Psicologia da Gratidão

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CAPÍTULO 10

8 A gratidão como terapêutica eficaz

Vive-se, na atualidade, a sofreguidão defluente das conquistas tecnológicas e científicas, que impele à rapidez em relação a tudo e a todos.

O tempo, que se não pode dilatar, sempre é responsabilizado pela impossibilidade de atender-se a todas as necessidades que são impostas pelas circunstâncias.

A multiplicidade de equipamentos eletrônicos que reduziram as distâncias e facilitaram a vida, igualmente se tornaram verdadeiros algozes daqueles que os utilizam.

Antes, uma correspondência convencional demorava por largo período entre o ir ao destino e retornar a resposta ao missivista.

Um telefonema exigia que se aguardasse um certo período para poder tornar-se realidade.

O rádio e a televisão, quando surgiram, eram de precária eficiência.

Apesar disso, ao lado de outros recursos de que se dispunha, havia tempo para que se pudesse manter os contatos pessoais, as correspondências, acompanhar-se os acontecimentos...

Com inesperada rapidez, a eletrônica e a cibernética encarregam-se de melhorar os recursos técnicos e aqueles instrumentos passaram a uma condição de maior eficiência, facultando comunicações imediatas, ao vivo em branco e preto, depois em cores, e a velocidade tomou conta do planeta, tornando tudo instantâneo.

O intercâmbio virtual mudou as paisagens terrestres, tornando o mundo mais belo e mais trágico, os contatos mais rápidos e perigosos, o excesso de informações e de possibilidades de conhecer-se e de amargurar-se também...

Apesar disso, no computador ou num dos equipamentos modernos de telefonia com outros recursos, tais como máquina fotográfica, atendimento de internet e e-mails, mapas orientadores do trânsito, jogos, armazenamento de dados e muitos outros instrumentos, quando, por acaso, a operação está sendo executada e prolonga-se por poucos segundos, logo o indivíduo se impacienta, irrita-se, e pensa em trocar de aparelho por encontrar-se sobrecarregado...

A volúpia do consumismo devora as suas vítimas que se lhes entregam inermes, acreditando em gozo, sem o sentido da felicidade, em poder, sem a presença da paz interior.

Aturde-se o ser humano nesse labirinto de grandezas e de misérias, perdendo o direcionamento pessoal e a auto identificação.

Fascinado pelas facilidades, escraviza-se a essa tecnologia de ponta, e perde a noção da realidade no dia a dia existencial.

Vive-se, de algum modo, uma neurose coletiva assustadora.

Desapareceram os limites impostos pelo organismo diante da exuberância de recursos para realizações e prazeres simultâneos, ensejando também o aumento da criminalidade, graças às mentes perversas e doentes, que se utilizam da sua invisibilidade para darem campo às suas perturbações e delírios mentais.

Sites de morbidez multiplicam-se atraindo os jovens desequipados emocionalmente, que se tornam presas fáceis da hediondez desses psicopatas, de algum modo por invigilância dos pais que lhes oferecem os equipamentos de comunicação virtual e não lhes dão as orientações devidas ou os deixam diante dos aparelhos de televisão banqueteandose com as películas de sexo explícito e degenerado a qualquer hora do dia ou da noite...

Como efeito, dá-se antes do tempo um tipo de amadurecimento psicológico dos jovens, distorcido, mórbido, sem significado dignificante.

Tornando-se adultos antes do tempo, permitem-se integrar tribos e grupos criminosos por desafiarem o status quo, permitindo-lhes transformar os conflitos em sentimentos normais.

A astúcia e a perversidade instalam-se-lhes no comportamento, levando-os a se tornarem hackers, que se comprazem em invadir a intimidade dos outros, contaminar os computadores com vírus, formando gangues ameaçadoras e perigosas.

A loucura assume o papel de normalidade e o perigo ronda a vida.

