O Despertar do Espírito

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CAPÍTULO 11

DESAFIOS AFLIGENTES

que ninguém se pode evadir.

Haver atingido a etapa da razão constitui a mais notável saga do processo da evolução no qual está engajada a vida.

Passo a passo, o psiquismo se desenvolve no ser embrionário, arrastando as experiências anteriores e tornando-as estímulos para o prosseguimento, mediante fenômenos automáticos que atingem a plenitude das suas funções a partir do momento em que conquista o patamar da consciência.

Alcançada essa etapa, cada realização se inscreve nos painéis profundos do ser como força para mais audaciosas conquistas ou permanência na retaguarda, na qual se demora o problema não solucionado.

As heranças dos instintos primários passam, nesse estágio, a ser substituídas pelo discernimento, que as vai monitorizando de claridade mental, evitando a conduta por impulsos, de modo que se estabeleçam as escalas de valores éticos para maiores desempenhos.

A personalidade se delineia então com os arcabouços que vêm sendo desenvolvidos nas experiências anteriores, podendo ser elaborada com contornos definidos e saudáveis ou estruturada mediante conflitos perturbadores.

O ser, na sua individualidade de textura, aprimora-se com os conhecimentos que adquire, desenvolvendo os sentimentos que lhe exornam o íntimo, de maneira a atingir a harmonia que busca.

Aspirações do bom e do belo, do ideal e do superior, são a tendência natural de cada Espírito em processo de elevação, a serem ampliadas pelo esforço de auto-iluminação.

Registros de medos, angústias, violências, traumatismos, decorrem de atavismos em permanência, não superados, como resultados do primarismo ainda vigente, que necessita ser trabalhado pela consciência.

Existir, é também sentir, envolver-se, amar, desenhar projetos, caminhar no rumo das necessidades para equacionálas, logrando a perfeita identificação entre estar e ser.

O grupo social, por isso mesmo, é resultado dos indivíduos que o constituem, agindo de acordo com a qualidade ética de cada um e de todos em conjunto.

A conscientização da individualidade é imprescindível para a elaboração da sociedade harmônica, que passará a influenciar-lhe ainda mais o desenvolvimento.

A sua falta de responsabilidade, de integridade - essa consciência de dever e de retidão - resulta em um grupo infeliz, constituído de personalidades arbitrárias que agem equivocadamente, sem respeito pelas outras, nem consideração pelas notáveis conquistas da inteligência e da sabedoria.

O ser humano está mergulhado no rio da Vida e impelido a nadar na direção do porto de segurança.

Tendo como exemplo aqueles que chegaram em vitória à meta, transforma-se em orientador de quem segue com dificuldade, oferecendo-lhe técnicas e auxílios indispensáveis à superação de corredeiras e de abismos que nem sempre são visíveis.

Graças ao seu contributo, o desempenho é mais seguro e saudável, ensejando vitória rápida e compensadora.

O esforço porém terá que ser daquele que deve vencer a distância entre a atual situação e como deverá estar mais adiante.

A existência humana é capítulo da vida real, que se expressa por meio de etapas sucessivas, em que o corpo é um envoltório que propicia o desenvolvimento das notáveis possibilidades de que se constitui o Espírito procedente da Causalidade Universal Primeira.

Essa força para o crescimento, haure-a ele na realidade de si mesmo, ínsita nos painéis profundos da sua essencialidade, que foi elaborada pela Perfeição, candidatando-o à conquista desse incomparável objetivo que lhe está destinado.

Existir, sem o contributo da luta, dos desafios contínuos, é permanecer em estágio automatista do processo da evolução, não alcançando o significado psicológico maduro que diferencia os indivíduos e os promove.

Existir, no entanto, vencendo dificuldades e prosseguindo jovialmente, torna-se a experiência máxima da realidade espiritual, qual aconteceu com os grandes exemplos de saúde moral e emocional da Humanidade.

Demóstenes, por exemplo, esforçando-se até ao sacrifício para superar deficiências de pronúncias que o levaram a ser ridicularizado mais de um vez, entregava-se a enunciar discursos e repetir poemas imensos com a boca cheia de seixos ou colocava-se ante a ponta de uma espada nua para manter boa postura física, trancando-se no quarto por vários dias, e mais tarde tornando-se o maior orador da antiguidade.

