Em Busca da Verdade

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CAPÍTULO 3

FRAGMENTAÇÕES MORAIS

Na condição de Psicoterapeuta excepcional, Jesus utilizou-se dos símbolos, nobres arquétipos da época, a fim de imortalizar as Suas propostas de saúde e de bem-estar.

Trazendo as Boas novas de alegria, para uma época atormentada, assinalada por criaturas aturdidas na ignorância, todo o Seu ministério revestiu-se de propostas libertadoras do primitivismo, de respeito pela vida e em favor da harmonia dos sentimentos, em incomparável diretriz de identificação entre o ego e o Self.

Compreendendo os tormentosos conflitos dos indivíduos e das massas que constituíam, do inconsciente individual e coletivo referto de heranças ancestrais primitivas, perturbadoras, sem vislumbres próximos de um superconsciente rico de harmonia, sabia que a única e mais eficaz maneira de proporcionar a libertação dos pacientes algemados ao egoísmo e ao imediatismo, somente seria possível por intermédio do autoconhecimento.

Em face da cultura religiosa fanática e atrasada - a sombra dominadora - bem como da ausência dos conhecimentos sobre a vida, somente facultados na intimidade dos santuários esotéricos, onde poucos iniciados tinham a oportunidade de conhecê-la, identificando a estrutura complexa do ser e as suas afortunadas possibilidades amortecidas pela matéria, Ele propôs a ruptura do obscurantismo com as claridades da razão, utilizando-se de imperecíveis símbolos que passaram à posteridade e prosseguem perfeitamente atuais.

"Narrando parábolas, facultava o acesso ao ignorado Selft despertava-o de maneira hábil, embora simples, para que dominasse o ego, nada obstante as injunções perversas do Seu tempo.

Vivendo para todos as épocas atemporais, legou para as gerações do futuro os memoráveis ensinos, superando as linguagens dos antigos mitos, por serem psicoterapêuticos, embora o objetivo aparentemente moral, social e religioso que ocultavam.

Por isso, foi enfático, ao afirmar a respeito dos Seus ensinamentos que a letra mata, mas o espírito vivifica, produzindo a perfeita vinculação do eixo ego-Si mesmo, expressando que, além da forma tosca sempre havia o conteúdo saudável e vivo para o processo da cura real de todas as enfermidades.

Dentre as reveladoras contribuições psicológicas, desse gênero, para a posteridade, narrou a parábola do Filho Pródigo, conforme as admiráveis anotações de Lucas, no capítulo 15 do seu Evangelho, versículos 11:32.

Em síntese, trata-se de uma história que bem expressa a fragmentação da psique em torno dos arquétipos dos valores morais no ser humano, nesse embate sem quartel entre o ego imediatista e dominador e o Self harmônico e totalizante.

Um homem tinha dois filhos — narrou Jesus —.

Disse o mais moço a seu pai: - Meu pai, dá-me a parte dos bens que me toca.

Ule repartiu os seus haveres entre ambos.

Poucos dias depois o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para um país longínquo, e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente.

Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome e ele começou a passar necessidades.

Foi encontrar-se com um dos cidadãos daquele país e este o mandou para os seus campos guardar porcos.


A. U desejava elefartar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém Ih

"as dava. Caindo, porém, em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm pão comfartura, e eu aqui estou morrendo de fome! Eevantar-me-ei, irei a meu pai e dir-lhe-ei: — Pai, pequei contra o céu e diante de ti.

Já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teusjornaleiros.

Levantándose, foi para seu pai. Pistando ele ainda longe, seu pai viu-o e teve compaixão dele, e, correndo, o abraçou, e o beijou. Disse-lhe o filho: — Vai, pequei contra o céu e diante de ti.


Já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: — Tra^ei-me depressa a melhor roupa e vesti-lh"a, e ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pês; tracei também o novilho cevado, matai-o, comamos e rego

^jjemo-nos, porque este meu filho era morto e reviveu, estava perdido e se achou.

E começaram a regocijarse.

Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltou e foi chegando a casa, ouviu a música e a dança, e chamando um dos criados, perguntou-lhe o que era aquilo. Este lhe respondeu: — Chegou teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde. Ele se indignou e não queria entrar; e saindo seu pai, procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu a seu pai: — Elá tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu me regozijar com os meus amigos, mas quando veio este teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado. Replicou-lhe o pai: — Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu; entretanto, cumpria regotnjarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou. (Tradução segundo o original grego pelas Sociedades Bíblicas Unidas.


Rio de janeiro, Londres, New York.) Os arquétipos do bem e do mal, da sombra densa e suave, do ego e do Self conflitam-se, nessa narrativa, enfrentando-se,

lutando com ferocidade, e todo um arsenal de transtornos psicológicos aparece, tais a promiscuidade de conduta, a perversão, a fuga, o ressentimento, a ira e o desencanto, assinalando o comportamento dos dois irmãos, enquanto o pai generoso exterioriza a saúde pelo entendimento e pelo amor às defecções morais e ignorância dos filhos, utilizando-se da compaixão e do perdão, mas também da gratidão e do afeto.

O pai indu-los ao encontro com o arquétipo primordial produzindo um reencontro terapêutico entre os dois irmãos, única forma de possibilitar o entendimento entre ambos, a fraternidade plena, a saúde geral.


Predomínio da sombra

A presença da sombra no comportamento humano faculta a fragmentação da psique, nos dois eus, levando o paciente à perda de identificação entre os arquétipos do bem e do mal, do certo e do errado.

Herdeiro dos instintos agressivos, que lhe predominam em a natureza íntima, o ser humano jornadeia entre revoltado e temeroso por efeito das condutas ancestrais.

A necessidade da preservação da vida impele-o ao imediatismo, à volúpia do prazer, ao significativo desconhecimento dos valores ético-morais, ou mesmo quando os conheça, desconsiderando aqueles que podem representar sacrifício, luta nobre, abnegação...

Propelido para esse prazer sensorial, asselvajado, as emoções elevadas defluentes dos sentimentos da beleza, do idealismo são deixadas à margem pela pouca significação que lhes é atribuída ou pela falta do hábito de as vivenciar.

Os sonhos, por exemplo, nessa fase, são tumultuados e os símbolos de que se revestem expressam os atavismos perturba dores e os tormentos sexuais, que se transformam em condutas psicológicas doentias e/ou que somatizam em disfunções orgânicas de vária denominação.

Na parábola de Jesus, o ego do jovem filho é perverso e ingrato.

Ao solicitar a herança que diz pertencer-lhe, inconscientemente deseja a morte do pai, que seria o fenômeno legal para conseguir a posse dos bens sem qualquer problema.

Mascara o conflito sob a justificativa inapropriada de querer desfrutar a juventude, em considerando que mesmo na idade provecta, o genitor não morria...

Logo depois, viajando para um país longínquo procura arrancar as raízes existenciais, as marcas, destruir a origem desagradável, permanecendo na ignorância de si mesmo, fugindo para o Eden onde parecia feliz.

Todo conflito carrega uma carga psicológica de alta tensão nervosa devastadora.

O eu filial que percebe a necessidade de ficar no lar - aqui representado como o domicílio carnal, o Paraíso - cede espaço emocional ao outro eu, o da fragmentação da psique, a sombra, estroina e longínqua dos sentimentos enobrecedores ainda adormecidos no Self.

Deixando-se exaurir pelas ambições e prazeres, o leviano é surpreendido, posteriormente, pela solidão - a miséria econômica, a fuga dos comparsas que o exploraram, portanto, os excessos que agora o deixam desgastado - logo associada à culpa que o exproba, impondo-lhe reflexão, portanto, o retorno à segurança do lar que abandonou...

Sempre se fará imperioso o retorno às origens, a fim de realizar-se o autoencontro.

Dominado, porém, pelo instinto de autodestruição tornase uma pocilga moral, a um passo da degradação máxima, do suicídio, quando tem um insight e reflexiona em torno da generosidade do pai, o Self, portanto, em despertamento, e resolve pelo retorno, o que lhe constitui o passo inicial para a autorrecuperação, a autoconscientização, para uma possível integração das duas partes da fissura tormentosa da mente.