Essa alucinação faz o indivíduo soberbo, exigente, ingrato, bloqueando-lhe os sentimentos de amor e de justiça e desenvolvendo-lhe os instintos agressivos que deveriam ser disciplinados, odiando a sociedade, porque interiormente detestam-se.

Desamados, desde muito cedo, pelo desinteresse dos pais, com as exceções compreensíveis, experimentam o abandono a que são relegados em mãos de funcionários remunerados, pouco interessados pela sua harmonia psicológica e educação moral, e perdem o calor da afetividade, que não receberam, vendo, nos genitores, apenas responsáveis pelo fornecimento dos recursos para a manutenção da vida, mas totalmente desligados dos seus problemas, das suas reais necessidades...

Antecipadamente iniciados nos prazeres do sexo sem compromisso, os vícios de imediato se lhes instalam, começando pelos medicamentos para dormir, para despertar, para se excitar e para se acalmar, transferindo-se logo depois para as drogas químicas e alucinógenas.

O desvario toma conta da sociedade que se equipa de recursos eletrônicos para se defender, quando se deveria equilibrar com os sentimentos de amor e de compaixão para manter a saúde e a paz.

Apesar de todas essas inconsequências do comportamento humano, viceja no imo do ser a presença da paz e da saúde aguardando oportunidade de expressar-se.

Essencial, portanto, torna-se a busca do sentido existencial, o amadurecimento pessoal pela reflexão, mediante as ações de generosidade, a fim de que se modifiquem as paisagens humanas da sociedade aflita destes dias.

Esse transtorno neurótico avassalador é resultado do que Jung conceituou como o sofrimento da alma que não encontrou seu sentido.

Esse sentido não pode ser oferecido por ninguém, nem mesmo o psicoterapeuta dispõe de recursos para ofertá-lo, porquanto é de origem e significado pessoal, ensejando o nascimento do sentido existencial que vai sendo desdobra do pelos valores morais adquiridos durante a vilegiatura das experiências no trânsito carnal.

É necessário que cada ser descubra a responsabilidade de ser ele mesmo, como pessoa humana portadora de valores que devem ser multiplicados e vivenciados como paradigmas de significação iluminativa.

Para que se alcance o estado numinoso, faz-se indispensável tornar-se luz desde cedo ou quando possível, permitindo que se faça ampliada com o combustível de estar consciente, responsável pelos atos, sem temores nem ansiedades afligentes.

Conseguindo-se compreender que se é responsável por tudo quanto lhe diz respeito, nele se instala o significado existencial que lhe faculta o dever para tomar posições avaliadoras.

Tal dever representa saúde ética e moral, física e emocional, psíquica e espiritual, proporcionando-lhe, desde então, o vir a ser sem traumas nem culpas procedentes do passado.

A sombra que dominava o ego dilui-se no Self consciente da superação dos desafios.

Eis, pois, como se encontrar o sentido da vida.


A NEUROSE COLETIVA

Assevera-se com frequência que a nova geração está desequilibrada, como se os tormentos que a afligem fossem originados exclusivamente nela mesma.

Não se dão conta aqueles que assim raciocinam que não existe efeito sem causa, que os transtornos que assomam na juventude hodierna, de certo modo, caracterizaram as gerações passadas que, a seu turno, implantaram novos ideais e comportamentos nos conceitos tradicionais do período em que viveram, causando choque na tradição vigente...

Ademais, as heranças transmitidas por leviandade e desamor dos mais velhos; a despreocupação com a família, que vem passando, desde há algumas décadas, a plano secundário no grupamento social; os comportamentos eminentemente egoístas dos cidadãos; o consumismo desenfreado; a busca incessante pelos prazeres insaciáveis; a indiferença pelo próximo contribuíram com vigor para o atual estado de alienação coletiva, que especialmente afeta os jovens destituídos de discernimento e de madureza emocional.

Os esportes, que deveriam representar conquistas psicológicas para catarses emocionais, espairecimentos, renovação de energias, afirmação de valores em relação aos melhores, transformaram-se em campo de batalha, quando as torcidas fanáticas e radicais agridem-se mutuamente, depredam, matam e se matam.

