Conflitos Existenciais - Série Psicológica Vol. 13

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CAPÍTULO 3

Raiva

Raiva e primarismo

A raiva é um sentimento que se exterioriza toda vez que o ego sente-se ferido, liberando esse abominável adversário que destrói a paz no indivíduo.

Instala-se inesperadamente, em face de qualquer conflito expresso ou oculto, desferindo golpes violentos de injúria e de agressividade.

Inerente a todos os animais, no ser humano, porque portador de vontade e discernimento, é responsável por transtornos que conseguem obscurecer lhe a razão e perturbar lhe o equilíbrio, produzindo danos emocionais de pequeno ou grande alcance, a depender da extensão e da profundidade de que se reveste.

Quando existe a primazia dos instintos agressivos, na contextura do ser, este, diante de qualquer ocorrência desagradável, real ou imaginária, rebolca-se na situação danosa, em agitação inconsequente, cujos resultados são sempre lamentáveis, quando não funestos.

Predominando nele o instinto de arbitrária dominação, em falsa postura de superioridade, percebendo a fragilidade dessa conduta e a impossibilidade de impor-se, porque não considerado quanto gostaria, recorre ao mecanismo psicológico da raiva para exteriorizar a violência ancestral que lhe dorme no íntimo.

A semelhança de um incêndio que pode começar numa fagulha e trazer prejuízos incalculáveis pela sua extensão, a raiva também pode ser ateada por uma simples insinuação de pequena monta, transformando-se em vulcão de cólera destruidora, que avassala.

Há indivíduos especialmente dotados da facilidade de enraivecer-se, que alternam essa emoção com a psicastenia palavra cunhada por C.

G. Jung, como uma fraqueza psíquica responsável por um estado de astenia psíquica constitucional, com forte tendência para a depressão, o medo, a incapacidade de suportar desafios e dificuldades mentais...

A raiva produz uma elevada descarga de adrenalina e cortisol no sistema circulatório, alcançando o sistema nervoso central, que se agita, produzindo ansiedade e mantendo o sangue na parte superior do corpo, no que resultam diversos prejuízos para as organizações física, emocional e psíquica.

Repetindo-se com frequência, produz o endurecimento das artérias e predispõe a vários distúrbios orgânicos...

De alguma forma, a raiva é um mecanismo de defesa do instinto de conservação da vida, que se opõe a qualquer ocorrência que interpreta como agressão, reagindo, de imediato, quando deveria agir de maneira racional.

Porque tolda a faculdade de discernir, irrompe, desastrosa, assinalando a sua passagem por desconforto, cansaço e amolentamento das forças, logo cessa o seu furor...

O animal selvagem, quando perseguido ou esfaimado ataca, para logo acalmar-se, conseguido o seu objetivo.

O ser humano, além dessa conduta, agride antes, por medo de ser agredido, aumentando a gravidade de qualquer ato sob a coerção do pânico que se lhe instala de momento, ante situações que considera perigosas, evitando racionalizar a atitude, antes parecendo comprazer-se nela, sustentando a sua superioridade sobre o outro, aquele a quem atribui o perigo que lhe ronda.

O seu processo de evolução do pensamento e da consciência, porque estacionado nos remanescentes do período egocêntrico, ora transformado em egoico, estimula esse comportamento inoportuno e prejudicial, cujos efeitos danosos logo serão sentidos em toda a sua extensão.

O círculo da raiva é vicioso, porque o indivíduo adapta-se a essa injunção, passando a gerar um comportamento agressivo, quando não vivenciando uma postura contínua de mau humor.

Essa raiva inditosa é resultado de pequenas frustrações e contínuas castrações psicológicas, muitas vezes iniciada na constelação familiar, quando pais rigorosos e imprudentes, violentos e injustos, assumem postura coercitiva em relação aos filhos, impondo-se-lhes, sem a possibilidade de diálogos esclarecedores.

Lentamente vão-se acumulando esses estados de amargura pela falta de oportunidade de defesa ou de justificação, que se convertem em revolta surda, explodindo, indevidamente, quando já se faz uma carga muito pesada na conduta.

