Psicologia da Gratidão

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CAPÍTULO 7

5 A gratidão como roteiro de vida

Transitando por níveis diferentes de discernimento e de lucidez, a conquista da consciência constitui o grande desafio existencial.

Pode-se afirmar, sem dúvida, que essa conquista pode ser transformada no sentido, no significado que se deve buscar, proposto por Jung, substituindo a ilusão da felicidade transitória, fugidia, qual se fosse uma delicada miragem que a realidade dilui ao contato direto quando se encontra praticamente ao alcance...

Em razão dos diferentes estágios de consciência fisiológica (comer, dormir, reproduzir-se) ou psicológica (comer, dormir, reproduzir-se e também pensar e agir com discernimento e segurança ético-moral), o sentimento de gratidão apresenta-se também sob a injunção da capacidade de compreender e de sentir o valor da existência terrena.

Em algumas culturas modernas, ainda existe o conceito machista e primário de que a gratidão é um sentimento feminino, não passando de uma emoção específica da mulher, que não deve ser cultivada pelo homem.

Nesse contexto, quando um homem expressa gratidão, dizem, ei-lo em conflito de sexualidade com predominância da anima no comportamento.

O homem, dentro dessa teoria ultrapassada, deve caracterizar-se pela força, entenda-se brutalidade, vigor de sentimentos e quase total ausência das emoções superiores da ternura, da bondade, da abnegação, sendo o sacrifício mais um gesto estoico e másculo do que a superior entrega ao ideal, ao sentido de viver.

Em consequência, essa natural manifestação da emotividade rica de amor é recalcada e desprezada, gerando culpa inconsciente pela instalação do seu oposto, que é a ingratidão.

Numa linguagem poética, a flor e o fruto, o lenho e a sombra são a gratidão da planta à bênção da vida.

A linfa generosa e refrescante é a gratidão da nascente reconhecida ao existir.

O grão que se permite triturar é a gratidão que nele se encontra para se transformar em pão e em dádiva de manutenção da vida.

Tudo em a natureza quanto é belo, nobre, fecundo e estético constitui a sua gratidão por fazer parte do espetáculo da vida.

Porque pensa e sente, o ser humano é constituído pelas emoções que, na fase primária, são agressivo-defensivas e, à medida que logra evoluir, transformam-se em reconhecimento e retribuição.

Não se trata de uma devolução equivalente ao que foi recebido, como um pagamento pelo que se lhe ofereceu, mas uma emanação de alegria, de reconfor-to, pelo fruído e conseguido.

Todo crescimento pessoal de natureza cultural, moral e espiritual deságua inevitavelmente no sentimento da gratidão, da oferta, da participação no conjunto, tornando-se o indivíduo igualmente útil e valioso.

A gratidão individual é uma nota harmônica a contribuir para a sinfonia universal, ampliando-se e tornando-se um sentimento coletivo que proporciona o equilíbrio social e espiritual da Humanidade.

Pensa-se muito em gratidão como instrumento de afeição, o que é correto, no entanto é muito maior o seu significado que deve transformar-se numa forma de viver-se, de entregar-se ao processo de crescimento interior, de realização do progresso.

Não basta, porém, desejar-se a gratidão como flor espontânea que medra em determinados momentos e logo emurchece.

Ela deve ser treinada, conforme já consideramos anteriormente, exercida como forma de comportamento, externando-se em todas as situações geradoras de alegria e de satisfação.

Normalmente, os portadores de transtornos de conduta, os psicóticos e todos aqueles que padecem de psicopatologias fazem-se ingratos, perdem o contato com a realidade dos sentimentos, e volvem ao primarismo egoísta e soberbo das atitudes negativas.

É claro que as enfermidades desse porte, como resultado de problemas no arquipelago das neurocomunicações, apresentam carência de serotonina, de noradrenalina, de dopamina, amortecendo-lhes as emoções superiores e castrando as comunicações da afetividade.

Tal ocorrência, no entanto, está atrelada ao estágio evolutivo do paciente, às suas construções mentais quando esteve saudável, aos mecanismos de ansiedade e de desconfiança, de fácil irritabilidade e enfado.

