Psicologia da Gratidão

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CAPÍTULO 8

6 A gratidão como recurso para a aquisição da paz

Uma existência sem a presença de um significado psicológico é vazia e destituída de motivação para ser experiênciada, e nenhum ser humano a suporta, e, quando nela se movimenta, normalmente naufraga na busca de soluções que não possuem conteúdos libertadores.

O Espírito foi criado para alcançar o infinito e possuir a sabedoria superior que o transforma em arcanjo...

A caminhada, às vezes dolorosa, pela escola terrestre faz lembrar o diamante bruto que é submetido à remoção da ganga, a fim de poder brilhar como uma estrela em que se transforma.

Nas vidas vazias, aquelas que não têm objetivos psicológicos, há muito espaço para a inquietação e a desconfiança, o autodesprezo e o ressentimento, o acolhimento dos transtornos da emoção e dos desequilíbrios da mente, pela ausência de significado existencial.

Essa ocorrência é facilmente identificada nos indivíduos solitários ou não, sempre caracterizados por imensa necessidade de conquistar coisas externas e de projetar a imagem, porque o ser real encontra-se incompleto, inseguro, sem estímulo para continuar a jornada.

Premidos pelas circunstâncias amargas a prosseguirem no veículo físico, buscam os jogos dos prazeres exaustivos ou partem para as experiências perigosas a que submetem o Self, em desafios que quase sempre resultam em fracassos, quando não em mortes destituídas de dignidade.

Entre eles encontram-se alguns dos desportistas radicais, que pretendem chamar a atenção para a coragem, que bem pode significar desamor à existência e zombaria ao bom senso e à precaução; ou, sob a ação exasperada da adrenalina, esquecem-se de si mesmos, transferindose para o aplauso em que se irão destacar, demonstrando aos demais a sua superioridade.

Igualmente se entregam a competições nas quais pretendem sempre ultrapassar os limites anteriores, como novos deuses, dominados pelos mitos das personagens de quadrinhos, que se transformam em heróis do absurdo, revivendo aqueloutros adormecidos no recesso do inconsciente coletivo...

O ser humano saudável é cauto, vivendo dentro dos padrões éticos que conferem o bem-estar e a alegria existencial.

A sua coragem não é medida pelo destemor e pela busca do perigo, mas pela resistência que oferece às circunstâncias perturbadoras, permanecendo sempre digno e lutando tranquilo.

Sente-se afortunado pela harmonia de que desfruta no eixo emoção/psique e no apoio aos equipamentos físicos de que se utiliza para o crescimento interior e para a vitória sobre as heranças prejudiciais que lhe permanecem no comportamento.

Em razão da harmonia que vibra na sua existência, é rico de alegria e de objetivos edificantes, proporcionando-se satisfação pela oportunidade que desfruta, igualmente contribuindo em favor da comunidade onde se encontra, a fim de torná-la sempre melhor.

O sentimento de gratidão é-lhe uma condição natural, pois que sabe valorizar tudo quanto lhe chega, sendo abençoado pelas facilidades ou mediante os sofrimentos que, eventualmente, o alcançam.

Isso porque o bem-estar não se restringe apenas às questões agradáveis e proporcionadoras de júbilo, mas também àquelas de preocupação e de análise das variadas conjunturas do processo humano em desenvolvimento.

O apóstolo Paulo, por exemplo, afirmava que se comportava da mesma forma, quer estivesse coroado de alegrias, quer experimentasse o cárcere e a provação...

Isso porque o sentido psicológico da sua vida era servir a Jesus, e onde se encontrasse, conforme estivesse nada lhe constituía impedimento para prosseguir na vivência do seu significado emocional.

Na alegria, demonstrava gratidão pelas bênçãos, e na dor, ainda agradecia por poder confirmar a grandeza da sua fé e da sua entrega.

Quem somente espera frutos saudáveis da árvore da vida ainda não aprendeu a viver, desconhecendo que as ocorrências variadas, todas elas, fazem parte do esquema existencial.