John Milton, o poeta inglês, que foi reduzido à miséria depois da morte de Cromwell, de quem fora secretário, ficando cego, ditou à esposa e às suas duas filhas o incomparável O Paraíso perdido.

Beethovem, atingindo o máximo da surdez, compôs em êxtase várias Sinfonias, destacando-se a Nona, que é considerada entre todas a mais bela e perfeita.

Thackaray, embora a esposa estivesse louca ao seu lado, sem a abandonar, escreveu coisas espirituosas em circunstâncias mais próprias para o suicídio, conforme declarou sem amargura.

A galeria de vultos que se entregaram à existência lutando contra o que se denomina adversidade é muito grande, porque compreenderam que a finalidade da vida é conquistar os patamares mais elevados, mesmo quando as circunstâncias aparentemente conspiram contra o êxito.

Ninguém, que se encontre no mundo em processo de crescimento e de saúde, que não experimente os camartelos definidores dos rumos para alcançar as cumeadas da felicidade.

Vencer os impedimentos reais ou imaginários é a que se devem dedicar todos aqueles que anelam pela harmonia.


Luta pela vida

A luta é o elemento indispensável para o crescimento interior do ser humano, o desenvolver-lhe das aptidões adormecidas, o recurso precioso para o seu engrandecimento.

Através do empenho e dos desafios que proporciona, fende a concha do primarismo em que se encarceram os valores elevados e faculta-lhes o desabrochar e o atingir da plenitude.

Foi através da luta pela vida que os espécimes mais fortes venceram aqueles mais débeis que ficaram no passado...

E quando essa força não provinha do volume ou do peso do corpo, o desenvolvimento da inteligência engendrou os mecanismos de superação de dificuldades mediante astúcia e técnica que colocaram o ser humano na parte superior da escala animal.

Cessadas as pelejas entre os predadores poderosos e o O Despertar do Espirito homem, surgem-lhe as fixações e os conflitos do seu desenvolvimento intelecto-moral, que lhe cumpre vencer, empenhando-se na conquista da saúde emocional e física, de forma a facultar o contínuo crescer das suas potencialidades psíquicas.

Remanescendo os desejos imediatos, herança das experiências nas faixas mais primitivas do processo de desenvolvimento, esses verdadeiros algozes psicológicos propelem o ser para o atendimento de tais impositivos que o aturdem, deixando-o quase sempre insaciado, mesmo após fruídas as sensações decorrentes do seu gozo.

A luta que aguarda o ser humano é longa e sem quartel, facultando-lhe a realização dos objetivos existenciais mas também daqueloutros de natureza espiritual, que são fundamentais para o encontro da saúde integral, da plenitude.

Uma antiga tradição budista narra que Ananda era um jovem discípulo do Iluminado, que muito lhe dedicava afeição e devotamente interessado na conquista da paz do Nirvana.

Sua beleza e a elegância de seu porte haviam feito dele um homem atraente e agradável, que a todos conquistava onde quer que se apresentasse.

Viajando, oportunamente, em um dia de calor, acercouse de uma fonte generosa à sombra de árvore grandiosa e solicitou a uma jovem mulher que ali se encontrava, lhe fosse oferecida uma concha com água refrescante.

Tomada de surpresa, respondeu-lhe a estranha: - Não percebes que somos de casta diferente?

Ele redarguiu: - Eu só conheço uma casta, que é a humanidade...

Sensibilizada, a impura tomou a água com as mãos em concha e aproximou-as dos lábios de Ananda.

que sorveu o líquido com alegria e agradecimento, dirigindo-lhe palavras de amizade e ternura.

Tocada pela gentileza e pela irradiante beleza do rapaz, a moça correu na direção do lar e pediu à genitora, que se entregava às artes mágicas, para que conseguisse que Ananda se apaixonasse e a pedisse em casamento.

A mulher experiente elucidou à filha que era muito difícil consegui-lo, considerando o devotamento do aprendiz ao mestre e a sua pureza de sentimentos.

Atormentada e insistente, a desditosa conseguiu sensibilizar a médium desvairada, que passou a dirigir o pensamento inferior no rumo do jovem, insistindo com Espíritos perturbadores para que lhe influíssem no comportamento.

Posteriormente, Ananda sonhou que se encontrava diante da jovem sensualmente despida, que o atraía, inquietando-lhe os sentimentos disciplinados.