O exercício, portanto, da afeição que se gratula e se expressa de maneira gentil, enriquece a emotividade superior, empobrece o egoísmo e desenvolve o Self que se libera de algumas das imposições do ego, facilitando a comunicação no eixo entre ambos...

Nem sempre, porém, o indivíduo sente a gratidão, por motivos variados: infância infeliz, família turbulenta e difícil, relacionamentos malsucedidos, solidão, complexo de inferioridade ou de superioridade que embrutecem os sentimentos, desenvolvendo as ferramentas de autodefesa.

Isso não deve constituir motivo de preocupação.

A simples constatação de que não se sente gratidão já é um forma de compreendêla, de percebê-la em manifestação inicial.

A medida que as emoções se expandem e o inter-relacionamento pessoal faculta a ampliação do convívio com outras pessoas, aparecem os pródromos do bem viver, da comunhão fraternal, do desinteresse imediatista em oposição às condutas doentias, surgindo espontaneamente o reconhecimento de amor e de ternura à vida e a tudo quanto existe.

Não havendo pessoa alguma que se possa apresentar como autossuficiente, portanto desvinculada de outrem, que não necessite do contributo das demais pessoas individualmente assim como da sociedade em geral, é inevitável que a busca de companhia, o descobrimento dos valores que existem nos outros, a grandeza moral de que muitos dão mostras excelentes despertem o sentimento de gratidão como retribuição mínima ao contexto social no qual se vive.

A psicoterapia da gratidão, preventiva aos males e curadora de conflitos, está presente em todas as obras relevantes da Humanidade, seja naquelas de natureza filosófica ou religiosa, seja nos comportamentos dos grandes construtores da sociedade, mártires ou santos, pensadores ou místicos, legisladores ou profetas...

Isso porque ninguém consegue vincular-se a um ideal de engrandecimento pessoal e humanitário sem arrastar outros pela emoção do seu exemplo e da sua bondade para as fileiras da sua trajetória.

O sentimento da gratidão tem natureza psicológica e de imediato aciona o gatilho, sendo transformada em emoção e sensação orgânica.

Quando se experimenta o sabor da gratidão, aumenta-se o desejo de mais servir e melhor contribuir em favor do grupo social em que cada qual se encontra e da Humanidade em geral.

E inevitável, portanto, a presença da gratidão no cerne das vidas humanas.


O SER HUMANO PERANTE A SUA CONSCIÊNCIA

Desde o momento quando ocorreu a fissão da psique dando lugar ao surgimento dos arquétipos ego e Self, os pródromos da consciência começaram a ensaiar o despertamento das emoções de variado teor e significado psicológico.

As manifestações iniciais do medo e da ira abriram as possibilidades para as demais expressões dos sentimentos adormecidos, propondo a continuação dos instintos de conservação e de reprodução da vida orgânica, facultando a superação daqueles outros agressivo-defensivos, ou pelo menos o seu eficaz direcionamento, elegendo preferencialmente aqueles que proporcionam prazer e harmonia em detrimento daqueloutros que geram sofrimento e desequilíbrio...

A dor brutal do princípio começou a ceder às manifestações menos grosseiras, culminando na presença dos fenômenos morais afligentes que o conhecimento tem o dever de lenir, à medida que a consciência adquire os níveis superiores a que está destinada.

No Oriente, o discernimento que proporcionou o surgimento da consciência é encontrado na tradição do Bhagavad Gita, parte do Mahabharata, quando o mestre Krishna, dialogando com o discípulo Ardjuna, ajudou-o a penetrar na vida mística, especialmente na luta que deveria ser travada com destemor entre as virtudes (de pequeno número) e os vícios (muito mais numerosos), mediante a aplicação das forças nobres da consciência.

No judaísmo, surgiram os formosos vislumbres do bem e do mal, nos livros mais antigos dos profetas, especialmente em alguns daqueles que foram considerados heréticos a partir do Concilio de Niceia, no ano D. C, convocado pelo imperador Constantino.