Pessoas existem que nem sequer agradecem as dádivas que lhes são oferecidas, permanecendo sempre queixosas, insatisfeitas, insaciáveis, porque é baixa a sua capacidade de autoestima, dessa maneira fugindo para a situação egotista.

Outras sempre agradecem todas as alegrias que fruem, mas se olvidam de expressar a gratidão ante os embaraços que não sucederam, os insucessos que não aconteceram...

E outras ainda existem que sabem agradecer a alegria que vivenciam, as dificuldades que não se tornaram impedimento às realizações edificantes e as dores que as alcançam, elucidando que tal acontecimento encontra-se incurso na lei de causa e efeito, porquanto somente lhes acontece o que é de melhor para o seu processo de evolução.

Assim procedem porque sabem da justiça que se encontra embutida em todos os mecanismos do desenvolvimento espiritual e moral de cada um.

Quando se aprender a agradecer e a louvar, certamente a saúde integral se constituirá o resultado feliz do fenômeno agradável do júbilo presente em todas as situações existenciais trabalhando a elevação do ser.

Nessa compreensão, lentamente o eixo egol Self faculta, a unidade sem choque, a harmonia que deve existir no processo da recuperação decorrente da anterior fissão da psique...

Certamente se trata de uma batalha silenciosa, significativa, no entanto rica de aprendizagem e descobertas, porque se vai ao mais profundo dos sentimentos, a fim de avaliar o sentido e o significado psicológico da vida física.

Assim procedendo, encontra-se a maturidade emocional, aquela que auxilia o discernimento a respeito de tudo quanto se pode e se deve realizar, em detrimento do que se pode, mas não se deve fazer, ou se deve, mas não é lícito executar.

A expressiva maioria das criaturas vive de tal maneira automaticamente que nem sequer se apercebe dos mecanismos existenciais, das possibilidades de desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos, tornando a jornada um encantamento no qual as experiências de auto iluminação multiplicam-se, toda vez que os acontecimentos são bem-administrados.

Não existem pessoas privilegiadas, nem mesmo aquelas que parecem totalmente felizes, porquanto o trânsito carnal é recurso de que se utiliza a Divindade, a fim de permitir o desenvolvimento dos valores adormecidos no cerne do ser.

Em consequência, deve-se viver atentamente, observando-se tudo aquilo que acontece durante a jornada humana, amealhando simpatia e solidariedade, afeição e renúncia aos impositivos do ego, na incessante busca da plenitude.

Somente aquele que luta e se aprimora consegue a superação dos vícios, dos arquétipos inquietadores que procedem do passado.

Viver, portanto, na Terra, é uma excelente ocasião de avançar no rumo da imortalidade feliz.

Heranças afugentes Os atavismos defluentes do processo antropossociopsicológico remanescem no ser humano com a força dos velhos hábitos, com toda a predominância dos instintos agressivo-defensivos, mutilando algumas aspirações enobrecidas e dificultando a vivência das atitudes novas, caracterizadas pela razão, pelo sentimento, pelo ideal de servir e dignificar a sociedade.

Dentre esses destaca-se muitas vezes o que diz respeito à ingratidão, num estado de primarismo do comportamento, mediante o qual, ainda se estagiando na fase do egocentrismo, não se valoriza a contribuição das demais pessoas, acreditando-se merecedor de todos os serviços, sem nenhuma obrigação retributiva ou, pelo menos, de respeito pelo outro.

A sombra é o arquétipo dominador da conduta nessa fase da evolução psicológica do ser humano.

O predomínio do instinto de conservação da vida modela o caráter humano com tal vigor que sempre coloca o indivíduo em atitude defensiva, armando-o invariavelmente contra tudo e contra todos, mesmo quando alguém se propõe a auxiliar.

Permanece a suposição falsa de que as demais criaturas são exploradoras, interesseiras, incapazes de vivenciar o afeto legítimo, mantendo sempre uma atitude, disfarçada ou não, de retirar proveito de todos os esforços empregados.

Mesmo que os fatos demonstrem o contrário, há uma insegurança afetiva muito forte nesse indivíduo, que considera os demais conforme os seus próprios padrões de conduta, incapaz segundo se sente de ser útil, de auxiliar sem colher os imediatos frutos desse procedimento.