Ressuscitam-se com essa conduta as arenas romanas, onde o prazer era sanguinário e as vítimas sacrificadas inspiravam zombaria em total detrimento do significado de humanidade...

Nesse clima de desordem psíquica e emocional, essas chamadas torcidas organizadas marcam pela internet o lugar para os enfrentamentos, como ocorria nos campos de batalha do passado, e agridem-se de maneira asselvajada, ferindo, humilhando, assassinando, enquanto a sociedade estarrecida contempla as cenas hediondas e a elas vai-se acostumando.

O terror assume proporções jamais imaginadas.

É comum os jovens matarem pelo prazer de fazer algo diferente, para experimentarem emoções fortes, e mais tarde procuram anestesiar a culpa nas drogas, entrando em profunda depressão, mais matando para adquirir novas quotas para a manutenção do vício e matando-se lentamente ou de uma vez, em desespero suicida.

O índice de suicídios nos países civilizados é espantoso, porque a cultura é materialista, vivendo no inconformismo, e o prazer é o único motivo do significado existencial.

Em consequência, as taxas de delinquência juvenil em toda parte são volumosas e prosseguem em crescimento.

Encontra-se, desse modo, instalada, a neurose coletiva e destrutiva.

A divulgação infeliz dos dramas e tragédias do cotidiano, através dos veículos de comunicação, em vez de apresentar propostas salvadoras, terapias preventivas e curadoras, estimula indiretamente os comportamentos frágeis a se tornarem heróis, a se fazerem destacados pela mídia, a desafiarem a cultura e a ética, acreditando no falso martírio que se deriva da covardia moral e da desestruturação psicológica em que se debatem.

As almas dos jovens encontram-se ansiosas e desorientadas, seguindo estranhos caminhos por falta de equilibrado roteiro para o encontro com a segurança interior.

A educação no lar e a formal, nos institutos que se lhe dedicam, encontram-se também sem estrutura em razão de serem, aqueles que a propõem, estúrdios e desestruturados, ensinando teoria e vivenciando os desequilíbrios em que se tornam exemplos vivos, que logo se fazem copiados.

Dissemina-se com ufanismo a necessidade da autor realização e da auto identificação por meio de processos estapafúrdios e mórbidos que lhes chamam a atenção e os igualam nas tribos em que se homiziam.

Sem dúvida, a problemática é muito grave e está a exigir cuidados especiais de todos: pais, educadores, governantes, religiosos, sociólogos, psicólogos, pessoas sensatas que se devem unir, a fim de combaterem o inimigo comum: a falta de sentido existencial que se estabeleceu na sociedade.

Para se viver com dignidade necessita-se de um objetivo, de um sentido ético que se transforma em meta a ser conquistada.

Se for a busca da felicidade nos padrões mentirosos do consumismo ou do prazer, fruto do imediatismo, logo advêm a decepção e a falta de motivação para novos empreendimentos.

É indispensável, isto sim, despertar em todos a necessidade da autotranscendência, da superação das exigências do ego em sombra para o significado do self imperecível.

Essa autotranscendência deverá ser sugerida habilmente, não imposta, despertada em todas as mentes como caminho seguro para a harmonia interior, para a existência adquirir sentido de gratidão, de correspondência com os demais, de significados libertadores.

É muito comum as pessoas interrogarem a respeito do significado das suas existências, tão acostumadas estiveram por múltiplas gerações a lhes serem imposto o mesmo.

No passado, as religiões dominantes estabeleciam que o primeiro filho deveria pertencer às armas, a fim de salvar o Estado, o segundo pertenceria a Deus, servindo à religião e entregando-se-lhe em totalidade, embora sem nenhuma vocação nem desejo.

O mesmo ocorria em relação à filha que deveria servir a Deus, educar-se em serviços domésticos, sendo-lhe negado o direito ao conhecimento, à cultura, porque era tida como inferior, sem alma, sem discernimento...