Dentre esses destacamos o|

Livro de Enoque, em cujas lições Jesus teria encontrado apoio para o seu ministério, e os apóstolos João, Tiago, Lucas, nos Atos, e Paulo se inspirariam para a elaboração de preciosas páginas que aplicaram nas suas propostas evangélicas e epistolares...

A dualidade arquetípica da sombra e da luz apresenta-se então como Satã e Cristo, o Ungido, que vêm das veneradas tradições orais, detestado o primeiro pela sua perversão e maldade — o outro lado da psique, o lado que se procura ignorar e o Cristo - a luz da verdade, do bem, da plenitude...

No Ocidente, o pensamento socrático-platônico expressou-se de maneira equivalente, apresentando a virtude como consequência dos valores morais ante os vícios de todo porte que degradam, impedindo o desenvolvimento do logos interno inerente a todos os seres humanos...

Na esteira das sucessivas reencarnações, o Espírito aprimora os valores ético-morais e intelectuais, propiciando o desenvolvimento das faculdades da beleza, da estética, da arte em diversificadas manifestações que facultam a superação dos impulsos do primarismo pela espontânea eleição dos sentimentos morais elevados.

Vivenciando, em cada reencarnação, uma ou várias faculdades éticas, as suas variantes enriquecidas do bem sobrepõem-se às anteriores tendências, fixando os valores espirituais que culminarão na plenitude do ser.

Esses períodos, alguns assinalados por grandes turbulências emocionais, despertam a consciência do ego para o conhecimento do Simesmo, proporcionando-lhe compreender a finalidade da existência carnal.

À medida que supera os episódios vivenciados no pavor, dando lugar às manifestações da afetividade, a princípio em forma de posse e domínio, para depois em atitudes de renúncia pelo bem-estar do outro, a ampliação da consciência objetiva impulsiona o Espírito para as conquistas de natureza cósmica.

Nesse comenos, surge o nobre sentimento da gratidão com as suas mais simples expressões de júbilo pelo que se recebe da vida, e posteriormente pela necessidade de retribuir, libertando-se da posse enfermiça e da paixão desequilibrante, antes orquestradas pelo ego e pelo arquétipo sombra.

Sentindo essa doce emoção de agradecer, de imediato se é propelido para a cooperação edificante no grupo social para melhor e mais feliz, no qual a saúde real independe dos processos de desgastes pelas enfermidades ou pela senectude.

A consciência grata é risonha e saudável, predominando em qualquer idade somática do ser humano.

Comumente se encontram crianças e jovens com exuberância de saúde física, portadores, no entanto, de frieza dos sentimentos relevantes do afeto, ingratos, mudando de atitude somente quando estão em jogo os seus interesses imediatos de significado egotista.

Simultaneamente se detectam os valores de enriquecimento gratulatório em anciãos e enfermos que, não obstante as circunstâncias e ocorrências orgânicas tornamse exemplos vivos de alegria, de luminosidade, de bem-viver...

Nem mesmo a aproximação da morte biológica aflige-os ou atemoriza-os, antes, pelo contrário, alegra-os em agradável anúncio de libertação que lhes enseja a individuação antes ou após o decesso tumular...

O sentimento de gratidão, portanto, não se deve apresentar exclusivamente quando tudo transcorre bem, quando os fenômenos psicossociais, emocionais e orgânicos encontram-se em clima de júbilo, mas também por ocasião das ocorrências denominadas como adversidades.

Reagir-se de maneira grata aos sucessos de qualquer porte é perfeitamente normal e natural, e se assim não se procede é porque se é arrogante, soberbo, vivendo em conflitos desgastantes.

O desafio à gratidão dá-se nos tempos difíceis, quando surgem as adversidades que são também parte do processo desafiador da evolução, porquanto nem sempre os céus humanos estarão adornados de astros, sendo todos convidados a atravessar a noite escura da alma com a luz do sentimento reconhecido a Deus pela oportunidade de experiênciar novas maneiras de viver.

Normalmente, o sofrimento ceifa a gratidão e o indivíduo foge para a lamentação deplorável, para a autoacusação ou auto justificação, comparando-se com as demais pessoas que lhe parecem felizes e destituídas de qualquer inquietação.