Por sua vez, a moça, tomada de desejos doentios, também sonhou com o seu eleito, entregando-se-lhe e impondo-lhe o matrimônio.

Buda, no entanto, meditando, captou a trama do mal e envolveu o jovem discípulo em ondas de paz, despertando-o para a realidade e atraindo-o de volta ao seu seio.

Não logrando o desejo inferior, a aturdida acercou-se do mestre e pediu-lhe que facultasse o seu casamento com o moço arrebatador, por quem estava apaixonada.


Sábio e justo, o antigo príncipe lhe disse:

—Tu o desejas porque ele é jovem e belo.

No entanto, após os primeiros momentos de convivência contigo, após utilizar-se das tuas formas, ele seguirá adiante, deixando-te.

E se isso não acontecer de imediato, a velhice irá corroer-te a beleza, desaprumar-te o passo, fazendo que ele sinta horror por ti.


Após uma pausa, concluiu:

—Tu não o amas.

Apenas desejas a forma, o prazer, esquecendo-te que aqueles olhos transparentes e brilhantes, que O Despertar do Espirito se umedecem com lágrimas também vertem pus; as suas fossas nasais igualmente expelem secreção apodrecida; o seu ventre guarda dejetos e todo o corpo se transforma com facilidade e rapidez em decomposição.


"O verdadeiro amor transcende a forma e alcança o ser real que nunca envelhece, nem degenera, permanecendo sempre belo e real. "

Sensibilizada pelas palavras do sábio, ela pediu-lhe que a iniciasse na busca da iluminação, tornando-se-lhe discípula dedicada.

Anos mais tarde, quando já conhecia a Verdade, o mestre lhe disse: - Agora já podes consorciar-te com Ananda.

Ela porém redarguiu: - Já não tenho qualquer desejo de posse.

Encontrei a paz interior, na qual estão Ananda e todos os seres aos quais amo, havendo-me encontrado também.

Essa busca do ser interior que se liberta das paixões constitui a grande luta da vida, erguendo-o das baixadas dos desejos mais perturbadores no rumo dos patamares elevados da consciência.

Todo um conjunto de observancias surge convidando à sua sábia utilização, que vai alçando o pensamento e a emoção a mais elevados e nobres níveis de libertação dos desejos e das conquistas de um dia efêmero.

Esse admirável processo se desenvolve através do amor, que é o sentimento mais profundo que se conhece, e que tem início no ser inteligente, no vínculo entre o filho e a mãe, do qual decorrem realizações ou conflitos conforme a vivência do mesmo.

Esse amor entre filho e mãe é a continuação do simbólico amor entre a criatura e o Criador ou a mesma criatura e a Natureza, que se transfere para quem conduz a gestação e atende por largo período o ser em formação.

Quando esse amor é correspondido, frui-se a mais perfeita felicidade, mas quando não se recebe resposta, experimenta-se uma dor profunda e dilaceradora.

Quando ocorre a ruptura desse vínculo entre o filho e a mãe, surge uma forma de ameaça à estrutura da vida e o comportamento experimenta alteração inevitável, exigindo um grande percurso de reabilitação.

Ao invés, portanto, de uma brusca interrupção, deve dar-se uma amplitude de capacidade, na qual outras pessoas se tornam partícipes, aumentando a intensidade do sentimento.

O amor propicia mais amplas aberturas e expansão do Self, que se alarga alcançando a humanidade inteira.

Não havendo esse prosseguimento o ser é atirado ao retraimento, à apatia, à contração, porque o amor proporciona alegria de viver e alegria de sentir.

Interrompido de forma rude, produz golpe no sentimento, e aquele que o perde passa a temer novas expressões de amor, não se abrindo nem se desvelando a outrem, o que induz a estados alienantes.

E tão marcante e profundo esse sentimento entre filho e mãe, por providência da Divindade, que ao desaparecer de chofre, o ser prosseguirá buscando-o, seja de forma consciente ou inconscientemente, e ao encontrá-lo na idade adulta, talvez tenha dificuldade de bem situá-lo no complexo da emotividade, não identificando o fator causal, se de natureza evocativa da mãe desaparecida ou se necessidade de ordem sexual ou fraternal.