Por natural necessidade de afirmação da personalidade, a criança é teimosa, especialmente por falta de discernimento, por necessidade de adquirir experiências, gerando atrito com os pais e familiares mais velhos, que nem sempre estão dispostos a conversar com esclarecimentos ou sabem como equacionar esses conflitos do desenvolvimento intelectual e emocional do educando.

Exigem silêncio, respeito, não permitindo as discussões francas e próprias para os esclarecimentos que se tornam necessários ao entendimento das situações existenciais e das possibilidades de ação, no que é ou não concernente a cada um cumprir.

Também ocorre quando são genitores descuidados que não se interessam pelos problemas da prole, causando-lhe um fundo ressentimento, a princípio inconsciente, para desbordar em raiva acumulada.

Outras vezes, como resultado da timidez, o indivíduo refugia-se na raiva, e porque não a pode expressar, foge para transtornos profundos que o maceram.

A falta de conhecimento das próprias debilidades emocionais faz que não disponha de equilíbrio para enfrentamentos, competições, discussões, derrapando facilmente no comportamento infeliz da raiva.

Acidentes automobilísticos, em grande número, são resultado da raiva malcontida de condutores que não se conformam quando outrem deseja ultrapassá-los na rodovia, nas ruas e avenidas, embora estivessem viajando em marcha reduzida.

Sentindo-se subestimado pelo outro -raciocínio muito pessoal e sem fundamento — em vez de cederem a passagem, quando observam que o outro veículo se lhes emparelha, aceleram e avançam ambos, raivosos, até o surgimento de um terceiro em sentido oposto, obedecendo, porém, as regras, no que se transforma em tragédia.

Bastasse um pouco de bom-tom, de serenidade, para cooperarem um com o outro, e tudo seria resolvido sem qualquer dano.

Durante os desportos, na política, na religião, na arte, participando ou acompanhando-os, não admitem esses aficionados a vitória do outro, a quem consideram adversário, quando é somente competidor, enraivecendo-se e dando lugar a situações graves, muitas vezes redundando em crimes absurdos.

A raiva é choque violento que abala profundamente o ser humano, deixando rastros de desalento e de infelicidade.

Ela está habitualmente presente nos debates domésticos, quando os parceiros não admitem ser admoestados ou convidados à reflexão por atitudes incompatíveis com a própria afetividade ou decorrentes de situações que surgem, necessárias para os esclarecimentos que facultem a melhora de conduta.

Em vez da análise tranquila do fenômeno, a tirania do ego exalta-o, o instinto de predominância do mais forte ressuma e a pessoa acredita que está sendo diminuída, criticada, passando a reagir antes de ouvir, a defender-se antes da acusação, partindo para a agressão desnecessária, de que sempre arrepende-se depois.


Raiva e transtorno emocional

A raiva tem duas vertentes de procedência: a primeira, mais remota, que é de natureza espiritual, originária em existência pregressa do Espírito, quando, mais soberbo e primário, impôs-se onde se encontrava, desenvolvendo sentimentos de opressão e de desrespeito aos direitos alheios, sempre desconsiderados; a segunda, de procedência atual, isto é, da existência presente, quando fatores temperamentais, educacionais, socioeconômicos empurraram-no à situação penosa geradora de conflitos.

No primeiro caso, existe um conflito ancestral, que se encontra ínsito como culpa, armando-o para constante alerta, em mecanismo de autodefesa.

O inconsciente im-póe-lhe a tese falsa de que o mundo é-lhe hostil e as pessoas encontram-se equipadas de valores para submetê-lo ao seu talante.

No segundo caso, origina-se uma especial disposição para a instalação do conflito de insegurança psicológica desencadeador da raiva.

Quando ocorre qualquer fato que não é entendido de imediato, sentindo-se incapaz de autopromover-se ou acreditando-se espezinhado, o complexo de inferioridade empurra-o para as atitudes grotescas e agressivas.

De bom alvitre, portanto, como terapia preventiva, manter-se o equilíbrio possível diante de qualquer acontecimento novo, inesperado, procurando entendê-lo antes que permanecer na defensiva, como se as demais pessoas se lhe estivessem agredindo, fossem-lhe adversárias e todo o mundo se lhe opusesse.