De certo modo, sem as experiências dolorosas, ninguém pode avaliar aquelas que são enriquecedoras e benignas por falta de parâmetros de avaliação.

Necessário nesses momentos mais difíceis liberar-se da raiva, da mágoa, evitando a ingratidão pelos bens armazenados e pelas horas felizes anteriormente vividas, continuando a amar a vida mesmo nessas circunstâncias indispensáveis.

O mito bíblico de Jó deve constituir modelo de aprendizado, em razão da sua coragem e gratidão a Deus mesmo quando tudo lhe fora retirado: rebanhos, servos e escravos, filhos e recursos financeiros, ficando em estado lamentável, porém sem revolta.

A lenda narra que aquilo fora resultado da interferência de Satanás, que lhe invejando a felicidade e o amor a Deus, propôs ao Criador que lhe retirasse tudo, e ele se revelaria como as demais criaturas, rebelde, ingrato e desnorteado.

Aceitando o repto proposto, o Senhor da Vida testou o afeto de Jó, cobrindo-o de chagas e de miséria, que reagiu de maneira oposta à sombra, mantendo-se fiel em todos os momentos e grato pelas provações, apesar da revolta da sua mulher...


Apenas perguntou:

— Por que eu?

E depois de muitas reflexões felizes concluiu que não existe o bem sem o mal, a felicidade sem o sofrimento, colocando Deus - o arquétipo primordial - acima de tudo e aceitando-Lhe as imposições sem revolta.

Em consequência, Deus demonstrou a Satanás que Jó lhe fora fiel no teste e devolveu-lhe tudo quanto lhe houvera tirado...

Dilatando-se a consciência enobrecida pela lucidez, os arquivos do Souberam os arquétipos celestes, que procedem do primordial, e a gratidão também se torna o estado numinoso que enseja a conquista cósmica recomendada por Jesus como a instalação do Reino dos céus nos arcanos do coração.


A BUSCA DO SELF COLETIVO MEDIANTE A GRATIDÃO

A herança arquetípica da intolerância religiosa e alguma de origem científica a respeito das conquistas novas do pensamento deram lugar ao surgimento de muitos dos conflitos que afligem o ser humano, especialmente no que diz respeito ao seu comportamento neurótico.

Castradoras e inconsequentes, essas doutrinas foram e prosseguem responsáveis pela geração da culpa e da autopunição como instrumentos de depuração pessoal, facultando o surgimento do ego neurótico - Psicologia da Gratidão.

De igual maneira, o materialismo científico exacerbou na valorização do corpo, atribuindo-lhe necessidades que, em verdade, são transformadas em exigências doentias de comportamento que perturbam o processo normal de desenvolvimento das suas funções orgânicas e psicológicas.

Nem se viver para o corpo ou deixar-se de o valorizar...

O meio-termo é sempre o mais saudável, em vez de qualquer postura extremista.

Todas as pessoas são portadoras de necessidades de vário tipo, caracterizando o estágio evolutivo de cada uma.

E natural, portanto, que se deseje a posse de valores que proporcionem bem-estar, a convivência social saudável, a afetividade enriquecedora, ao mesmo tempo em que possam ocorrer alguns fenômenos de tristeza, de amargura, de solidão, resultando em fugas da realidade sem danos psicológicos na sua estrutura íntima.

Indivíduos portadores de conflitos severos, sem a coragem para o autoenfrentamento, a fim de diluí-los nas experiências dos relacionamentos humanos, refugiaram-se no dogmatismo defluente da ignorância, para transferir suas inseguranças e angústias para os outros, proibindo a vivência da felicidade sob as justificativas de que a Terra é um vale de lágrimas ou um lugar de desterro, onde o sofrimento deve ser cultivado.

Ao mesmo tempo, em razão das inquietações e frustrações sexuais, estabeleceram que o corpo é responsável pela perda do Espírito, firmando regras de autopunição, de flagelação, de masoquismo, submetendo-o, mediante mecanismos perversos, às exigências absurdas de condutas antinaturais, violentadoras do seu processo normal de desenvolvimento.

Conceitos infelizes e injustificáveis, portanto, transformaram-se em regras religiosas e algumas em imposições culturais, ditas científicas, punindo o indivíduo pelas suas necessidades biológicas e psicológicas, facultando graves transtornos na personalidade.