Não é difícil, portanto, imaginar-se que o ser frustrado na infância, conduzindo a dor da separação afetiva com sua mãe, transfira para a esposa ou o marido, aquele sentimento dilacerado, procurando apoio infantil aos seus desejos não realizados, às suas paixões não superadas.

Quando porém, esse amor é saudável e continuado, o ser consegue esparzi-lo com todos quantos encontra, mantendo-se seguro nas suas funções afetivas e sexuais, no comportamento fraternal e na convivência social, um adulto sempre capaz de desenvolver novos valores e aceitar desafios que o tornam cada vez mais credenciado a vitórias nas atividades que empreende.

Essa vinculação com outrem não pode ser imposta, antes tem um caráter de espontaneidade e alegria, quando dois adultos se dão conta que vibram na mesma faixa das emoções e cultivam aspirações que se harmonizam, sincronizando-se entre si.

Naturalmente, não significa que sejam iguais.

mas que saibam administrar as suas diferenças face à identificação de interesses e objetivos na vida, o que concede aos indivíduos a verdadeira maturidade psicológica, resultado de um desenvolvimento harmônico de suas funções físicas e psíquicas.

Nessa fase, o ser já se libertou da ligação amorosa com sua mãe e passou a identificá-la com outro sentimento de respeito e de gratidão, preservando os recursos hauridos naquele relacionamento infantil, que agora se estenderão no rumo de todas as pessoas e do mundo em geral.

A luta pela vida, nessa ocasião, se transforma na conquista da vida, porque substitui os desejos imediatos pela alegria inefável de viver e de amar.


Desespero

Quando o amor filho-mãe foi frustrante e inquietador, o adulto transfere para outras pessoas a carência que se torna mórbida, apaixonada, insegura, aprisionadora.

Permanece incapaz de realizar vinculações de respeito e de permuta afetiva, por projetar o conflito em outrem, para que o solucione, tombando em desespero.

A insegurança, que resulta do amor não vivenciado, conduz a comportamento de autodestruição, no qual se busca fugir da realidade por meio de mortificações e angústias, fobias e instabilidade emocional, que sempre desestruturam a personalidade.

Essa imaturidade psicológica aturde, produzindo estados de depressão ou de exaltação do ego, que se sente traído e não dispõe de apoio emocional para manter-se em equilíbrio.

Processos naturais de ressentimento assaltam o paciente e ele se desarticula interiormente, passando a experiênciar os mais torpes conflitos.

Sem segurança interior, agride e fere desordenadamente, ao mesmo tempo em que, desinteressado da própria existência, tudo vê conforme o transtorno de que se sente vítima.

Uma terapia bem direcionada reestrutura-o, dando-lhe estabilidade interior de forma a compreender que os resultados da sua saúde emocional dependem exclusivamente da maneira pela qual sente a vida, contribuindo para torná-la melhor e mais rica de alegria.

O terapeuta dilui-lhe a imagem da mãe castradora, restabelecendo a sua identidade em consonância com a realidade, motivando-o a desprender-se da autocomiseração, descobrindo os valores que lhe jazem adormecidos, aguardando pelo momento de despertar e de produzir emocionalmente em favor da própria felicidade.

Somente quando compreende o valor que lhe constitui atributo natural, é que pode dispensar considerações às coisas e às pessoas que o cercam, à sociedade e às Leis, à fé.

religiosa que não mais se lhe apresentará como transferência de aspiração, mas como objetivo de auto-realização.

Uma antiga lenda hindu, narra que Shiva e Shakti, considerado o casal transcendente do panteão sagrado da sua religião, se encontravam observando a Terra e os homens com os seus comportamentos variados.

Sentiam as dores humanas e procuravam diminuí-las, na medida das possibilidades, sem que, com isso, eliminassem os fatores causais dos sofrimentos.

Repentinamente, Shakti percebeu um homem pobre, coberto de andrajos, que jornadeava por longa estrada cujo fim parecia remoto.

Apresentava-se-lhe muito desgastado no corpo e na emoção.

Suas vestes não passavam de um monte de remendos e trapos que mal lhe cobriam a nudez.

As alpercatas gastas, pareciam não mais ser úteis para o caminhante, tão deploravelmente se encontravam...

A deusa, tomada de compaixão, interferiu junto ao esposo, suplicando-lhe que concedesse ao homem infeliz um pouco de ouro, de forma que tivesse diminuídas as suas penas.