À medida que ocorre o desenvolvimento do Self e diminui a predominância do ego, que passa a compreender melhor a finalidade da existência terrestre, amplia-se a capacidade de sentir amizade, de corresponder às expectativas, de contribuir em favor do bem-estar alheio, que sempre redunda em satisfação pessoal, embora não seja esse o objetivo imediato.

Ocorre que toda atitude dignificante que abrange o grupo social inicialmente é benéfica àquele que a assume.

De igual maneira, toda vez que alguém opõe obstáculo ao processo de crescimento da sociedade, padece a sua constrição inevitável, encarcerando-se nas paredes sombrias da prepotência.

Em razão desses diferentes estágios evolutivos, surgiram os dominadores dos outros, os ditadores impiedosos, as classes poderosas em consequência do status econômico, os presunçosos que se acreditam superiores, iludidos pelo conceito da raça ou etnia em que renasceram no corpo, da astúcia que é uma herança do instinto felino e não efeito da inteligência...


Allan Kardec, com clareza, faz uma bela análise desse comportamento no livro Obras póstumas, no capítulo intitulado "As aristocracias", analisando os diversos níveis ou alternativas da Humanidade, em|

relação ao Espiritismo, que oferece os recursos surpreendentes da iluminação, portanto da perfeita integração do eixo egol Self como indispensável para a harmonia pessoal, o reconhecimento amoroso à vida, por tudo quanto possui e frui, a infinita gratidão pela honra da existência terrena.

A verdadeira aristocracia refere-se o nobre Codificador, é aquela de natureza intelecto-moral, na qual a inteligência e o sentimento unem-se, dando lugar à sabedoria, à libertação das paixões primevas, à superação das heranças negativas e dos atavismos perturbadores.

O velho conceito de aristocrata, pelo sangue, pelos títulos nobiliárquicos adquiridos por meios nem sempre dignificantes, que caracterizaram o passado da sociedade, ensejando os privilégios dos descalabros assim como o hediondo direito divino dos reis, como se não fossem constituídos pela mesma argamassa em que transitam os camponeses e o poviléu, sempre detestados pelos iludidos terrestres, encontra-se em decadência total.


2| Obras póstumas, Allan Kardec,

11.

Ed., FEB.

Encontramo-los em todas as épocas da História, desde as lamentáveis classes sociais da índia, no passado, e possívelmente no presente, embora não legais, mas sempre infelizmente morais, aos faraós egípcios...

e mesmo os chefes tribais, nem sempre valorosos e dignos para exercerem o mandato de comando do grupo étnico ou do país sob a sua governança.

As religiões, por sua vez, aproveitaram-se das circunstâncias e criaram também as suas aristocracias privilegiadas pelo poder temporal em nome da fé que deve estar acima das questões da vaidade humana...

Na interpretação dos ensinamentos religiosos de todos os matizes, os indivíduos investidos das denominadas responsabilidades pelo rebanho adaptam a mensagem, dela retirando a essência superior e apresentando as próprias paixões que transferem para Deus.

Através desse mecanismo de temor submetem os crédulos ao seu talante, dominando-os e mantendo aqueles que são menos evoluídos a permanecerem na revolta ou no egoísmo.

Apresentassem a grandeza do amor de que se revestem todas as doutrinas religiosas, e mais facilmente conseguiriam libertar os aprisionados no primarismo, conduzindo-os aos elevados patamares da iluminação.

Jesus a todos convocou com os mesmos direitos e com os mesmos deveres, oferecendo oportunidade de trabalho e de evolução aos mais diferentes segmentos sociais, sendo respeitoso aos poderosos do seu tempo, que o buscavam, assim como à denominada ralé, à qual preferia por motivos óbvios da sua missão iluminativa e libertadora.

O inevitável progresso moral vem diminuindo o perverso comportamento, anulando o poder das classes dominadoras por circunstâncias adversas e ancestrais, abrindo espaço para os direitos humanos, ampliando as possibilidades de igualdade entre todas as pessoas, pouco importando as posses, a hereditariedade, antes valorizando as suas qualidades de inteligência e de sentimento, as suas conquistas morais que os destacam no cenário humano.