Essa fuga para um país estrangeiro e longínquo, seria uma arquetípica busca do princípio da individuação, caso se originasse de algum ideal, como diminuir a carga do pai, ao invés de desejar-lhe, mesmo que de maneira inconsciente, a morte.

Há, nesse conflito, o mundo do pai, o mundo do filho, o mundo do irmão, em forma de sombras perturbadoras, efeito da fissura da psique em relação ao ego.

Jesus deixa transparecer na expressiva parábola o caráter terapêutico, quando o filho volta em busca da paz (e da saúde), embora humilhado, mas certo de ser recebido.

O Self que se unifica em relação ao ego é o caminho seguro para a autocura, para o estado numinoso de tranquilidade e bem-estar.

A viagem para longe é uma busca arquetípica de heroísmo, de conquista do desconhecido, de infinito, que não se concretiza porque o objetivo consciente era o prazer, a não-responsabilidade, a violência do abandono ao pai idoso, a exuberância do egotismo e o desprezo pelo irmão mais velho que trabalha.

A viagem de volta ao lar que faz o filho mais jovem não é por amor ao pai, nem por qualquer sentimento nobre, mas porque passa fome e tem a garantia de que, no lar, terá muito mais conforto e abundância alimentar, qual ocorre com os empregados da fazenda...

A sua sombra interesseira deflui do ego atormentado que não conseguiu a união com o Self.

Por sua vez, a sombra cruel no irmão que ficou, dele faz um miserável que inveja a sorte do jovem despudorado, que tem ciúme da atenção que o pai lhe concede, que se revolta, dominado pelo conflito de inferioridade e pelas torturas no psiquismo.

Sente-se rejeitado, embora haja sido devotado, possívelmente por interesse de ficar com toda a herança, ao invés de contentar-se em estar com o pai, porquanto se queixa que nunca recebeu um cabrito para festejar com os seus amigos.

Uma projeção inconsciente da raiva guardada pelo abandono do irmão que fugiu manifesta-se como desforço, não querendo participar da festa de boas-vindas.

O ego deve estruturar-se para adquirir consciência da sua realidade não confutando com o Self que o direciona, única maneira de libertar a sombra.

Na parábola, que é um arquétipo coletivo representando os interesses imediatos em detrimento dos valores que libertam das paixões primárias, ante o egoísmo do filho jovem, o pai generoso não reclama, não deixa transparecer mágoa, embora sofrendo.

É desse modo que as criaturas fogem do abrigo seguro da psique integrada que cede lugar ao ego daninho, da fragmentação, postergando a oportunidade de serem felizes.

A experiência, porém, no país longínquo - desejo inconsciente de não ser encontrado, nem sequer saber-se onde reside o fugitivo - redunda em desastre, porque toda extravagância culmina em prejuízo e toda malversação de valores, em perdas parciais ou totais, como no caso do jovem presunçoso.

A sua sombra indu-lo ao gozo do prazer, da irresponsabilidade, da incontinência moral, porque os deveres na lavoura dos sentimentos desagradam-no.

A firmeza moral do irmão mais velho, trabalhando sem demonstrar fadiga nem aborrecimento, produz-lhe antipatia e faz que o deteste, deixando-o ao lado do pai idoso, sem nenhuma consideração pelos laços de família, numa participação mística coletiva, simbolizando a sociedade como um todo.

A totalidade da psique, representada pelo pai e alcançando o filho mais velho que cumpre o dever, incomoda o egoísta que vive em descontentamento porque deseja romper o vínculo, tornar-se livre, cair no abismo de si mesmo conforme irá acontecer.

Como as vivências ensejam o despertar da iluminação, ele cai em si e reflexiona que no lar, mesmo os servidores mais insignificantes desfrutam de apoio, alimento e segurança, enquanto ele nem sequer pode disputar com os suínos as alfarrobas que não lhe dão, resolvendo-se pela volta.

Recolhe-se ao mundo íntimo fragmentado e tem o insight de como proceder.

