Estudos Espíritas

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CAPÍTULO 12

SOLIDARIEDADE

CONCEITO - A impostergável necessidade de defender-se das intempéries, no meio hostil da Natureza em que se viu constrangido a viver, fez que o homem primitivo buscasse as cavernas, nelas encontrando o refúgio para preservação da existência. Diante das dificuldades da manutenção da vida orgânica, na incessante busca de alimento, vendo-se obrigado a competir com os animais de grande porte e vigorosa ferocidade, acoimado, igualmente, pelo instinto gregário buscou ligar-se aos demais homens, nascendo disso a aglutinação tribal. Perseguido, porém, por outros grupos agitados no desconcerto do instinto, sentiu a urgente e imperiosa força para a união a fim de suportar em conjunto as constrições externas que lhe impunham pungentes agonias.

Passando ao período agrário, o labor coletivo se lhe impôs a benefício de todos.

A contribuição do grupo nos diversos setores da ação tornou-se base para o êxito da comunidade como condição de prosperidade geral.


O progresso incessante engendrou a máquina das necessidades e, ante ela, a usurpação dos fortes fomentou a dependência, quando não a miséria dos fracos. A

"exploração do homem pelo homem" em escala cada vez mais avassaladora, motivada também pelas guerras de conquistas, se encarregou de espalhar nas grandes massas o abandono e o desassossego.

A chamada era tecnológica, a seu turno, longe de resolver o impasse tornou-o mais violento, e a população crescente em todos os pontos do Globo fez que eclodissem as múltiplas necessidades humanas, avassaladoramente. O desinteresse dos governos arbitrários e autocratas, ao lado da negligência dos poderosos, resultante da sua consciente dominação, ampliou consideravelmente a ruína das multidões que, com suas misérias, passaram a constituir impressionante mole humana em escarmento da própria sociedade, que erigiu um monumento de ouro com teto de cultura sobre o pântano das lágrimas e das enfermidades, da desnutrição e do desespero de centenas de milhões de outros seres.

A Terra do superconforto de alguns poucos transformou-se inesperadamente n "vale de lágrimas" de quase todos. No entanto, é um jardim-escola de bênçãos oferecido pelo Pai à criatura, que até então não tem sabido valorizar devidamente o património exuberante da oportunidade evolutiva, nem os recursos sublimantes de que se utiliza na contínua faina do progredir.

Legatário dos seus esforços o homem compromete-se para ressarcir, aprimorando-se paulatinamente através dos recursos do sofrimento, o pesado tributo de dor e sombra, a que milenarmente se encontra vinculado, descobrindo só a pouco e pouco as fímbrias de luz da solidariedade, mediante a qual se liberta do jugo opressor da posse, ensaiando, então, os passos primeiros na enobrecida arte de amar.


O homem, quando cresce emocionalmente, experimenta de imediato o sôfrego desejo de ajudar, com o enobrecimento de quem se faz ajudado. A solidariedade é, desse modo, um compromisso interior assumido livre e espontaneamente, mediante o qual as pessoas se comprometem a ajudar-se reciprocamente na efetivação de esforços:

"todos por um e um por todos".

O espírito solidário empreende o salutar dever de edificar-se mediante a construção do bem geral, fomentando a distribuição equânime dos recursos, estimulado pelos resultados eficientes do progresso comum.


Antítese do egoísmo, estrénuo adversário do homem, que o corrói por dentro, tal egoísmo fomenta a hecatombe da coletividade, asfixiando todos os ideais de vida, dificultando o desenvolvimento das Artes e da Cultura, da Ciência e da Técnica por encontrar campo fértil onde grassam os ingredientes da ignorância com que se compraz

—a solidariedade constitui-se dínamo da ação bem dirigida, líder da operosidade valiosa, impulsionador dos avanços morais e intelectuais das comunidades que a estimulam.