O absurdo imposto ressurgiu como hipocrisia, mediante a qual havia a postura convencional, que a sociedade aceitava, e o desvario oculto, criminoso muitas vezes, a que os indivíduos se entregavam, como forma de sobrevivência à asfixia imposta pela neurose religiosa.

As aberrações e extravagâncias eram praticadas, mas não constituíam crime nem censura desde que não fossem divulgadas...

E natural que esse perverso atavismo ressurja do inconsciente coletivo e pessoal e imponha ao indivíduo a necessidade de que alguém lhe diga qual é o sentido da sua existência.

Mesmo quando recorrem a determinadas psicoterapias, inadvertidamente alguns profissionais transformam-se em gurus, respondendo pelas vidas e comportamentos dos seus pacientes, em tentativa de eliminar-lhes as preocupações, o que resulta sempre em mantê-los na ignorância, na dependência doentia, na aflição mascarada de bem-estar...

O valor psicoterapêutico logo se distingue quando começa a libertar o paciente do pensamento do seu orientador, encontrando-se com a sua realidade e descobrindo-se, bem como as próprias possibilidades de realização pessoal e de objetivos essenciais para o bem-estar.

Desse modo, têm faltado honestidade e sinceridade intelectual nos formadores de opinião, nos educadores, nos psicoterapeutas igualmente problematizados, reservando-se às exceções normais a conduta saudável.

Uma visão nova da vida deve ser instituída por meio de processos psicoterapêuticos sadios, libertadores da neurose coletiva, trabalhando o indivíduo e depois o grupo social, a fim de que seja possível a conquista do significado existencial.


A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL

Durante muito tempo, a tradição, essa transmissão oral da cultura, dos hábitos, passada de geração a geração, constituía um princípio ético que se deveria respeitar a qualquer preço, pelo fato de pertencer ao pretérito, havendo-se tornado um paradigma da evolução.

No entanto, nem tudo que a tradição tem transmitido merece a consideração que lhe era atribuída, sem uma avaliação, empírica, pelo menos, do seu significado.

O valor dos conceitos morais não pode ser atribuído a uma tradição que se baseia na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de idealismo, submetendo todas as questões ao crivo do aceito e tido como digno de respeito.

Na educação doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a experiência científica da psicopedagogia erradicou da sociedade, porquanto toda forma de submissão pelo medo é punitiva e destruidora, produzindo inimagináveis danos naqueles que a isso se submetem.

Sendo a educação o processo de criar hábitos saudáveis, não se pode permitir o direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e impondo-se para ser considerada como legítima.

Pelo contrário, deve conquistar o educando por meio dos recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo sentido de amor e de dignidade de que se reveste.

Por outro lado, no mesmo campo educacional, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos era estabelecido pela tradição como a obediência a todas e quaisquer imposições, por mais absurdas que fossem, sem direito à discussão, à análise, à observação racional.

O respeito é uma conquista que cada um consegue pela maneira como se comporta, pelos atos e palavras, pela convivência e forma de conquistar os demais.

Toda vez que se estabelecem normas de imposição, violenta-se o livre-arbítrio, o direito de optar-se pela aceitação do outro com todas as maneiras absurdas que lhe são características.

Certamente, não libera a rebeldia, nem a repulsa, nem a animosidade que resulte da presunção ou da prepotência daquele que se deseja impor.

Mas impõe-se o direito de considerar os valores reais que formam o caráter de cada qual.

Desse modo, no imenso elenco de tradições morais, está embutida sempre a submissão irracional, a aceitação ilógica, violentando a personalidade do outro, daquele que deve ceder sempre.

Há, entretanto, tradições morais, sociais, religiosas, culturais louváveis, credoras da melhor simpatia, que merecem ser experiênciadas pelos significados de que se revestem.

Exemplifiquemos aquela que diz respeito ao amor que deve existir entre os membros de uma mesma família.