O arrependimento é o bálsamo para a culpa, reconhecendo que pecou contra o céu e contra ti (o pai), informa, seguro de ser bem recebido, mesmo que não fosse digno de ter o nome de seu filho.

O indivíduo comum, ainda não iluminado, deambulante da ilusão, pode ser comparado ao Filho Pródigo, leviano e insensato, que somente convive com objetivos de prazer pessoal e interesse mesquinho, distante das propostas éticas e dos deveres morais.

Vítimado pela libido exacerbada, entrega-se ao gozo na ilusória conduta de que não se acaba e as suas forças exaustas logo se renovam...

Pode também aparecer esse arquétipo nos indivíduos inseguros, instáveis, solitários, que em ninguém confiam, perdendo excelentes oportunidades de crescimento pela interiorização e pela reflexão, superando as heranças danosas do processo evolutivo ancestral.

De temperamento facilmente estremunhado, vive com ressentimentos e invejas, enfermo interiormente, que se nega o tratamento por acreditar que não tem necessidade, já que aos outros considera responsáveis pela sua situação psicológica, masoquistamente considerando-se incompreendido e perseguido.

Esse anseio de fuga dos outros é também o tormento da fuga de si mesmo, pela dificuldade que tem de autoenfrentar-se, de reconhecer a inferioridade e ser estimulado a trabalhá-la para conseguir a vitória.

É-lhe mais fácil atirar tudo para cima (ou para baixo) num gesto de libertação e seguir o tormento, para realizar a volta andrajoso, imundo, humilhado...

O ego presunçoso então desperta lentamente da sombra para o estado numinoso, que deverá conquistar sob os camartelos do sofrimento, que são os valiosos recursos hábeis para a vitória.

Quando o genitor pede ao servo que lhe traga o anel, eis reconfirmado psicologicamente o arquétipo da antiga Aliança de Deus com os homens, por intermédio do Arco-íris, demonstrando vinculação e amor.

As roupas limpas e novas, o novilho nutrido para a festa são os formidáveis arquétipos que se encontram em todos os mitos, particularmente no panteão grego, quando os deuses comungavam com os homens e banqueteavam-se, chegando, algumas vezes, ao desregramento pelos excessos que se permitiam.

O gesto do pai abraçando o filho de volta é a luz do amor que nele dilui a pesada sombra em que se debate.


Despertar do Self

O irmão mais velho da parábola daquele que se pode chamar como o pai misericordioso, é o protótipo do ego desconsertante.

Enquanto estava a sós com o pai, parecia amá-lo, respeitando-o e obedecendo-o.

Logo, porém, quando retornou o irmão de quem se encontrava livre, ressentiu-se, desmascarou-se, apreendo o outro eu - demônio interno - amoral e indiferente.

Nem sequer preocupou-se em saber como retornara o irmão.

Estaria feliz ou desventurado, concluindo que, por certo, na miséria, pois que do contrário não voltaria.

Continuaria a sós ou consorciado, com filhos ou perseguido?

Nada disso lhe ocorreu, exceto o lugar que concedeu à mágoa por haver sido posto de lado, nem mesmo consultado para o banquete que ao outro era oferecido.

Permanecer longe do perigo, abrigado dentro do lar, garantido sob a proteção do pai é uma atitude muito cômoda e resguardada de desafios.

No estudo em pauta, bastaria ao filho mais velho esperar a morte do pai, entrar na posse de todos os bens e libertar-se da submissão, sendo convidado aos enfrentamentos que antes o genitor resolvia.


Esse comportamento é psicologicamente infantil, porque a existência humana é construída de forma a ensejar crescimento emocional, destemor e renovação constantes. "Aquele que não se renova de dentro para fora, não consegue o desenvolvimento do self, sempre emaranhado na sombra, deixando que tudo aconteça à revelia. /

Há contínuos desafios no processo criativo do ser espiritual que busca o numinoso, a vitória sobre a ignorância e o demônio do mal interno.

A imagem do pai, que era aceita como um homem benigno para com ele, que se considerava merecedor de toda a compensação, diluiu-se-lhe, no momento do confronto com o seu irmão, de quem se vira livre, dando lugar à exteriorização de que o não amava.