Porque é inviável a violência em relação às necessidades emocionais e orgânicas do ser humano, surgiram os mecanismos de fugas psicológicas e de hipocrisia, construindo enfermos do Self muito preocupados com o ego.

Mais importante, por conseguinte, de ser autêntico, normal, em processo de crescimento, criou-se a máscara do parecer bem apesar das aflições internas e avassaladoras.

O que é grave nesse comportamento é o impositivo de odiar-se o corpo para salvar-se a alma, como se a dualidade não fosse resultado de uma interdependência na qual o Espírito é o responsável pelo pensamento, pelas aspirações, pelos sentimentos que a organização fisiológica expressa como necessidades que se transformam em prazeres.

Responsável pelo corpo em que se transita, o Espírito modela-o através do seu períspirito encarregado das experiências anteriores de outras existências, trabalhando-lhe as necessidades de acordo com a conduta e as ações felizes ou desditosas que naquela ocasião foram praticadas.

O sentimento de gratidão, em consequência, desaparece para dar lugar ao de desconforto pela vida física e de ressentimento pelos próprios fracassos, quando, em vez desse comportamento, a Terra é uma formidável escola de bênçãos, onde se vivenciam experiências em refazimento e outras em construção, avançando-se sempre no rumo da plenitude.

Toda pessoa normal sente desejo de amar e de ser amada, de ambicionar e de conquistar valores que lhe tra-duzam o estágio de evolução intelecto-moral, de sorrir e de chorar, como fenômenos comuns do dia a dia.

Não existem pessoas destituídas desses anelos, exceto quando transitam por dolorosos transtornos psicóticos que lhes invalidam o discernimento e a capacidade de compreender.

O importante é a maneira como se aspira e o nível de equilíbrio que deve ser tido em conta, evitando-se qualquer abuso ou excesso defluentes da insatisfação neurótica.

É fenômeno normal o desejo de ser aceito no grupo social e benquisto onde se encontre, sem nenhum prejuízo para a sua evolução moral, antes, pelo contrário, constituindo um estímulo para o desenvolvimento dos valores adormecidos.

Quando o ego se neurotiza, manifestam-se os transtornos que são frutos espúrios dos fenômenos castradores, como falar demais ou não dizer nada, viver sempre em luta pelo poder ou desinteressar-se totalmente de qualquer aspiração, aguardar a afetividade dos outros sem o empenho por se doar às demais pessoas, falsas condutas de autovalorização em detrimento daqueles que constituem o núcleo familiar ou social.

O mais grave nessa conduta é a maneira como são exteriorizadas as manifestações do ego neurótico.

Algumas pessoas apresentam-se agressivas, desvelando-se com facilidade, impondo-se sobre os outros, não ocultando os conflitos em que se debatem, enquanto outras, mais hábeis e dissimuladoras, sabem como manipular o próximo e parecer vítimas das incompreensões, cultivando a auto compaixão e dando lugar a desarmonias onde quer que se encontrem.

As variantes dessas manifestações neuróticas são várias formas de expressar-se, exigindo de todos cuidados especiais nos relacionamentos, a fim de se evitar conflitos mais graves, porquanto os pacientes dessa natureza encontram-se sempre armados contra, em mecanismo contínuo de defesa como se estivessem ameaçados exteriormente...

Apesar desses impositivos ancestrais e dessas heranças culturais perturbadoras, o Self pessoal intui o melhor caminho a percorrer e despreza os tormentos neuróticos do ego, abrindo espaço para a compreensão da finalidade da existência que deve ser cultivada com alegria, mesmo nos momentos de desafios e de dificuldades, ampliando a sua faixa de realização até se mesclar no painel coletivo em forma de gratidão pela vida.

À medida que o Self se resolve por desmascarar o ego neurótico e propõe-se à diluição dos seus conflitos, modifica-se a realidade no paciente, que passa a conviver melhor com as próprias dificuldades, compreendendo que lhe cabe realizar uma análise mais cuidadosa a respeito da conduta pessoal e social, que não podem ser corretas desde que se expressam em sentido contrário à correnteza, isto é, ao modus vivendi da sociedade.

