Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 9

TAREFAS RELEVANTES

Quando retornamos ao gabinete do psiquiatra amigo, fomos recebidos com gáudio e interesse em torno do que houvéramos observado, e quais eram as nossas opiniões a respeito do trabalho.

Naturalmente, escusando-nos de apresentar conceitos precipitados e usando prudência, referi-me à agradável oportunidade de aprender e renovar-me sob a orientação fraternal de Alberto que aliava, à condição de cicerone, a sabedoria do bom professor, que muito me surpreendera positivamente.

Dispensando-lhe os serviços, pois que se encontrava comprometido com novas tarefas naquela tarde, doutor Ignácio convidou-me a um passeio pelo jardim externo do Pavilhão, a fim de nos reabastecermos de energias vitalizadoras extraídas da Natureza.

A temperatura amena e o favônio caricioso que bailava no ambiente calmo estimulavam-nos a caminhar entre as aleias bem traçadas com buxos formosos e pelos jardins floridos que trescalavam perfumes variados.

Tínhamos a impressão de nos encontrar em uma estância de paz, distante das aflições terrenas, o que era realidade, pois essa fora a intenção do idealizador do Conjunto hospitalar, a fim de que os pacientes se refizessem das turbulências vividas, recompondo-se e reformulando conceituações em torno da vida.

Intrigavam-me, a argúcia para o bem e a elevação espiritual de Eurípedes Barsanulfo, o abnegado servidor de Jesus, que abraçara o martírio nos primórdios do Cristianismo nas Gálias lugdunenses, assinalando o seu sacrifício com a coragem e a fé inamovível no Herói da Cruz.

Porque a circunstância fosse favorável, e sabendo que o nobre médico privava da intimidade do grande apóstolo, interroguei-o com delicadeza a respeito do lídimo cristão.

Sem fazer-se rogado, o benfeitor entreteceu considerações justas sobre a sua mais recente existência na Terra, que dava continuidade a experiências luminosas que lhe caracterizavam a evolução.

Face ao seu interesse pelo atendimento psiquiátrico aos falidos no ministério da fé espírita, informou-nos que, desde há dois séculos, aquele Espírito de escol se interessava pela interpretação do homem, pelo aprofundamento na sua psicologia e por uma formulação de proposta iluminativa para a sua perfeita integração no equilíbrio.

—Depois de inumeráveis existências profícuas —informou-nos o amigo, enquanto caminhávamos pela alameda — o missionário do amor renascera em Zurique, no ano de 1741, com o nome de Johann Kaspar Lavater, havendo manifestado desde muito jovem acentuado pendor místico, que o levou através dos anos à adoção da religião dominante, na área do protestantismo.

Havendo sido ordenado pastor, contribuiu grandemente para a divulgação do pensamento cristão desvestido de qualquer dogmatismo, paixão de seita ou denominação estranha.

Orador incomum e pensador profundo, com imensa habilidade para desenovelar Jesus dos símbolos neotestamentários em que fora sitiado pelos Concílios e interesses subalternos das religiões do passado, seus sermões atraíam grande público, especialmente porque, àquela época, apoiavam a revolução das ideias novas que se alastrava pela Suíça, recémchegada da França.

Logo depois, porque a Revolução Francesa extrapolasse na difusão das teses materialistas, favorecendo o racionalismo absoluto, colocou-se contra o absurdo da negação de Deus e da imortalidade da alma, permanecendo vinculado às correntes místicas e sentimentais, nas quais melhor identificava Jesus e os Seus propósitos de amor para com a Humanidade.

As suas reminiscências de outras existências, de sacrifício e dedicação à fé cristã, tornaram-no admirado e respeitado.

Exilado para a Basiléia, pela sua lealdade ao pensamento cristão original, permaneceu devotado ao apostolado, retornando, mais tarde, quando foi ferido numa das lutas pela tomada da cidade por Massèna, no ano de 1799, de cujas consequências veio a desencarnar em 1801.

Admirado teólogo passou a ser considerado o criador da moderna Fisiognomonia, em razão do livro que deixou e foi publicado mais tarde sob o título de A Arte de Conhecer os Homens pela Fisionomia.


—Convidando-nos a sentar em gracioso banco uma pérgula florida, atraente e confortável, prosseguiu, explicando-nos:

—A Fisiognomonia, é uma velha arte, ou ciência para alguns estudiosos, de se conhecer as qualidades inatas e os valores morais dos indivíduos através do exame e da cuidadosa interpretação da fisionomia de cada um.

Trata-se, sem dúvida, de crença antiga, através da qual a fisionomia é reflexo do ser humano em si mesmo.

Fosse hoje, e poderíamos aduzir que isso teria alguma razão graças ao perispírito, que se encarrega de modelar no corpo os valores éticomorais da criatura, muitas vezes desvelando o seu mundo interior pelos reflexos que a face exterioriza.

Muitos sábios gregos cuidaram de estudá-la, dentre os quais Galeno, Plínio, Cassiodoro, além de diversos escritores do passado que fizeram o mesmo.

Esquecida, por um largo período, ressurgiu na Renascença, despertando o interesse de inúmeros pesquisadores, especialmente do célebre Tomás de Campanella, que muito a divulgou, baseando-se no trabalho de Porta, intitulado Da Fisiognomonia Humana.

Novamente esquecida, foi restaurada por Lavater, e passou a merecer alguma consideração a partir daí, no século 19, ligando-se à nascente Frenologia, sendo, sem qualquer dúvida, ambas doutrinas precursoras da atual Biotipologia.