Havia-se liberado do competidor que, no entanto, eram os próprios conflitos, os dois eus, ambicioso um, sereno o outro, pacífico o mais ponderado, demoníaco o mais atrevido que agora o dominava.

Interiormente, nesses seus muitos conflitos, ele também não se amava a si mesmo, transferindo essa emoção em forma de suspeita para o pai e para os demais, razão por que desejara festejar com os amigos, atraí-los, conquistá-los, comprá-los, como habitualmente acontece...

Todo indivíduo inseguro desconfia dos demais e transfere para eles as razões do seu temor, do seu sofrimento/Afastam-se, para não lhes acompanhar o êxito ou tenta conquistá-los por meio de oferendas, não se dando realmente pela afeição, doam coisas que não têm valor.

Desse modo, para ele, o amor paterno teria que ser parcial, exclusivista, em relação a ele, com animosidade pelo desertor.

Normalmente censura-se o jovem que viajou para o país longínquo, também fugindo de si mesmo, e elogia-se aquele que ficou ao lado do ancião, mais por conveniência do que por fidelidade, sem analisar-se mais profundamente ambas as atitudes.

Trata-se de uma visão psicológica imperfeita em torno da realidade.

O filho fiel é o mito representativo de Abel, generoso e bom, que será sacrificado por Caim...

Todavia, esse Abel gentil não amava Caim, o seu irmão mais jovem e extravagante, considerado perverso e insensível por abandonar o pai idoso...

Preferido pelos mitos Adão e Eva, perdeu o contato com a realidade e o seu irmão o assassinou.

Agora, o mito Abel no filho mais velho, gostaria de assassinar Caim, que se tornara bom, que voltara tomando-lhe o lugar, ou pelo menos, parte dele, no sentimento do pai que o mantinha no Éden.

O genitor, no entanto, misericordioso, que não censurou o desertor e recebeu-o com júbilo, tampouco procedeu com reclamação em referência ao filho magoado.

Foi buscá-lo fora e convidou-o a entrar na festa, a participar da alegria de todos.

É comum a solidariedade na dor, mas não no júbilo, em face da inveja e da amargura. .

O irmão mais velho submetia-se ao pai, mas não o amava, quanto fingia, porque logo o censurou, ressumando sentimentos de recusa inconscientes, pelo fato de jamais haver-lhe oferecido um cabrito pelo menos para que se banqueteasse com os amigos, enquanto ao insano ofereceu o melhor novilho...

O ciúme é terrivel chaga do ego que expele purulencia emocional.

O pai gentil e afetuoso, sensibilizado com o jovem de retorno, pediu um manto para cobri-lo, já que o outro também o possuía, evocando a proteção e o amparo que lhe eram oferecidos.

—Criança - diz o pai ao filho que o censura - tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu; entretanto, cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou.

O pai deu-se conta de que o outro filho, o mais velho, também estava morto porque ressumava amargura, encontravase perdido, porque não participava da sua e da alegria de todos que encontraram aquele seu irmão que era morto e reviveu, que estava perdido e se achou.

O ego encontrava o Self, despertando-o para uma futura integração, liberação da fissura na psique...

O Self do filho mais velho está envolto pela sombra ameaçadora, criminosa.

A parábola não informa qual a sua atitude, a do mais velho, em relação ao mais moço, após as informações dulcidas e os esclarecimentos compreensíveis do seu pai.

Certamente, o eixo ego-Self se tornou mais vigoroso, em face do amor do arquétipo primordial, sem limite, libertando-se dos mitos hostis e vingativos.

Prometeu, por exemplo, foge de Zeus, engana-o com artifícios contínuos para não morrer, até que tomba na armadilha da própria existência física temporária, e Zeus recebe-o, aprisiona-o, suplicia-o num rochedo, no qual foi colocado para sofrer calor, frio e uma águia fere-lhe o fígado durante o dia, que se refaz à noite, até o momento quando os deuses intercedem por ele e a sua punição é revogada...