O acumular das pequenas raivas não liberadas termina por infelicitar o ser, afligindo-o emocionalmente e levando-o especialmente a transtornos depressivos, pela falta de objetivo existencial, por desinteresse de prosseguir na luta, fixando-se com revolta nas ocorrências que considera inditosas em relação a si mesmo.

Não poucas vezes, parceiros que sobrevivem no fluxo da existência corporal em relação ao outro que desencarnou, acumulam raivas que se tornam ressentimentos, por não as haverem liberado quando se apresentaram em forma de frustrações e desagrados enquanto na convivência deles.

Havendo a morte interrompido o ciclo da experiência física, aquele que permanece no corpo sente-se lesado, por haver sofrido sem necessidade, conforme supõe, por descobrir infidelidades que ignorava, por despertar do letargo que a união lhe impôs, passando a viver de ressentimentos profundos...

Sob outro aspecto, o ego exaltado rememora os momentos felizes e enraivece-se ante o fato de haver sido muito amado e encontrar-se agora a sós, como se a morte houvesse resultado da opção do outro.

Nos suicídios, aqueles que ficam, em vez de compadecer-se dos infelizes que optaram pela fuga, antes são dominados pela raiva de se sentirem culpados ou não amados, ou não consultados antes do gesto, ruminando mágoas que se acumulam e terminam por intoxicá-los frequentemente.

A raiva tem o condão infeliz de envilecer o sentimento da criatura humana.

A sua constância responde por destrambelhos do sistema nervoso central, por disfunções de algumas das glândulas de secreção endócrina, por diversos problemas do aparelho digestivo e pelo irregular comportamento psicológico.

Quando isso ocorre, invariavelmente surgem as so-matizações que terminam, quando não tratadas cuidadosamente, em processos degenerativos de alguns órgãos.

A culpa inconsciente domina grande número de criaturas humanas durante o seu trânsito carnal.

Liberada pelo inconsciente profundo, o paciente considera que será punido e, quando isso não ocorre, assume uma das seguintes posturas: a) Autopune-se, negando-se a alegria de viver, fugindo de quaisquer recursos que podem torná-lo mais feliz, impedindo-se de relacionamentos afáveis, por acreditar não os merecer;

b) arma-se de agressividade para evitar aproximações ou para considerar-se vítima contínua dos artifícios maléficos da Humanidade, conforme justifica-se.


Enquanto o Self não seja conscientizado da necessidade de autoconhecimento, mediante o qual ser-lhe-á possível a identificação da culpa nos seus arcanos, e proponha—se a autoestima, o autorrespeito, a autoconsideração, ela vicejará cruel, disfarçada de ciúme - insegurança e autodesvalorização -, de infelicidade - complexo de inferioridade -, de inveja - mesquinhez do caráter -, de autopunição — tormento masoquista

— , ensejando que a raiva seja a companheira constante do comportamento arbitrário.

Tensões desnecessárias invadem o sistema emocional, como já referido, gerando desgaste improcedente, através do qual mais facilmente se instalam os distúrbios de comportamento, como fenômeno catártico que não pode mais ser postergado.

A raiva é um sentimento de desajuste da emotividade, que merece contínua vigilância, a fim de que não se transforme em uma segunda natureza na conduta do indivíduo.

Na raiz psicológica do sentimento de raiva existe um tipo qualquer de medo inconsciente que a desencadeia, levando o indivíduo a atacar antes de ser agredido, o que o torna, invariavelmente, violento e descompensado na emoção.

De alguma forma, a insegurança do próprio valor e o temor de ser ultrapassado predispõem à postura armada contra tudo e todos, como se essa fosse a melhor maneira de poupar-se a sofrimentos e a desafios perturbadores.

Por consequência, os instintos primários predominam orientando as decisões, quando estas deveriam ser controladas pela razão, que sempre discerne qual a melhor postura a assumir-se.


Terapia para a raiva

O ser humano processa o seu desenvolvimento intelecto-moral passo a passo, sem os saltos de largas conquistas.

Superada uma etapa do processo antropossociopsicológico, surge outra igualmente desafiadora, que a experiência adquirida anteriormente lhe faculta superar.