Essa propositura deseja estabelecer o clima de amizade e de consideração que se faz necessário no clã familiar, de modo que se preparem os indivíduos para a convivência geral com as demais pessoas pertencentes aos mais diferentes grupos e etnias.

O treinamento no lar, mesmo com aqueles que são inamistosos por motivos diversos, inclusive pelas injunções de contingências pregressas, vividas em existências anteriores, auxilia o comportamento racional para as dificuldades que sempre surgem no grupo social e para a real compreensão dos problemas que afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para uma convivência produtiva.

Sendo o lar um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos, a proposta da afeição recíproca entre os membros da família contribui para o equilíbrio emocional de todos, mesmo que se registrando diferenças de conduta, de companheirismo, de fraternidade, o que não se pode transformar em campo de batalha, reduto de ódios recíprocos, desenvolvimento das emoções reativas de uns contra os outros.

O exercício da tolerância que reveste a amizade, em predominando entre os familiares, supera as antipatias, por acaso existentes, terminando por gerar um clima de respeito entre todos, cada qual com a sua maneira de ser.

Em outros aspectos, igualmente há tradições de conduta que valem a pena analisar-se para lhes dar expansão, mas não generalizando-as somente porque são remanescentes do passado, quando os valores éticos possuíam outra significação.

Desse modo, as tradições absurdas que violentam a personalidade e que ainda se mantêm nos redutos mais severos e engessados da sociedade, seja por motivos religiosos ou políticos, de moral suspeita ou de outra natureza, respondem pela perda do significado existencial de muitos indivíduos que desde a infância recalcam os sentimentos, as aspirações, e anelam pela liberdade, pelo momento de poderem viver conforme os seus padrões ou o daqueles que são observados fora do seu círculo familiar.

Cada vez se torna inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo, demorando-se em análise dos seus recursos e aplicando-os, ampliando o círculo das suas aspirações e lutando, avançando sobre os impedimentos com a tenacidade de quem os vencerá ou os contornará, a fim de encontrar a sua missão, a sua vida, descobrindo a própria transcendência, o significado em relação a outra vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra.

A preocupação aparente consigo próprio tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das suas possibilidades para os colocar a serviço dos demais, não se detendo em si, mas avançando na direção do grupo, no rumo da Humanidade.

Deve ir além do ego, para ultrapassar os limites estreitos da sua realidade.

Assim procedendo, será fácil o encontro com a transcendência, com a realidade existencial, podendo lutar com denodo e sem descanso, mas emoldurado por fascinante alegria de viver.

Quem assim não procede enfurna-se na autocomiseração, buscando a falsa autor realização de sentido egoísta.

A vida vale pelo que se lhe pode acrescentar de bom, de belo, de útil, sem a valorização demasiada do empenho para consegui-lo.

O indivíduo necessita de um comportamento rico de religiosidade, isto é, de convicção interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros.

Pelo contrário, é necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional compensadora pela alegria de agir e de produzir.

Se lhe é possível vincular esse comportamento a uma religião que o impulsione ao crescimento ético e à liberdade de ação fraternal sem impedimento ou preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência que responde pelo sentido existencial.

Enriquecido de emoções que se renovam em alegria e bem-estar, uma imensa gratidão por existir, por estar apto a servir, por poder contribuir em favor de todos, assoma do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora anele pelo infinito.

Nesse esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo egol Self o desaparecimento dos resíduos ancestrais, numa renovação que faz lembrar a transformação da lagarta lenta que se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza, após o sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...

No processo da transcendência, não poucas vezes ocorre esse letargo: um desinteresse pelo convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior e incômoda em torno dos padrões vivenciais, para logo ter lugar um processo de histólise psicológica a fim de alcançar a histogênese emocional e libertar-se do mecanismo pesado que sempre retém o idealista na dificuldade para discernir e encontrar o sentido existencial da vida...


A GRATIDÃO COMO SENTIDO MOTIVADOR DA EXISTÊNCIA

O ser humano é um conjunto eletrônico maleável que a consciência administra.