Certamente, em razão do processo evolutivo, que é inevitável, essas heranças cederão lugar às outras, às nobres que as sucederam e que, no seu momento próprio, passarão a ressumar com a força ética da solidariedade e do amor entre todos os seres, incluindo a natureza.

Apesar desse fenômeno incoercível que é o progresso, muitos indivíduos tentam resistir aos seus impositivos, optando pela deplorável condição de infelizes, em razão da sombra que os submete aos caprichos da inferioridade.

A Divindade, porém, dispõe de mecanismos que se impõem favoravelmente ao desenvolvimento das faculdades morais do ser, através das expiações nas quais expurgam os miasmas que os asfixiam na inferioridade, sem que percam as conquistas preciosas das experiências vivenciadas.

Desse modo, o processo de crescimento em relação à própria plenitude é impostergável, e dele ninguém se evade, por fazer parte dos instrumentos universais do amor divino.

Serão sinais demonstrativos da sua presença, quando surgirem os primeiros vagidos de compaixão e de ternura, de amizade desinteressada e o desejo de retribuição, pelo menos de parte daquilo que amealha.

A solidariedade é, desse modo, a maneira de expressar a alegria de viver e de desenvolver os relacionamentos que edificam os sentimentos ou os despertam quando se encontram adormecidos.

A gratidão é a impressão digital do desenvolvimento intelecto-moral do Espírito, que se liberta das heranças afligentes.


Conflitos existenciais e fugas psicológicas

Cada pessoa experiência as emoções que dizem respeito ao nível de consciência em que estagia, não conseguindo de um para outro momento ultrapassá-lo.

Diante desse acontecimento, os conflitos existenciais e as fugas psicológicas exercem um papel determinante no seu comportamento.

Os referidos conflitos são resultados de heranças ancestrais, quando foram cometidos atos que atentaram contra a ética e o bem proceder, dando lugar ao surgimento da culpa encarregada de transformar-se em aflição e desgaste do equilíbrio.

Noutras vezes, surgem como decorrência do processo de desenvolvimento ético-moral, quando ainda não havia a capacidade de discernimento responsável pela censura aos comprometimentos perturbadores, sendo aceitos como naturais e, portanto, frutos da sombra que permanecia ditando as atitudes mais compatíveis com a sua natureza arquetípica.

Nesse estágio, ocorrem os problemas emocionais que vergastam o ser, perturbando lhe a capacidade de orientação e de saúde, instalando-se por longo período gerador de distúrbios que se transferem de uma para outra existência.

Acostumando-se à impossibilidade de alcançar mais altos patamares de bem-estar e de harmonia, permite-se a aceitação do Self enfermiço dominado pelo ego, em estranha vitória no campeonato da evolução.

Torna-se urgente e indispensável a busca de ajuda psicoterapêutica, a fim de poder distinguir de maneira saudável o que é melhor para a conquista da alegria de viver e as diretrizes que deve adotar para conseguir vencer os obstáculos internos que se expressam ameaçadores.

As batalhas mais difíceis de ser vitoriosas são aquelas que se travam nos refolhos da psique, desde o momento em que o indivíduo se propõe alcançar as motivações para o prosseguimento da existência planetária dentro dos padrões da normalidade.

Seja qual for o conflito existencial que se manifeste, a criatura aturdese e padece a incerteza de qual é o melhor caminho para o auto encontro, passo inicial para a auto iluminação.

Não pode haver um comportamento equilibrado se nos painéis da psique as informações emocionais não se encontram estabelecidas sob o comando e a inspiração dos anseios elevados e pacificadores.

Toda vez quando surge um conflito que se expressa em forma de aflição e de insegurança emocional, torna-se necessário o enfrentamento lógico e frontal com este, de modo que possa libertar-se mediante o uso da razão e do ajustamento psicológico que se fazem necessários.

São distúrbios dessa natureza que empurram para o vício, para a dependência de drogas aditivas, para a dissimulação e as fugas da realidade com transferência de responsabilidade para os outros.