Lentamente, o indivíduo, nesse comenos, percebe quantos valores positivos se lhe encontram presentes no imo, aprendendo a respeitar a vida e as suas conjunturas com alegria, modificando uma que outra circunstância ou realização, ao mesmo tempo descobrindo a bênção da gratidão por tudo quanto lhe acontece e frui, ampliando-se em direção à sociedade.

O Self coletivo enseja-lhe adaptação dentro do seu contexto e, sem a perda da identidade e das conquistas, mantém-se feliz por compreender a utilidade da sua existência em relação a outras vidas e ao conjunto cósmico.

Ninguém que se possa eximir dessa fantástica percepção, que enriquece da saudável alegria de lutar e de perseverar nos ideais que promovem o bem-estar coletivo e a felicidade de todos.

Nesse imenso oceano de graças, o Espírito descobre quanto é importante a sua contribuição em favor do conjunto e como é necessário que processe a própria evolução.

Inevitavelmente, a pouco e pouco, os complexos de inferioridade, os transtornos de comportamento, os conflitos arquetípicos cedem lugar ao ego equilibrado sob saudável administração do Self estruturando a nova sociedade do porvir.

É nesse momento que a gratidão ilumina interiormente o ser humano e torna-o elemento valioso no conjunto espiritual da Humanidade.


A gratidão e a plenitude

É natural que se anele pela plenitude, que representa superação do sofrimento, da angústia, da ansiedade e da culpa, significando o encontro com a consciência ilibada, que sabe conduzir o carro orgânico no destino certo da iluminação.

Nada obstante, ninguém se pode libertar totalmente dos atavismos, sem adquirir novos hábitos, especialmente das heranças mitológicas que o vinculam de alguma forma à condição de humanidade, portanto estando sempre sujeito a aflições e a todas as injunções do veículo carnal.

Pensar-se em plenitude como ausência de inquietações é ambição utópica, desde que a própria condição de transitoriedade do carro orgânico faz compreender-se o fenômeno do seu desgaste, da degeneração que lhe é própria, das alterações e mudanças de constituição, produzindo mal-estar, dores e psicologicamente ansiedade, melancolia, inquietação.

A plenitude é o estado de harmonia entre as manifestações psíquicas, emocionais e orgânicas resultantes do perfeito entrosamento da mente, do Self que também possui alguma forma de sombra, com o ego, integrando-se sem luta, a fim de ser readquirida a unidade.

Essa conquista numinosa, resultado da aquisição da autoconsciência, liberta o sentimento de gratidão que faz parte da individuação, produzindo uma aura de mirífica luz em torno do ser vitorioso sobre si mesmo.

O ato de alcançar esse estado psicológico de auto integração faculta a perspectiva de uma expansão da consciência na direção da Divindade, de onde procede e para onde retorna, sempre que encerra um dos inumeráveis ciclos da aprendizagem terrena.

É natural, portanto, que a jornada humana seja caracterizada pelos experimentos psíquicos de desenvolvimento do deus interno, a que já nos referimos, e da libertação das síndromes que se transformam em bengalas psicológicas para justificar o não crescimento interior, a permanência na queixa, no azedume, na paralisia emocional em que se compraz em mecanismo infeliz de masoquismo.

O Espírito está fadado à plenitude desde quando criado por Deus simples e ignorante.

Simples, porque destituído das complexidades do conhecimento, da razão, do discernimento, da lógica, da evolução.

Ignorante, em razão do predomínio da sombra no Self da ausência dos recursos intelecto-morais que o engrandecem como efeito do esforço pessoal na conquista dos valores que lhe estão ao alcance.

Natural, desse modo, que ocorram conflitos constantes, caracterizados por momentos de coragem e de desencanto, por anseios de crescimento e temores das conquistas libertadoras, por dúvidas e melancolia...

A sombra acompanha inevitavelmente o ser humano enquanto ele se encontra no processo da auto iluminação, cedendo lugar à harmonia quando ocorre a libertação da matéria.