O filho mais velho quer fugir do pai amoroso após censurálo acremente, evita fitá-lo nos olhos e receber-lhe o abraço, mas não poderá viver indefinidamente sob as picadas da mágoa, remoendo a prisão no rochedo do desencanto, ao frio e ao calor das reflexões doentias...

O Self é induzido a despertar sob a intercessão dos sentimentos de nobreza que remanescem no íntimo, como divina herança da sua procedência.

O irmão chegou quase descalço, sandálias rasgadas e imprestáveis.

O pai logo lhe providenciou calçados novos, porque os pés são as bases valiosas de sustentação do edifício fisiológico, que não pode ser mantido em segurança quando lhe falta alicerce...

A mãe Terra oferece os recursos para o organismo e os transforma; o hálito da vida, porém, vem do Amor.

Cuidar das bases é característica definidora de despertamento do Self, da responsabilidade perante a vida.

O irmão jovem iluminou o ego com a consciência de si, reconheceu o erro, renovou-se pela humilhação que o engrandeceu, enquanto o mais velho liberou das estruturas profundas do inconsciente as paixões da vingança e da maldade, a Erínia mitológica encarregada de ferir Sísifo, conduzindo a pedra ao topo da montanha de onde ela escapa e rola para baixo, obrigando-o a erguê-la sem cessar...

A parábola bem poderia ser dos dois filhos ingratos, que o amor reúne sob o mesmo manto protetor do pai, ligando-os pelo anel da família, traço de união com toda a Humanidade.

A família provém do clã primitivo que se une para a defesa da vida, do grupo animal, sendo um arquétipo de grande força psicológica.

A força do animal que caça encontra-se no instinto da astúcia, no grupo famélico, na agressão automática e simultânea contra a presa.

Desestruturar a família é também desnortear-se.


A reencarnação, com a força de diluir os velhos arquétipos perturbadores e criar outros benéficos, reúne indivíduos de caráter antagônico ou em situação de vingança para resgates, ou afetuosos e bons para fortalecer a evolução e preservar o instituto doméstico. "

Aqueles dois irmãos, que não eram antagônicos na aparência, viviam intimamente em oposição, faltando somente o momento de demonstrá-lo.

A paternidade zelosa, o divino arquétipo de Zeus ou de Júpiter, ou de Apolo, ou de Yahveh, todo-poderosos, reúne-os e tenta ampará-los.

O filho jovem era leviano e despertou sob os acicates do sofrimento.

A sandália rasgada, as vestes em trapos, a cabeça raspada, a atitude genufletida diante do pai são os destroços que demonstram o insucesso, o esforço para o recomeço, o entrar novamente no ventre materno para renascer, por isso, voltou para dentro de casa.

Em realidade estava no pátio da casa de seu pai, não se adentrara ainda, não teve tempo nem oportunidade.

O filho mais velho era angustiado e conseguia disfaçar os sentimentos doentios.

Não quis participar da alegria do reencontro, porque isso demonstraria a sua falta de afeição, a sua contrariedade por ter que voltar a competir com o irmão vencido pelo sofrimento.

A oportunidade ameaçava passar sem ser utilizada.

Na existência humana cada momento tem o seu sentido profundo, o seu significado essencial, a sua magia.

A infância dá início ao processo de crescimento interno do Self, entretanto, ele permanece imaturo em qualquer período da existência humana, desde que não tenha recebido os estímulos para desenvolver-se, para desvelar-se em sabedoria e luz.

O primeiro filho demonstrou imaturidade psicológica - a infância.

O segundo expressou pessimismo e depressão, ressumando primarismo emocional, outro estágio da infância emocional.

Entretanto, a terapia saudável para esses males foi o amor do pai, sua compreensão e misericórdia, sua paciência e confiança na força do seu afeto.

Com esse contributo de fora despertou o Self dentro de cada qual dos membros da parábola, de cada criatura que se possa identificar com algum dos membros da narrativa.

A parábola poderia ser concluída, elucidando que o pai devotado levou o filho ressentido para dentro de casa - uma viagem interna ao encontro do Self — e o aproximou do irmão arrependido — Caim ressuscitado!