O paciente, nesse caso, assume a atitude infeliz e acredita que tudo quanto lhe ocorre é resultado da antipatia que os outros lhe demonstram, refugiando-se nos escuros porões da comodidade, não envidando esforços para a luta que deve ser travada, a princípio mentalmente, diluindo as desculpas e justificativas pelo estado mórbido que o possui, para logo iniciar o esforço de compartilhar das atividades no grupo social, ajustando-se e modificando a óptica de observação dos fatos.

Apoiando-se, porém, no bastão da indiferença pela situação em que moureja, permanece em lamentável postura que pretende transformar em arma de acusação contra as demais pessoas.

Nesses pacientes, não surge o sentimento da gratidão que é sempre espontâneo, porquanto se acreditam vítimas indefesas da sociedade e, como efeito, agasalham ressentimento e amargura que mais os desajustam.

Os conflitos existenciais fazem parte do processo de evolução, porque, à medida que se vai abandonando uma faixa de experiência, conduz-se todo o material que foi armazenado, seja ele de qual conteúdo se revista.

Como a aprendizagem de novos hábitos é lenta e a superação dos atavismos perturbadores exige coragem, determinação e insistência, na fase inicial da luta apresenta-se como tentativas de acerto e de erro até que se definam as características que passam a alterar a conduta, dando lugar a novos cometimentos.

Somente uma atitude racional e grande equilíbrio emocional para se ter a coragem de reconhecer as próprias deficiências que resultam do processo evolutivo, aliás perfeitamente normais durante o seu trânsito no rumo do desenvolvimento psíquico e psicológico.

Narra-se, e tornou-se muito conhecida com variações, embora com o mesmo conteúdo, a história de um monge budista que rumava na direção do monastério acompanhado por alguns dos seus discípulos, quando, passando por uma ponte, viram um escorpião que estava sendo arrastado pela correnteza na qual se debatia, afogando-se.

O monge, apiedado, correu pela margem do rio, introduziu a mão na água e retirou-o da morte certa.

Alegre por havê-lo salvado da situação, quando o trazia para o solo, o escorpião picou-o, produzindo-lhe uma grande dor, que o fez derrubá-lo novamente nas águas...

Nesse momento, o monge correu e, tomando um pedaço de madeira, novamente se adentrou nas águas e retirou-o, salvando-o.


Retornou ao caminho em silêncio após o seu gesto nobre, quando um dos discípulos, surpreendido pela ocorrência, indagou-o:

— Mestre, penso que o senhor não se encontra bem.

A sua tentativa de salvar esse aracnídeo nojento e perverso, que lhe agradeceu o gesto nobre com uma picada dolorosa, redundou inútil e perniciosa para o senhor.

Não seria natural que o deixasse morrer, em vez de intentar por segunda vez salvá-lo, correndo novamente o mesmo risco?


O monge escutou com suave sorriso na face e respondeu com bondade:

— Ele agiu conforme a sua natureza, enquanto eu procedi conforme a minha.

Ele reagiu por instinto, defendendo-se mediante a agressão, e eu agi de acordo com o meu sentimento de amor por tudo e por todos...

Encontramos nessa historieta a superação dos conflitos tormentosos sem nenhuma tentativa de fuga psicológica para transferir responsabilidade.

A emoção consciente da sua realidade é sempre lógica e nobre, contribuindo em favor da ordem e do dever.

Não se escusa, não se justifica, não transfere as atividades que lhe dizem respeito para os outros, contribuindo em favor do bem onde quer que se faça necessário.

Tampouco se inquieta com a ingratidão, porque reconhece que cada ser se movimenta no nível de consciência e de discernimento que lhe é próprio.

Existem aqueles que, por um bom período da vida somente esperam receber, fruir, desfrutar dos favores de todos sem o mínimo compromisso com a retribuição ou com o bem-estar geral.

Desde que se sintam atendidos e fisiologicamente satisfeitos, tudo se encontra bem.

Ainda permanecem no período egocêntrico da evolução psicológica, agindo conforme a sua natureza.