DESENVOLVIMENTO - Não obstante a farta messe de luz do Cristianismo nascente, a sociedade romana, então dominante, não se encontrava preparada para agasalhar na sua cultura em decadência o acervo dos outros povos, nem para dirigir as imensas massas que se lhe tornaram escravas, após as guerras lamentáveis, incessantes e impiedosas. O homem, reduzido à condição de alimária pelas sucessivas constrições morais e sociais a que se via submetido, oscilava nas dúbias condições de dominador ou dominado, nunca, porém, na condição de ser deveras livre e independente, responsável pelo seu crescimento, capaz de gerir a própria vida, sem os excessos deste ou daquele porte. Os valores filosóficos que eram absorvidos pelo dominador ficavam esmagados pelas armas e pela subcultura do mandatário temporário, repontando, a medo, sem fixação ideológica, através dos "pedagogos" em régime de cativeiro, património das classes privilegiadas a sobrenadarem no poder.

O Cristianismo, sobejando as fortunas do amor, situava desde as primeiras horas a validade do impositivo fraternal, exteriorizando-se como manifestarão de solidariedade, constituindo-se o "Colégio Galileu" a mais perfeita comunidade-padrão para as coletividades do futuro.

Roma, porém, absorvendo as lições empolgantes e clarificadoras de Jesus, impôs-se à força e com a arma dos preconceitos, mesclando com a chã idolatria a rapinagem tradicional e a ritualística que desvia a atenção da realidade para a aparência, a pureza da Doutrina cristã, fazendo nascer um sincretismo pagão-cristão, em prejuízo do homem mesmo, em si e na sociedade, que continuaram, embora a nova fé, divididos em castas de dominadores e dominados, agora nas mãos da política religiosa, dirigente tão impiedosa quanto a governamental, senão com frequência mais inditosa.

A Idade Média encarregou-se de esmagar toda e qualquer iniciativa libertadora e, durante ela, o Feudalismo manteve o poder dos nobres em detrimento do povo, fazendo que a nobreza se transformasse no centro, em torno do qual se reuniam subservientemente os diversos Estados feudais. Engendrada e mantida a máquina arbitrária da usurpação do poder, somente aos nobres se permitiam direitos, ficando os demais homens submetidos à condição servil e plebeia, nas quais a liberdade não passava de irrisório sonho.

As Cruzadas se encarregaram de modificar a situação política na quase totalidade da Europa, constrangendo muitos senhores feudais a deixarem as prerrogativas que desfrutavam para armar-se e investirem contra o território pagão na defesa da Tumba Vazia do Cristo, com a consequente rapinagem dos bens orientais, considerados, então, os mais fabulosos tesouros do mundo... Animados mais pela cobiça do que pela fé, os cruzados tornaram-se móveis indiretos do destroçamento do nefando regime feudal. Ao lado disso, a instituição dos exércitos permanentes e os direitos cedidos à realeza, pelo Clero, foram-se encarregando de retomar aos senhores de territórios o poder de que dispunham...

Logo depois da Renascença, com os estudos do Direito Romano e a consequente difusão da técnica de "centralização administrativa", fizeram que se desagregassem as bases remanescentes do vândalo regime. No entanto, o homem continuou joguete fácil no emaranhado das mudanças políticas e administrativas sem o reconhecimento dos seus direitos individuais e as classes "menos favorecidas", esbulhadas sempre nas suas aspirações, permaneciam proibidas de crescer e libertar-se.

à Revolução Francesa, que eclodiu com as últimas luzes do século XVIII, coube a indeclinável tarefa de, em derrubando a Casa dos Bourbons, abrir horizontes novos à justiça, e, enquanto a liberdade se implantava sob caudais de sangue, a fraternidade fomentava o período do "terror" e a igualdade enlouquecia, as serenas páginas da História recebiam a inscrição débil, a princípio, dos "direitos do homem", constituindo essa vitória uma das mais altas conquistas sociais dos últimos séculos.