Assim sendo, olharam-se por largo e silencioso tempo de reflexão, superando distâncias emocionais, culminando em demorado abraço de integração dos dois eus num self coletivo rico de valores e sentimentos morais entre as lágrimas que limparam as mazelas, as heranças lamentáveis do ego soberbo e primário.


Integração moral

A parábola, rica dos símbolos arquetípicos ancestrais, é um magnífico processo psicoterapêutico para os que sofrem imaturidade psicológica, os que vivem dissociados no turbilhão dos eus em conflito.

Enquanto se desconhecem as lutas e não se tem ideia das infinitas possibilidades de crescimento interior, transitando entre os hábitos sistemáticos e improdutivos, as aspirações fazem-se de pequeno alcance, não passando das necessidades fisiológicas, dos processos da libido, das parcas ambições imediatas: comer, dormir, gozar e suas consequências fisiológicas...

Os valores morais, embora em germe, permanecem desconhecidos ou propositalmente ignorados.

Normalmente aquele que se encontra perdido espera ser encontrado, quando o ideal é sair da sua solidão no rumo certo por onde deve prosseguir.

É muito comum a busca de Deus pelas criaturas contritas, que se sentem perdidas, embora vivenciando a desintegração dos valores morais, ao invés de predispor-se a serem por Deus encontradas, avançando na Sua direção.

Na busca, há uma ansiedade e uma luta interior contínuas, há dificuldade de compreender o significado da existência, assim como a razão dos apegos e tormentos, enquanto que, à disposição, ascendendo-se intimamente, liberam-se dos conflitos e abrem-se ao entendimento das ocorrências e à necessidade de experiênciarse os diferentes períodos do processo de independência, para que não permaneçam traumas, inseguranças e insatisfações...

Todo o processo deve ser acompanhado de amadurecimento psicológico, de autocompreensão, de entrega em forma consciente.

A viagem interna, para colocar-se à disposição de Deus é confortável, porque silenciosa e renovadora, enquanto que a busca externa, no vaivém dos desafios e das incertezas, produz o prejuízo do desconhecimento da escala dos valores éticos, assim como a dos significados existenciais.

Quando o Filho Pródigo se apresenta em situação deplorável, rebaixando-se e submetendo-se ao pai, nele há uma grandeza ética fascinante, que o torna elevado, que o dignifica, ao invés de quando parte, carregando muitos valores amoedados e joias, porém, apequenado, porque vazio de objetivos existenciais.

É comum o indivíduo subestimar-se, acreditando que somente terá valor quando possuir as coisas que brilham e que dão realce social, que produzem destaque na comunidade e despertam ambições, invejas, ciúmes.

Esse conceito reveste-se do mito infantil de um paraíso fascinante e tedioso, diante da árvore do Bem e do Mal, ameaçadora, insinuando que a descoberta da nudez interior, da pequenez moral, dos medos subrepticiamente disfarçados na balbúrdia que faz em volta, a fim de não serem identificados, será um terrível mal, porque o atira fora, obrigando-o a rumar para um país longínquo.

Nessa conduta, a insatisfação sempre enche a taça repleta de prazer com o azedume e o tédio, sorvendo sempre mais, e esvaziando-se muito mais, por falta de valores edificantes e legítimos.

As conquistas de fora não conseguem preencher as perdas interiores.

O conflito é inevitável, porque somente quando se é capaz de viver conforme os padrões nobres da solidariedade e do equilíbrio moral, a saúde e o bem-estar se instalam no comportamento humano.


Nesse encontro com o perdido - o eixo ego-Self— ocorre uma grande alegria, quando o encontrado que se permite integrar no grupo de onde se afastara, percebe que o pai misericordioso
—o estado numinoso — sempre esteve ao seu alcance, e a fissão

^quica era o inevitável resultado do processo de busca para a aquisição da consciência.

Todos os indivíduos passam por esse estágio, sendo-lhes necessário proceder á integração.

Nessa fase inicial do despertar da consciência, não existem valores éticos nem conceitos morais, exceto aqueles que decorrem das necessidades primitivas que ainda permanecem em a natureza humana.