Sensibilizado pela interferência magnânima, Shiva observou o viandante, e redarguiu, apiedado:
"- Não posso fazê-lo, porque ele não se encontra em condições de receber ajuda. "
Surpresa, ante a negativa, Shakti insistiu:
"- Queres dizer-me que não podes auxiliá-lo, colocando-lhe no caminho um saco de ouro?"

"- Não é isso.


—Respondeu o marido - Sucede que esse homem necessita aprender a receber, o que é muito diferente. "

"- Mas eu te suplico"- prosseguiu a esposa.

Shiva, com muita sabedoria, deixou cair um saco de ouro alguns passos à frente do viajante.


Quando esse acercou-se, vendo aquele estranho volume no chão, passou de largo, reflexionando:
"- Terei hoje com que me alimentar ou voltarei a experimentar as agruras da fome?" Subitamente, dando-se conta do volume, exclamou:

"- Que felicidade poder haver percebido esse impedimento no caminho!...


Se estivesse distraído, poderia haver tropeçado nele e tombado no solo. "

E prosseguiu na sua marcha triste.

A imaturidade psicológica e o conflito tornam a vida menos saudável e cheia de suspeitas, que não é averiguada pelos transeuntes do processo da evolução.

Mal equipados, tudo observam através das lentes escuras do seu desespero, sem a coragem de retirar os antolhos que impedem a visão clara da natureza e a compreensão dos desafios, que têm por meta conduzir o indivíduo a estágios mais avançados de crescimento interior.

Um saudável relacionamento entre mãe e filho produz efeitos benéficos no desenvolvimento do ser.

As matrizes do desespero encontram-se, portanto, fixadas no Eu profundo, que ressumam de experiências transatas, vividas em outras existências, que ora se refletem no comportamento, em razão das atribulações domésticas no seio familiar, com dificuldade de entendimento e convivência com a genitora e os demais membros do clã.

O criminoso, que ronda e ataca a sociedade; o traidor, que infelicita vidas; o maledicente, que se compraz em afligir; o caluniador, que descobre mazelas nos outros e as divulga com sarcasmo e exagero; o ingrato, que nunca está satisfeito com o que recebe, têm um passado familiar comum - o relacionamento infeliz, castrador, exigente, perverso, com a sua mãe.

A maternidade humana é mais do que um fenômeno biológico, tratando-se de uma experiência iluminativa e libertadora para a consciência, que descobre a necessidade de superação do egoísmo, de desenvolvimento dos valores morais mais expressivos, para que o amor se encarregue de dirimir dificuldades e estabelecer parâmetros de comportamentos sadios, sem os exageros do apego, ou do ressentimento, ou da transferência de amarguras e frustrações para os filhos, que se lhe tornam vítimas sem defesa...

Concomitantemente, o grupo social instável e egoísta, agressivo e insatisfeito, embalado pela tragédia do cotidiano, conspira em favor do desespero das personalidades fragilizadas, que transitam em agonia interior, sem um norte que lhes sirva de referência.

Face aos relacionamentos sociais, por serem normalmente fúteis e sem profundidade, os indivíduos vivem exibindo máscaras com que disfarçam as suas dificuldades e apresentam ilusões no palco da convivência geral, desapaiecendo o conforto moral da afeição legítima e desinteressada, do intercâmbio produtivo de ideias sem disputas ou invejas, do natural desejo de felicidade que deveria viger entre todos.

São atores, e não pessoas, mais ou menos bem sucedidos no palco dos relacionamentos.

O desespero, que se encontra no imo, agiganta-se até explodir em transtornos psicológicos que levam à agressividade e à violência, ao despautério e à desestruturação do grupo social, às vezes, de forma cruel, como é a toda hora exibido na mídia caçadora de sensacionalismo.

A maneira eficaz de enfrentar o desespero face a face é através do auto-reconhecimento das possibilidades infinitas que aguardam o interesse do paciente sob a orientação segura do seu terapeuta e da legítima disposição para realizar a parte que lhe diz respeito.

Em toda terapia enfrentamos o desafio do entendimento entre aquele que ajuda e aqueloutro que pretende ser ajudado.

O trabalho é feito em conjunto até o paciente encontrarse limpo dos seus conflitos e oferecer-se segurança, para que avance com os próprios pés, igualmente libertando-se da dependência emocional do seu terapeuta.