Cremos, pessoalmente, ser provável que César Lombroso utilizouse de alguns dos seus postulados, a fim de estabelecer as bases da sua tese na Antropologia Criminal, através de estudos antropométricos cuidadosos, procurando demonstrar que os criminosos pertencem a um tipo biológico especial da humanidade, biótipo representativo de um grupo próprio descendente do gênero humano.

Esse ser apresentaria uma degenerescência que o re baixaria ao nível inferior, ao estágio de selvageria, pouco superior ao dos lunáticos.

Igualmente supunha, o grande investigador italiano, que as características mentais decorreriam da hereditariedade, sendo, portanto, de origem fisiológica, expressando a representação de um ser degenerado e primário muito diferente do indivíduo humano normal e expressando-o nos traços físicos, mentais e nervosos.

Centralizava no conceito do atavismo as anomalias mentais, como sendo uma regressão a um tipo inferior de ser humano, graças à hereditariedade e não aos fatores ambientais.

Embora rechaçado no seu tempo, contribuiu de alguma forma para a introdução de novos métodos para otratamento dos criminosos e de muitos alienados mentais... "Apesar de haver travado conhecimento com os fenômenos mediúnicos, que após estudados levaram-no ao Espiritualismo e mesmo ao Espiritismo, faltoulhe um conhecimento profundo da reencarnação como das leis de causa e efeito, para entender que, todo Espírito é o autor do seu destino, insculpindo em cada experiência carnal as conquistas e prejuízos que decorrem da sua conduta.

Desse modo, o atavismo que o leva a uma aparente queda na escala inferior da evolução, trata-se apenas do distúrbio que o Espírito se impõe para aprender a valorizar a vida, mediante expiações engrandecedoras e provações regenerativas.

No caso dos criminosos natos, que tanto o preocupavam, identificamos, sim, em cada um deles, o Espírito primário, em processo de ajustamento às leis da ordem e da disciplina, desarmonizado no grupo social.


Identificados, devem merecer tratamento especializado, a fim de evitar que derrapem nos crimes hediondos ou sejam vítimas da própria impulsividade, sendo trucidados por Outros mais perturbados A reencarnação é, portanto, a chave para equacionar o enigma que o notável antropólogo criminalista não conseguiu, detendo-se apenas nos efeitos, na constituição do crânio e noutras características mentais e nervosas. " Parecendo ordenar o raciocínio, em espontânea reflexão, logo depois, deu curso à narração:

—Sempre interessado no progresso do ser humano e na sua transformação moral, a fim de conquistar a felicidade, Eurípedes tem trabalhado, desde recuados tempos, para conseguir esse desiderato.

Enquanto viveu na organização física e amou, ajudando a edificar vidas, na sua querida Sacramento, na recente reencarnação, onde deixou pegadas luminosas, que prosseguem apontando os rumos do Mestre, não mediu sacrificios para se transformar no lídimo discípulo fiel de Jesus em todas as circunstâncias.

Regressando à pátria espiritual e constatando a falência de muitas existências que se deveriam ter entregado ao ministério do Bem, mas retornavam na condição de Espíritos desvairados hebetados, tristes, fracassados e arrebanhados para regiões de muita sombra e dor, nas quais se homiziam os adversários da Luz, empenhouse em erguer este santuário para a saúde mental, que é também albergue para repouso e refazimento dos descuidados filhos do Calvário, que se esqueceram do Mestre, deixando-O abandonado...

Nas palavras finais, o médico denotava emoção na voz e compaixão pelos combalidos que foram arrebatados pela loucura a que se entregaram espontaneamente, porque nunca faltam advertências e con solações, socorros e apoio, mesmo quando, obstinadamente, os aprendizes preferem afastar-se dos mestres e das suas lições de amor.

Os doces perfumes pairavam na leve brisa, e harmonias, para mim desconhecidas, tocavamme as mais delicadas fibras do Espírito.

— O processo de evolução — continuou espontaneamente a enunciar — é lento, porque aqueles que nele estamos envolvidos, optamos pelo imediato, que são as ilusões que afastam aparentemente as responsabilidades e as lutas, intoxicando-nos os centros do discernimento e entorpecendo-nos a razão.

Luz, porém, em toda parte, o amor de Nosso Pai convidando à renovação e ao trabalho, à conquista de si mesmo como passo inicial para a aquisição da alegria, da paz e da felicidade de viver.

Dia virá, e já se anuncia, em que o Evangelho de Jesus tocará os corações com mais profundidade, e o ser humano se levantará dos vales por onde deambula, galgando a montanha da libertação, a fim de contemplar e fruir os horizontes infinitos e plenificadores.

Até que chegue esse momento, que todos nós, aqueles que amamos e já despertamos para as responsabilidades que nos dizem respeito, nos demos as mãos e, unidos, sirvamos sem reclamação, ampliando o campo das realizações enobrecedoras.


Depois de um sorriso muito especial, tocou-me o ombro, e com gesto de simpatia e muita cordialidade, concluiu o passeio, convidando-me:

—Retornemos ao Pavilhão, porquanto, logo mais, quando o manto da noite descer sobre a Terra e nossa Região, teremos muito trabalho pela frente e algumas realizações especiais.

Sem qualquer delonga levantamo-nos e, silenciOsos, beneficiando-nos das concessões da natureza, respirando em ritmo tranquilo e profundo, seguimos na direção da entrada do formoso Nosocômio.




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