A ingratidão é-lhes uma característica definidora do comportamento, fazendo que sempre exijam e projetando a imagem de que as demais pessoas estão equivocadas, quando não fogem para a postura do martírio, a fim de inspirarem compaixão, provocando conflitos de culpa nos demais.

A gratidão constitui bênção de amadurecimento psicológico que felicita o Espírito, facultando-lhe ampliar os sentimentos de amor e de compaixão, porque reconhece todos os bens de que desfruta, mesmo quando alguma circunstância menos feliz se apresenta.

Não se expressa apenas quando tudo transcorre bem e comodamente.

Mas especialmente quando o testemunho e a dor se apresentam convidando à reflexão.

A vida é, sem dúvida, um hino de gratidão a Deus em todas as suas expressões.


AUTORREALIZAÇÃO E PAZ

A verdadeira paz é adquirida mediante o logro da autor realização, coroamento do processo de autoconhecimento e de conduta dentro dos padrões do dever, que resulta em verdadeiro prazer.

Somente o amadurecimento psicológico pode conduzir o indivíduo com segurança no esforço do auto aprimoramento.

As heranças de que se faz portador, em razão do período de inconsciência e, mais tarde, da predominância dos instintos sobre a razão, encarregam-se de retardar o discernimento, levando-o a mais reagir do que a agir, a mais atender ao egoísmo do que ao altruísmo, envilecendo-se antes que se sublimando, mediante as disciplinas naturais que promovem os ideais de beleza, de elevação e de paz.

Não faltam exemplos típicos de autor realização, que independe de posição social relevante, de posses expressivas, de conquista universitária, de grandes destaques.

E um estado interior de satisfação e de confiança nas possibilidades de que se dispõe e estão sempre sendo colocadas a serviço do melhor.

Certa senhora, narra-se, necessitava de uma faxineira e recebeu de uma amiga a recomendação de uma pessoa credora de confiança e portadora de excelentes qualidades.

Contratando-a, por telefone, assinalou o dia e a hora em que ela deveria vir ao seu lar para iniciar o serviço.

Quando a viu, ficou surpresa, notando que era bastante jovem, muito bem-vestida e viera no seu próprio automóvel.

Explicou-lhe os deveres que lhe cabiam e autorizou-a a realizá-los.

A jovem, com desenvoltura, tudo executou com esmero até a conclusão da limpeza.

Ao terminá-la, a auxiliar pediu-lhe licença para fazer uma ligação telefônica, no que foi atendida.

O diálogo foi rápido e claro.


A jovem perguntou:
— A senhora está necessitando de uma faxineira? E a outra pessoa respondeu:

— Não, eu já tenho uma.

— Eu, porém, sou muita boa, cuidadosa e posso fazer um preço muito acessível.

— Agradeço, porém, já tenho uma com esses requisitos.

— Insisto, porque não apenas cuido da limpeza, mas também aspiro, lavo, encero e tiro o lixo, deixando os banheiros brilhantes como ninguém o faz, assim como a louça muito bem-cuidada e arrumada...

— Infelizmente não necessito, porque a minha faxineira é excelente e faz tudo isso.


Assim que ela desligou, a nova patroa disse-lhe penalizada:

— Ouvi a conversa e lamento que você perdeu uma nova cliente...

— Não, senhora! - respondeu a faxineira.

— Eu sou a faxineira dela e estava somente fazendo um teste de avaliação, de como é visto o meu trabalho, o qual me proporciona uma grande satisfação.

Na busca da autor realização, todo serviço é digno e relevante, de acordo com o devotamento com o qual é executado.

Enquanto vigerem no ser humano a presunção e a falsa consciência de superioridade por qualquer ocorrência que aparentemente o projete na sociedade, o brilho da situação confortável dificilmente lhe concederá paz interior, porque a sombra estará predominando no seu comportamento.

Quando não se é capaz de reconhecer a transitoriedade das circunstâncias e a fragilidade orgânica na qual o Espírito viaja no processo evolutivo, os conflitos estabelecem-se, apresentando-se disfarçados de falsos triunfos e de preconceitos mórbidos.