Desperto para a realidade e disposto a enfrentá-la com tranquilidade, sem fugir dos fenômenos naturais do processo existencial, é possível desenvolver o amor e a alegria de viver, que se lhe transformam em objetivos fascinantes que brilham à frente, e que devem ser alcançados com intrepidez.

Ninguém consegue, caminhando, atingir o ápice da montanha sem haver atravessado as baixas e ásperas trilhas do sopé.

Assim também, a saúde psicológica e mental é sempre resultado da conquista das sombras das escarpas emocionais que sustentam o ser ainda em conflito...


Medo da velhice

A velhice é inevitável fenômeno biológico de desgaste que atinge todos os seres vivos.

Resulta do esforço mantido pelos equipamentos orgânicos, a fim de preservarem a sua funcionalidade.

A Terceira idade, conforme se convenciona chamar hodiernamente a velhice, deve representar sabedoria, riqueza decorrente das experiências, período próprio para o repouso.

Por outro lado, também se crê indevidamente que é a fase das enfermidades degenerativas, dos distúrbios emocionais, dos desajustes sociais e do enfraquecimento, quando já se perdeu a utilidade, face à impossibilidade de contribuir-se para o bem da comunidade.

Em razão do conceito defasado em torno do envelhecimento, quando afirma que esse período é de sofrimento e amargura, muitos indivíduos passam a temer a velhice, porque também se aproximam da morte, como se essa não ocorresse em qualquer fase da existência.

O Despertar do Espirito O medo da velhice é muito cruel, tornando-se um verdadeiro tormento para quantos não consideram a existência física na condição de uma jornada de breve duração, por mais longa se apresente, passando por estágios bem delineados desde o berço até o túmulo.

Desequipados quanto à realidade - consumo de energias que propicia o envelhecimento celular e por decorrência os fenômenos biológicos que lhe são correspondentes - afadigam-se na busca de métodos rejuvenescedores, de grupos especiais, nos quais seja possível repetir-se a ilusão da mocidade, desarmonizando-se interiormente e tombando em evitáveis transtornos psicológicos que se transformam em depressões e angústias profundas.

Ninguém pode reverter o quadro das ocorrências existenciais; no entanto, é perfeitamente normal compreendê-las, adicionando-lhes os agradáveis condimentos do prazer e da alegria de viver.

A velhice deve ser considerada inevitável e ditosa pelo que encerra de gratificante, após as lutas cansativas das buscas e das realizações.

E o resultado de como cada qual se comportou, de como foi construída pelos pensamentos e atitudes, ou enriquecida de luzes e painéis com recordações ditosas ou infelizes...

Atravessar a existência - qual ocorre com aquele que vence as estradas ou águas de um rio - sempre conduzindo com segurança o veículo de que se utiliza, é processo de realização existencial, que produz resultados compatíveis com a maneira de enfrentar o percurso na direção do objetivo.

Marco Túlio Cícero, o eloquente orador e filósofo romano, que viveu entre 103-43 a.

C. - há variantes de dados sobre o seu nascimento e morte - afirmava que havia quatro razões para que muitos achassem a velhice detestável: A) distanciamento da vida ativa. B) enfraquecimento das forças orgânicas. C) privação dos provocantes prazeres. D) proximidade da morte.

Verdadeiramente não é a velhice que responde por esses acontecimentos, embora eles também tenham lugar nesse período da vida orgânica, porquanto, em qualquer fase, enfermidades, acidentes, conflitos, problemas econômicos e sociais geram as mesmas consequências.

Em uma análise psicológica honesta, somente distância alguém da vida ativa quando perde o encanto, a alegria de viver, e o deperecimento de forças não lhe permite pensar.

Eis que, preservando-se o pensamento ativo, tem-se oportunidade de manter-se útil, contribuindo positivamente em favor dos grupos familial e social.

A ausência de vigor físico e mental não é problema somente da velhice, mas resulta de outros fatores, especialmente naqueles indivíduos que têm uma existência atribulada, rebelde, derrapando no abuso de suas energias, nos problemas que decorrem da saúde abalada, e que é normal em qualquer idade.

Não será pelo vigor dos bíceps que se pode medir a força de um indivíduo; porém, pela sua capacidade de administrar a existência, de enfrentar dificuldades, de resolver desafios, de lutar e vencer estâncias controvertidas.