Segundo o historiador grego Heródoto de Halicarnasso, Sólon, o nobre filósofo, dialogando com o rei Creso, da Lídia, tido como o homem mais rico do mundo no seu tempo, que se considerando feliz pelos tesouros amealhados, após apresentá-los ao sábio, indagou-lhe, eufórico, qual seria na sua opinião o homem mais ditoso do planeta.


E porque o gênio ateniense tivesse informado que havia conhecido um jovem de nome Télus, que se notabilizou em Atenas pela nobreza de caráter e pela abnegação, a quem assim o considerava, o monarca soberbo voltou à carga com nova indagação:

— E, na sua opinião, qual é o segundo homem mais feliz do mundo?

— acreditando que seria citado como exemplo, sofreu novo constrangimento ante a resposta do eminente convidado, que informou ter conhecido dois irmãos que cuidavam da própria genitora e, quando esta desencarnou, dedicaram a preciosa existência a servir à cidadeEstado.

Creso não pôde mais sopitar o desencanto e tornou-se inamistoso com o convidado, realmente mais sábio daquela época.


Sólon manteve-se tranquilo e, no momento da despedida, disse-lhe:

— Rei, ninguém pode afirmar-vos se sois feliz, senão depois da vossa morte, porque são muitos os incidentes e ocorrências que modificam os transitórios estados emocionais e econômicos de todas as criaturas...


De fato, mais tarde, após a morte do filho Actis, em circunstâncias trágicas, e a destruição do seu país que sucumbiu às tropas de Ciro, o Grande, da Pérsia, vendo Sardes, a capital da Lídia, ardendo, e todos os tesouros nas mãos dos invasores, ele concordou com Sólon, e proclamou no poste em que seria queimado vivo:

— Oh! Sólon! Oh! Sólon, como tinhas razão!

Ouvido por Ciro, o conquistador, que também amava Sólon, o filósofo, perguntou-lhe a razão pela qual se referia ao nobre sábio, e, após narrar a experiência, teve a vida poupada, tornando-se seu auxiliar no controle dos bens e educador de Cambises, seu filho...

A transitoriedade dos valores materiais, inclusive da argamassa celular, torna o Espírito reencarnado vulnerável às injunções normais da existência física.

Creso, pioneiro da fundição de moedas de ouro, possuidor de imensa fortuna em ouro trazida pelas águas do rio Pactolo, que dividia a capital da Lídia, não se deu conta de ser grato à vida, pensando somente em acumular, embora vitimado pelas circunstâncias, em haver sido pai de um surdo-mudo e o seu herdeiro haver experimentado uma desencarnação trágica, varado pela lança atirada pelo seu amigo Adasto, filho do rei Midas, da Frígia...

O que se tem é adorno, sendo indispensável considerar-se psicologicamente o que se faz, o que se é, e tudo aquilo que se trabalha interiormente transformar em gratidão pela existência, pela oportunidade de auto iluminação.

Embora a fortuna colossal, Creso não era realmente feliz, pois que não pôde evitar o nascimento do filho limitado nem a morte do herdeiro amado e, muito menos, a invasão e destruição do seu reino.

No entanto, quando se permitiu a humildade de reconhecer que Sólon tinha razão, pôde ter a sua e a vida dos familiares poupadas da morte hedionda que sempre é reservada aos vencidos.


Ainda merece consideração a frase de Ciro, ao libertar o rei e família vencidos:

— Desejo que se anote a minha generosidade, pois que, se algum dia eu vier a cair vitimado em alguma batalha, espero que se use da mesma misericórdia para comigo, conforme a uso para com ele [Creso].

São os valores morais, as conquistas espirituais que respondem pela gratidão que resulta de todas as oportunidades de crescimento e de valorização da existência, enriquecendo o ser humano de generosidade, a filha dileta da sabedoria de viver.

Aquele que é grato, que sabe reconhecer a própria pequenez ante a grandeza da vida, faz-se pleno e feliz.

Os valores morais, as conquistas espirituais respondem pela gratidão que resulta de todas as oportunidades de crescimento e de valorização da existência, enriquecendo o ser humano de generosidade, a filha dileta da sabedoria de viver.




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