A sua harmonia ou desconserto resultam do agente acionador dos seus equipamentos, que é a psique, a exteriorização do Self, que armazena, através do psicossoma, as informações de todas as experiências evolutivas, desde as primárias manifestações de vida, insculpidas no inconsciente profundo, remanescendo espontaneamente ou quando provocadas pela hipnose.

Nada se perde no arquipelago das vivências que se iniciam pelos automatismos biológicos e culminam nas manifestações da transcendência espiritual.

Todo o seu funcionamento é comandado pelos mecanismos automáticos do processo da evolução até o momento quando o self lúcido passa a elaborar os conceitos do discernimento e da razão.

Toda a harmonia dos equipamentos que funcionam de acordo com o estágio da evolução em que se encontram amplia-se mediante os atos responsáveis, assim como se desorganizam em razão das intemperanças e primitivismos que predominem na organização psíquica.

Todo esse desenvolvimento, que se perde no tempo em mais de dois bilhões e duzentos milhões de anos transcorridos, quando da sua origem em forma de primeiras moléculas atraídas umas às outras através da lei das afinidades, é uma sinfonia de bênçãos, que estimula a inteligência e a emoção ao sentimento da gratidão, a partir do momento em que se pode identificar-lhe a grandeza inimaginável.

É a maquinaria mais perfeita jamais contemplada pela razão humana que a vem copiando e tentando imitá-la por intermédio da robotização como de outros mecanismos tecnológicos, que sempre ficam aquém da sua complexidade infinita...

Assim considerando, o corpo, mesmo ultrajado por deficiências e disfunções, representa uma incomum oportunidade para o restabelecimento das peças estragadas pela invigilância daquele que o utiliza como recurso de autor reparação.

De igual maneira, os belos conjuntos corporais, caracterizados pela beleza defluente da harmonia das suas formas, constitui grave responsabilidade para aquele que o utiliza transitoriamente, sendo razão de mais graves reflexões do que nos limites em que se contorce nas provas e expiações depuradoras...

Isso porque todo o futuro repousa nas circunstâncias de como será utilizado pelo Espírito que momentaneamente o comanda.

A gratidão pela glória de encontrar-se nele deve expressar-se pelo respeito com que é utilizado, pela maneira como é conduzido com o objetivo de preservá-lo saudável e forte para as injunções inevitáveis do processo de crescimento para Deus.

Embora toda a sua harmonia, uma picada de alfinete infectado pode produzir-lhe danos irreparáveis, assim como uma emoção descontrolada é capaz de alterar-lhe o funcionamento, proporcionando desajustes e transtornos físicos, emocionais e psíquicos de dolorosa recuperação.

A ignorância em torno da imortalidade do ser, em revide aos sacrifícios que se impunham ao corpo no passado, na busca da sublimação dos instintos e desejos normais, os cilícios e abstinências perversas, em revide às sensações de que se fazia objeto, manifestam-se, na atualidade, no culto das formas, na busca da aquisição do que é tido como ideal, que são programadas por personalidades nem sempre equilibradas emocional e sexualmente, encarregadas de estabelecer os padrões de beleza que a mídia divulga e consome.

As cirurgias irresponsáveis, as lipoaspirações, os implantes e os transplantes de peças, os tratamentos levianos de preservação e de embelezamento, ao lado dos exercícios exagerados, das ginásticas de variadas significações, os cuidados alimentares que levam aos transtornos da anorexia e da bulimia tornaram-se fundamentais no campeonato da vaidade, sem nenhuma preocupação com a mente e o comportamento moral, fundamentais, estes sim, pela indumentária carnal...

Como o tempo é imbatível e não cessa de avançar no rumo da eternidade, calmamente impõe as suas marcas inexoráveis no funcionamento da máquina, que se altera e que imprime os hábitos viciosos, os conflitos interiores na argamassa celular, fazendo que os deuses de um momento despertem expulsos do Olimpo onde estiveram por um dia, perdidos nos porões do Hades do desencanto e da amargura, para onde foram atirados...