Há o vigor para ensinar, para ajudar com a experiência, para nutrir de sabedoria, para conduzir o pensamento e não apenas para carregar pesos e exibir musculatura, conseguida às vezes com a ação de exercícios físicos sob anabolizantes...

Homens e mulheres em provecta idade prosseguem trabalhando e realizando obras memoráveis, enquanto jovens e maduros são incapazes de produzir realizações que os beneficiem ou sejam úteis aos demais.

Não se trata, portanto, de uma resultante da idade, mas da disposição interior de viver e de participar dos desafios humanos.

Conta Cícero, que o rei da Numídia, de nome Massinissa, aos noventa anos, quando viajava a pé ou a cavalo, faziao, sem abandonar o recurso pelo qual optara para enfrentar a jornada, fosse sob sol ou chuva, sempre com a mesma decisão e energia.

A crença que afirma serem fracos os idosos, está fundamentada em observação ligeira, que não se fixou na estatística dos valores reais da criatura humana.

Há muitos jovens fracos pela sua constituição orgânica, o que os não impede de crescerem e realizarem-se.

O mesmo ocorre com os velhos, que podem ser fracos ou fortes, com estrutura muito bem equilibrada ou deficiente, sem que isso lhes afete o comportamento social, espiritual e humano.

Naturalmente, a prática de exercícios de qualquer porte, correspondentes à faixa etária, alimentação bem orientada e saudável, pensamentos edificantes, leituras enobrecedoras, atividades gratificantes, constituem cardápio excelente para uma idade avançada tornar-se plena.

Políticos e administradores, escritores e poetas, cientistas e filósofos, religiosos e santos atingiram os seus momentos culminantes, quando outros haviam deixado de lutar e disputar oportunidade de crescimento, utilizando-se dos valores da velhice para se apresentarem mais vitoriosos e felizes, oferecendo contribuição duradoura e brilhante ao mundo.

Com o deperecimento das forças orgânicas, nem sempre ocorre o mesmo nas áreas do pensamento, da emoção, do desejo de servir e de amar.

O hábito de pensar e agir desenvolve a retentiva da memória, facultando maior número de aprendizado que não se apaga.

Tudo quanto é de interesse permanece, em detrimento das questões secundárias, sem importância, que uma seleção natural faculta desaparecer da mente.

A medida que o indivíduo se mantém ágil, exercitando a capacidade de pensar, superando a pecha de que na velhice mais nada se aprende, maior se lhe torna o desempenho intelectual, facultando-lhe, não somente a preservação do patrimônio conquistado, como a aquisição de novos valores.

A responsabilidade desempenha papel preponderante nessa fase, em razão do respeito pelos direitos alheios e confiança que neles se deposita, tornando os idosos verdadeiros exemplos para as gerações novas.

O prazer não significa somente aquilo que agrada em determinado período da existência física, mas tudo quanto proporciona alegria, bem-estar, felicidade, emulação para o crescimento interior, conforto, paz...

Por isso mesmo, a escala de valores a respeito do prazer varia de acordo com a idade que cada qual desfruta.

Quanto significa de volúpia em um momento, noutro desaparece completamente, perdendo-lhe o atrativo.

Há prazeres que despertam os sentidos e os excitam, com imediatas compensações desgastantes, como os há que estimulam os sentimentos e proporcionam demorado bem-estar.

O prazer que consome por um momento não pode ser comparado com aquele que permanece agradável, mesmo após haver passado o seu clímax.

Provavelmente a busca do prazer, na adolescência e na madureza, pode ser o mais afugente da vida, sem que ofereça compensação compatível.

Nessa fase, irrompem as paixões pelo ter, pelo desejar e querer sofregamente, por sorver a taça do gozo até ao cansaço, logo seguido de frustração, numa intérmina correria atrás das novidades que, conseguidas, perdem o encanto, e conforme o direcionamento da ansiedade para alcançá-las, deixa marcas pesadas de remorso, culpa, desar, aturdindo a consciência...

Há, na velhice bem conduzida, uma natural resistência contra as tentações, aquelas que deturpam o sentido existencial e encaminham para as celas escuras da amargura, o que não significa que deixem de existir prazeres e atrações que podem ser vivenciados conforme o padrão orgânico.