O amadurecimento psicológico lento e seguro propicia a descoberta desses tesouros íntimos que direcionam o comportamento, ajudando a discernir como viver-se saudavelmente ou de maneira tormentosa.

O hábito arraigado de ser-se infeliz sob disfarces múltiplos conspira contra a identificação dos valores morais e a conquista do si-mesmo.

Eis por que a parábola do Pai misericordioso é rica de possibilidades para a integração dos valores morais esparsos, destituídos até ali de significado real, esquecidos ou em choques contínuos conforme os interesses mesquinhos dos filhos...

Sem dúvida, na análise psicológica de cada indivíduo, ele pode assumir, ora a personalidade do filho pródigo, noutro momento a do irmão ciumento, raramente, porém, se encontrará integrado no genitor compreensivo e dedicado, que reúne os dois filhos, ambos necessitados, sob o manto da bondade e da compreensão.

Essa possibilidade, quase remota, por enquanto, pelo menos durante a fase de ajustamento do demônio com o anjo interiores, acontecerá quando o amor se despir de egotismo, e o símbolo de Eros assim como o de Cupido adquirirem a abrangência do sentimento univeral do amor que integra a criatura ao Seu Criador e a torna irmã de todos os demais seres sencientes que existem.

O Pai compassivo por excelência libera não mais o Filho Pródigo, porém, os filhos que se tornaram saudáveis, apoiados na compreensão dos seus deveres perante a vida e a sociedade, contribuindo em favor do progresso geral.


Em Busca da Verdade

Nessa fase, toda a herança ancestral do primitivismo antropológico cede lugar à consciência do si-mesmo, proporcionando incontáveis bênçãos de que o ser tem carência, auxiliando-o na conquista da sua plenitude.

Não lhe será necessária a morte orgânica para desfrutar do Nirvana ou penetrar no Reino dos Céus, porquanto já os conduzirá no íntimo, em forma de autorrealização e de tranquilidade.

A doença, o infortúnio, a morte já não o impressionam, porque se dá conta de que esses acidentes de percurso fazem parte do processo de crescimento, e, à semelhança do diamante que reflete a luz da estrela, não lhe ficam as marcas do carvão bruto que era antes da lapidação.

Indispensável, portanto, compreender-se que o Pai deseja encontrar o filho perdido num país longínquo e reabilitar aquele que se perdeu em si mesmo, no país próximo-distante da afetividade doentia.

A integração dos valores morais resulta desse esforço realizado pela consciência profunda que busca a integração do ego imaturo, dando-lhe significado existencial, trabalhando pela harmonia dos sentimentos e dos comportamentos.

Jesus conhecia a psique humana em profundidade, os seus abismos, as suas heranças, os seus equívocos, as suas incertezas, los os seus meandros, e porque identificava naqueles que O seguiam os tormentos que os infelicitavam, apresentou na parábola do Filho Pródigo o eficiente processo psicoterapêutico para as gerações do futuro, de forma que, em todas as épocas rorvindouras, o amor e a compaixão, libertando dos traumas e dos ressentimentos, contribuíssem para a plenificação interior dos indivíduos.




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Lucas 15:25

E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças.

lc 15:25
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Lucas 15:18

Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti;

lc 15:18
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II Coríntios 3:6

O qual nos fez também capazes de ser ministros dum novo testamento, não da letra, mas do espírito, porque a letra mata, e o espírito vivifica.

2co 3:6
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Lucas 15:13

E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente.

lc 15:13
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Lucas 15:20

E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.

lc 15:20
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Lucas 15:31

E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas;

lc 15:31
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Lucas 15:32

Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.

lc 15:32
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Lucas 15:27

E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.

lc 15:27
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Lucas 15:29

Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos;

lc 15:29
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Lucas 15:21

E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho.

lc 15:21
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Lucas 15:24

Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se.

lc 15:24
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Lucas 15:12

E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda.

lc 15:12
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Lucas 15:14

E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.

lc 15:14
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Lucas 15:30

Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.

lc 15:30
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Lucas 15:17

E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!

lc 15:17
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