiramente trêmulo.


Tentando, porém, controlar a emoção, prosseguiu, de voz embargada:

—O escândalo, que tem pernas curtas, logo aconteceu, envolvendo a moça que, admoestada carinhosamente, foi afastada da Instituição, quanto eu mesmo, cortesmente, pelo seu diretor, até que a minha família tomou conhecimento, e não mais pude ocultar a verdade, massacrando com a conduta irrefletida e doentia, corações afetuosos e sensíveis.

Incapaz de continuar no lar, após exculpar-me com a esposa dilacerada, retirei-me para viver com a aturdida vítima da minha sedução.

A sua faculdade incipiente, ante a conduta reprochável que passou a manter, se tornou campo de Perturbação e enfermidades que a vitimaram, levando-a à prematura desencarnação. "Não me perdoando a série de desatinos, transferi-me de cidade, abandonei os deveres espirituais quando mais deles necessitava, e derrapei por completo na obsessão, O desequilíbrio mental assaltou-me, e passei aos alcoólicos em fuga espetacular da realidade.

Nesse comenos, soube da desencarnação da esposa devotada, e somei, às dores antigas, mais essa aflição, perdendo totalmente o interesse pela existência física.

A queda no fosso de si mesmo não encontra apoio ou piso de sustentação, abrindo-se o abismo e cada vez mais se tornando profundo.

Esquecido dos e pelos amigos, uni-me a grupos de dipsomaníacos elegantes e vulgares até que a morte me convidou o corpo ao túmulo e o Espírito à consciência dos atos. " Novamente aquietou-se ante o respeitoso silêncio de todos nós.


Enquanto a genitora lhe acariciava a cabeça, como a estimulá-lo a prosseguir, ele assim o fez:

— Fui arrastado por antigos asseclas, inimigos que eu arregimentara em reencarnações anteriores, quando me houvera tornado membro-soldado do Exército de Jesus, e impusera a crueldade como instrumento de conversão religiosa...

Agora desforçavam-se com inclemente perversidade, arrastando-me para regiões inferiores onde experimentei as mais rudes humilhações e desacatos de outros mais arrogantes adversários.

O meu sofrimento era tão atroz e a consciência de culpa tão severa, que não me recordava das blandícias da oração, nem da intercessão divina sempre ao alcance de todos os calcetas e criminosos. "Por fim, depois de excruciantes sofrimentos, recordei-me de Jesus, e passei a suplicar-Lhe misericórdia e compaixão.

Essa atitude porém, era reflexo das intercessões de minha mãe e de minha esposa, então recuperada das dores que lhe houvera infligido e que me perdoara todos os delitos que eu cometera, apiedadas das minhas refregas e dos meus sofrimentos superlativos. "Desse modo, em uma das excursões realizadas pela Rainha Santa Isabel, de Portugal, às regiões de supremo desconforto e dor, o apóstolo de Sacramento me retirou do abismo prendendo-me numa das redes magnéticas atiradas sobre o paul de degradação e vergonha, recambiando-me para este Abrigo, onde permaneci longamente em recuperação, libertando-me dos pesadelos que me continuaram afligindo.

Transferido para este recinto onde me encontro, agora livre das marcas hediondas das regiões trevos as onde estive, permanecem as reminiscências dos erros, a amargura do insucesso, mas também a esperança do futuro acenando-me com oportunidades de reparação. " Quando silenciou, o suor porejava-lhe na face pálida e as lágrimas corriam-lhe em abundância silenciosa e depuradora.


Dona Matilde, traduzindo expressiva alegria no rosto, enquanto o filho se refazia, completou:

— A jovem, por haver sido vítima da própria ignorância e insensatez, foi amparada devidamente em outro pavilhão do nosso Hospital, e apesar desta Clínica ser dedicada a pacientes específicos, ele aqui foi amparado para receber assistência mais especializada através dos médiuns que cooperam com o nosso serviço de recuperação espiritual. "Conforme os amigos podem depreender, mais se pede àquele que mais recebe, de acordo com o ensinamento sábio de Jesus, e a responsabilidade do nosso Leôncio é muito grave em razão do seu profundo conhecimento do Espiritismo, que não soube aplicar como recurso e combustível para a auto-iluminação, preocupado como se encontrava em combater os outros, esquecido de si mesmo...

Mas, como tudo acontece conforme a vontade de Deus, haverá tempo para recomeço e trabalho, alegria e serviço, reparação e crescimento interior.

Hoje vivemos alegres, porque a minha nora querida tem estado conosco, e os filhos que ambos deixaram na Terra, felizmente conseguiram superar os traumas sofridos, não havendo, portanto, maiores danos como consequência da deserção ao dever.

Sentia-me fascinado com o ocorrido com Leôncio e a mente esfervilhava de perguntas que a oportunidade não permitia apresentar.

Agradecendo-lhe a generosidade da narração edificante para mim e rica de advertências para todos os que dela tomem conhecimento, passamos a outros temas agradáveis, após o que, alguns minutos transcorridos, pedimos licença para nos afastarmos, prosseguindo com a nossa visita de aprendizagem e tomada de conhecimento dos fatores que levam o indivíduo que possui tudo, no entanto invigilante, a delinquir.

Quanto é grave o comportamento de querer mudar o mundo sem a preocupação de realizar mudanças internas, fundamentais, para que, assim, o mundo venha a tornar-se melhor.

É sempre mais fácil exigir dos demais, impor ao próximo, vigiar os atos alheios, do que voltar-se para si mesmo, sendo exigente consigo e contemporizador com as deficiências que registre nas demais pessoas.




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