Generaliza-se a crença de que o prazer está sempre associado ao sexo e ao seu uso, tornando-se, dessa forma, a velhice, um período de decrepitude e de insatisfação.

Erram aqueles que assim pensam, porquanto há outras formas mais compensadoras de companheirismo, de convívio, de afetividade, sem a imposição do relacionamento sexual.

Narra Cícero, que alguém indagou a Sófocles, o filósofo trágico da Grécia, já idoso, se ele continuava praticando o sexo.


Tranquilo, ele respondeu que os deuses o preservaram disso! E prosseguiu: "E com o maior prazer que me subtraí a essa tirania, como quem se livra de um mestre grosseiro e exaltado. "

Provavelmente, a superação das paixões, dos apetites sensoriais, das rivalidades infantis, das ambições desordenadas, leve o indivíduo a buscar silêncio e oportunidade para viver consigo mesmo, já que não teve tempo antes para fazê-lo, assim experimentando um incomparável prazer estético e espiritual.

E comum associar-se à velhice a rabugice, como se essa fosse privilégio dos anciãos.

Quantos indivíduos rabugentos, antipáticos, agressivos e mal-humorados em todos os períodos da existência!

A informação se deriva da observação precipitada em torno de alguns velhos, cujas famílias já se sentem cansadas deles, estigmatizando-os com epítetos deprimentes e cáusticos.

Aí estão os jovens irritadiços, exigentes, dispondo de toda a existência pela frente, como se ela estivesse acabandose; e os velhos pacientes, confiantes, gentis...

É certo que os há extravagantes, deficientes, nervosos, mas não constituem a maioria, e sim, um expressivo número que chama a atenção.

A ocorrência da rabugice encontra justificativa na atitude que os adultos têm para com os idosos: desprezam-nos, depreciam-nos, levam-nos ao ridículo, subestimam-nos, provocando essas reações psicológicas.

Somente aqueles que dispõem de resistências morais relevantes suportam com certa indiferença esse comportamento que alguns mantêm em relação à sua idade.

Naturalmente que a velhice aproxima da morte.

Todavia, como é lamentável que uma pessoa, cuja existência tem sido larga, possa temer a morte, nunca se permitindo raciocinar que cada dia do currículo carnal é também um dia mais próximo da desencarnação!

O conceito materialista de que a morte arrebata a existência, sim, torna-se um suplício para o idoso, como para outra pessoa qualquer, por constituir-se condenação da vida ao aniquilamento.

Em contrapartida, a certeza de que a alma, ao desvestir-se da matéria, retorna ao seu estado de Espírito, proporciona emulação para aproveitar-se todos os momentos terrestres, a fim de que o desprendimento se faça suave e profundamente confortador.

A velhice está próxima da morte, tanto quanto a juventude compartilha do mesmo fenômeno, e até mais, porquanto as enfermidades lhe são mais comuns, face à falta de resistência orgânica, aos acidentes e às imprudências que se permite.

Temer a velhice constitui um injustificável comportamento, que deve ser superado mediante reflexões em torno do dia a dia, considerando-se que, adormecer, é uma forma de morrer, que enfermidade não é patrimônio da idade, assim como o deperecimento de forças e a falta de prazeres exaustivos não constituem recursos interditados apenas aos idosos.

A vida física tem um significado extraordinário, que é o de enriquecimento interior, preparação para a imortalidade, conquista de patamares mais elevados para o pensamento e para o sentimento no rumo da plenitude.

Viver integralmente cada momento existencial, desenhando o próximo com atividades renovadoras e espírito de combate, experiênciando alegria e paz em todos os instantes, sem consciência de culpa pelas ações infelizes, que podem ser reparadas, nem tormento de pecado, que se transforma em conquista emocional dignificadora após harmonizar-se e agir corretamente, é o delineamento sábio e saudável que todos devem empreender em favor de si mesmos e da sociedade.

O homem, que se autodescobre, não mais permanece na indecisão, cultivando pensamentos perturbadores em atitude masoquista, mas empreende a marcha pela busca da sua autorealização e da sua total harmonia íntima.

Envelhecer é uma arte e uma ciência, que devem ser tomadas a sério, exercitando-as a cada instante, pois que, todo momento que passa conduz à senectude, caso não advenha a morte, que é a cessação dos fenômenos biológicos.




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