As lutas de classes e as investidas constantes da cultura social no século XIX e no presente impuseram como decorrência natural a aplicação dos códigos soberanos da solidariedade para a sobrevivência digna do ser e da comunidade a que pertence.

Os avanços tecnológicos e os investimentos culturais, exigindo o trabalho em equipe, vêm, por fim, disciplinando o homem para a solidariedade, meio eficaz de manter a dignidade, resistindo à avalancha dos desesperos que o sitiam por toda parte e parecem quase esmagá-lo.

Concomitantemente, o surgimento das Entidades filantrópicas, Clubes sociais e recreativos de caráter popular, onde os excessos opressivos funcionam em descargas, no comportamento, por meio dessas válvulas de escape, para manutenção do equilíbrio emocional, concitam o homem a ajudar o homem, mesmo que o fazendo mediante o consórcio da indiferença afetiva com as migalhas do excesso, dirigidas a benefício da comunidade que sofre. Organizações poderosas levantam-se hoje pelo Mundo buscando oferecer auxílio aos povos menos favorecidos, vigiando a própria sobrevivência, pois que, se alguém tomba, com ele tomba a Humanidade, e vice-versa.

SOLIDARIEDADE E ESPIRITISMO - Sendo o Espiritismo a Doutrina da Caridade e do esclarecimento por excelência, a solidariedade é a primeira iniciativa que o homem promove para atingir aquele ideal de auxílio superior. Cultivando o intercâmbio entre os dois mundos, o Espiritismo mantém entre os seus discípulos o ideal da ajuda mútua, desde que, inspirados pelos Espíritos, os homens se encontram irmanados e imanados uns aos outros pelos liames do pretérito e através das aspirações do futuro.

Centralizando suas afirmações nas "leis de Causa e Efeito", mediante as quais se podem compreender as diferenças humanas, sociais e morais das criaturas, torna-se alavanca de propulsão do serviço pelo bem recíproco, estimulando o labor no grupo social, sem desprestígio para o homem como célula individual.

Doutrina dos Espíritos, em sua generalidade abençoada, é conjunto orquestral a modular divina sinfonia, na qual o solista é apenas Jesus, e somente Ele, o Sublime Autor e Regente da partitura superior da vida, no orbe terreno.

Nesse conjunto de harmonias, que são as lições preciosas que difunde, o homem não se pode ensoberbecer, marchando a aos, na aventura perigosa e egoistica da dominação, por destacar-se negativamente no grupo. Seria, assim, semelhante a um cantor que, pretendendo apresentar o mavioso da sua voz, se fizesse distinguir no coral, produzindo imediato e chocante prejuízo na homogeneidade musical.

Sentindo a dor do próximo como sua própria dor e a queda do irmão como desfalecimento da sua aspiração, o espírita se renova, renovando, também, e não descoroçoa quando estão em jogo os interesses de todos, mesmo que em detrimento do próprio interesse. A solidariedade que o vitaliza faz-se-lhe a alma das aspirações e engrandece-se pelo método de fazer-se móvel do progresso da comunidade, que se liberta, então, a penates, é certo, porém, com segurança, do jugo do egoísmo e do despotismo do orgulho.


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"De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso "Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos. " 799.) (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questã "O Espiritismo dilata o pensamento e lhe rasga horizontes novos. Em vez dessa visão, acanhada e mêsquinha, que o concentra na vida atual, que faz do instante que vivemos na Terra único e frágil eixo do porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que essa vida não passa de um elo no harmonioso e magnifico conjunto da obra do Criador. Mostra a solidariedade que conjuga todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Faculta assim uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da alma por ocasião do nascimento de cada corpo torna estranhos uns aos outros todos os seres. Essa solidariedade entre as partes de um mesmo todo explica o que inexplicável se apresenta, desde que se considere apenas um ponto. " (O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec, cap. II, item 7.)


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