Graças à evolução genética das formas físicas, pode-se afirmar que os biótipos atuais, após haverem superado as experiências evolutivas, alcançaram um padrão de harmonia e beleza que bem indica a sua procedência, adquirindo mais equilíbrio estético em relação ao passado, com expectativas mais formosas para o futuro.

Nada obstante, Espíritos menos evoluídos podem utilizar-se dessa conquista e reencarnar-se com bela aparência, sem que os seus valores correspondam ao que se pode esperar daquilo que exteriorizam de maneira agradável e atraente.

Os impulsos interiores, porém, assim como os atavismos morais, conduzem-nos aos grupos primitivos de onde provêm, fazendo-os reviver as situações e hábitos que já deveriam estar superados.

Em razão dessa circunstância, grande responsabilidade cabe à educação, para que sejam dissolvidas as construções morais viciosas, auxiliando-os na aquisição de novos comportamentos que os ajudarão a libertar-se das marcas vigorosas que os caracterizam, facultando-lhes o treinamento de novos costumes, o anseio de aspirações mais elevadas, acima do imediato e fisiológico.

Nesse sentido, a dualidade amor e responsabilidade dão-se as mãos para a sua edificação interior, trabalhando os condicionamentos ancestrais e instalando novas condutas que se transformarão em a natureza ética e social, guiando-os no empreendimento fabuloso da reencarnação.

Esse programa salutar, constituído pela consciência do dever, estará sempre enriquecido de valores espirituais que despertam para a realidade de cada qual, apontando-lhe os rumos da iluminação, que perseguirá como sentido existencial, agradecendo a oportunidade e bendizendo-a.

O apóstolo Paulo, na sua epístola aos Colossenses, no capítulo 3, versículo 16, exorta os discípulos, convidando-os a louvar Deus com gratidão em seus corações.

Oportunamente, referira-se, noutra epístola, aos Coríntios, à sua gratidão pelos padecimentos, por todas as aflições que lhe chegavam em razão da sua vinculação com Jesus.

Gratidão pelo sofrimento reparador, como gratidão pela alegria da fé iluminativa.

A gratidão nele habitava como sentido existencial, porquanto reconhecia que a dedicação ao ideal libertador do evangelho representava-lhe uma bênção, e que tudo no Universo sucede em intercâmbio de valores.

As dádivas fruídas são os frutos abundantes e opimos da sementeira produzida a suor e luta, mas com alegria feita de reconhecimento pela oportunidade de realizar algo dignificante, não apenas para si mesmo, mas que pode transcender o ego na direção de outrem, da comunidade.

Sem essa compreensão, a vida humana não tem sentido, mantendo-se no automatismo vegetativo, sem a significação psicológica enobrecedora.

Os fenômenos automáticos da nutrição, do repouso e da reprodução também são encontrados nos vegetais e nos demais animais da escala zoológica.

O ser humano que pensa tem deveres para com a vida, iniciando-a nas responsabilidades em relação a si mesmo, ao ato de viver e de sentir, de compreender e de amar...

Dessa maneira, a gratidão é também transcendência existencial, enriquecimento emocional e saúde comportamental, pela visão otimista que ultrapassa as barreiras do ego para se tornar significado motivador de plenitude.

Aquele que assim se comporta não apenas encontra o sentido, o significado existencial, mas a própria vida em toda a sua exuberância, sem a presença mórbida que é a sombra com as suas diversas máscaras, as bengalas psicológicas de fuga da responsabilidade que mantêm o ser humano no estágio do primarismo do qual procede.

A evolução nele instala-se a partir do momento em que, discernindo entre o que aparenta e o que é realmente, permite-se insculpir a consciência harmônica da responsabilidade moral proporcionadora da saúde integral.

O ser humano que pensa tem deveres para com a vida, iniciando-a nas responsabilidades em relação a si mesmo, ao ato de viver e de sentir, de compreender e de amar...




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