Algumas vezes é natural que se equivoque, a fim de reiniciar o mecanismo autoiluminativo sem qualquer trauma ou desconforto, desde que a meta é o bem-estar, a conquista da harmonia.

A incidência da raiva, portanto, é perfeitamente normal, tornando-se grave a não capacidade de administrá-la.

De bom alvitre, sempre que invadido pelo desequilíbrio dessa natureza, o paciente reserve-se a coragem de adiar decisões, de responder para esclarecer, de discutir em nome da autodefesa, porquanto, invariavelmente, o ego ferido precipita-o em postura inadequada de que se arrependerá de imediato ou mais tarde.

O silêncio diante de circunstância perturbadora, não se permitindo a invasão dos petardos mentais desferidos pelo opositor, constitui recurso imprescindível para evitar o tombo na irritação e seus consequentes danos.

O hábito, que deve ser cultivado, de considerar-se pessoa portadora de virtudes e de deficiências plausíveis de corrigenda, estando sujeita às variações do humor e de comportamento, susceptível de contrariedades, distonias, predispõe à vigilância.

Se advertido, ouvir com atenção e avaliar a proposta apresentada, mesmo quando de maneira agressiva ou indelicada.

Quando útil, incorporá-la como medida de sabedoria que lhe será valiosa, e identificando sub-repticiamente sentimentos negativos por parte do outro, não lhe atribuir qualquer valor ou significado.

O exercício da paciência auxilia a aceitar a vulnerabilidade de que se é constituído, não ampliando a irrupção da raiva quando ocorrer.

Tornando-se contínua, como resultado de estresse e de ansiedade, de insegurança e de medo mórbido, faz-se indispensável uma terapia psicológica, de modo a ser detectada a causa desencadeadora do fenômeno perturbador, que tende a agravar-se quando não cuidado de forma adequada.

A psicoterapia cuidadosa remontará a conflitos adormecidos no inconsciente, que tiveram origem no período infantil ou durante a adolescência, quando as circunstâncias induziam à aceitação de situações penosas, sem o direito de explicação ou de justificação.

As pequenas contrariedades acumularam-se, e porque não diluídas conforme deveriam, explodem quando algo proporciona aumento de volume à carga existente, fazendo-a insuportável.

Ao mesmo tempo, a terapia da prece e da meditação constitui salutar recurso para o controle das emoções, reabastecimento de energias vigorosas que se encarregam de asserenar o sistema nervoso central, impedindo ou diminuindo a incidência da ira.

As boas leituras também funcionam como procedimento terapêutico de excelente qualidade, por enriquecerem a mente com ideias otimistas, substituindo muitos dos clichês psíquicos viciosos que induzem a comportamentos insanos.

Em face dos recursos que se podem haurir na bioenergia, a sua aplicação, nos pacientes susceptíveis à raiva e à sua coorte de distúrbios da emoção, é de inadiável importância, destacando-se o concurso de pessoas abnegadas e saudáveis física e moralmente, como portadoras da doação.

Jesus utilizava-se do denominado toque curador, descarregando naqueles que O buscavam as sublimes energias de que era portador.

Nada obstante, mediante a sua vontade, penetrava na problemática dos pacientes antes que Lhe narrassem às aflições de que eram vítimas, liberando-os com o Seu psiquismo superior.

Desde a expulsão dos Espíritos imundos que faziam estorcegar as suas vítimas em processos de aparente epilepsia ou de esquizofrenia, à recuperação de morte simulada por catalepsia, de hemorragia, de cegueira, surdez, mudez, dilacerações orgânicas, até as mais graves ocorrências a distância, utilizandose do incomparável poder de que se fazia possuidor.

Embora a imensa distância moral que medeia entre Ele e os Seus modernos discípulos, todos são possuidores de preciosas energias que dimanam do Pai, algumas das quais encontram-se ínsitas neles mesmos, ou as recebem mediante a interferência dos nobres condutores espirituais da Humanidade.

Por fim, o autocontrole que cada qual deve manter em relação às suas reações emocionais de qualquer natureza, disciplinando a vontade, educando os sentimentos e adaptando-se a novos hábitos saudáveis, imprescindíveis a uma existência rica de saúde.




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