Allan Kardec, 3 num oportuno estudo sobre os vários períodos da evolução da sociedade, após examinar o poder responsável pelo controle do grupo social, considerou que a primeira etapa desse fenômeno foi de ordem patriarcal, pela natural força moral do chefe do clã, ainda numa fase de predominância dos instintos.

Logo depois, a força do grupo elegeu aquele portador de mais resistência e mesmo poder de luta, surgindo o controle político e social mediante a autoridade da força bruta, assim se estabelecendo uma segunda aristocracia.

Os poderosos, em razão dos recursos que possuíam naturalmente os passavam para os seus descendentes, incluindo a autoridade de que se encontravam revestidos.

Normalmente, os débeis sempre se deixam conduzir por esses mais audaciosos, submetendo-se aos que sucedem aos transitórios governantes, dando surgimento a uma terceira classe, que foi denominada como aristocracia do nascimento.

As ambições e desmandos disso decorrentes culminaram no direito divino dos reis, tornando-os respeitados e temidos. 3- Obras póstumas, Allan Kardec, 11.

Ed. FEB. Repetimos o tema das aristocracias por considerarmos próprio de mais análise no subitem deste mesmo capítulo.

Se nos recordarmos de Júlio César, por exemplo, o grande conquistador e extraordinário escritor latino, observamos que a sua obsessão pelo poder fez que se autoproclamasse como Augusto, portanto divino, apesar de sua fragilidade orgânica e dos seus conflitos de vária ordem, que transmitiria o título a outros títeres, não menos insanos, do fabuloso império romano...

A evolução cultural e ética da sociedade a pouco e pouco desmontou a arbitrária máquina do poder aristocrático do berço, demonstrando que em todas as classes o ser humano pode atingir culminâncias, tornando-se digno e poderoso mediante o esforço e o conhecimento, nascendo então a potência do dinheiro, porquanto através dele se podem conseguir servidores, áulicos, bajuladores, soldados, ao lado das coisas que satisfazem as necessidades emocionais e os tormentos psicológicos.

Logo se manifestaram os valores defluentes da inteligência, do idealismo que removeram tronos e retiraram os dominadores perversos, abrindo espaços para uma nova aristocracia, que se tornaria resultado da união da inteligência e da moralidade, surgindo aquela que ficou denominada pelo Codificador do espiritismo como a intelecto-moral.

Essa condição, na qual se reúnem os legítimos valores da evolução, naturalmente conduz à autor realização e, em consequência, à paz.

As grandiosas aquisições das leis que já fomentam o respeito pelos direitos do próximo atestam o desenvolvimento da sociedade que avança na direção da plenificação dos seus membros.

Certamente, ainda predominam povos na atualidade que se encontram sob a governança infeliz de títeres violentos que estabelecem suas próprias leis e tornam legais o crime hediondo, o furto e o roubo por eles perpetrados, a perseguição infeliz aos inimigos, às raças e etnias que denominam como inferiores...

Por mais, no entanto, que se detenham no poder, conforme a História tem demonstrado, passam, deixando a sua marca de selvageria, que fica apagada ante os novos condutores dos destinos daqueles mesmos povos antes submetidos à crueldade, então avançando no rumo das conquistas éticas da civilização que nunca para.

As guerras, que são decorrência da usura e da presunção desses infelizes pigmeus que se acreditam gigantes, logo cessam com o saldo terrível de sofrimentos que são impostos, e a consciência social que renasce abomina aqueles abutres humanos, ambicionando pela paz e pela solidariedade com todas as demais culturas e valores humanos respeitados.

Tal ocorrência assim tem lugar porque a marcha do progresso é ascendente, e ninguém, força alguma pode deter, embora ainda permaneçam alguns bolsões de ignorância e de atraso moral, que o amor e o conhecimento conseguirão iluminar no momento próprio que nunca tarda.

O processo de crescimento em relação à própria plenitude é impostergável e dele ninguém se evade.

Serão sinais demonstrativos da sua presença, quando surgirem os primeiros vagidos de compaixão e de ternura, de amizade desinteressada e o desejo de retribuição.




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