Sementeira da Fraternidade
Versão para cópiaSANTUÁRIO MATERNO
Eu era pequenina e louçã.
Você, estuante de vigor me tomava pelas mãos, que mil vezes às suas uniram para o poema da oração, e me conduzia pelo bosque festivo da vida, cantando aos meus ouvidos musicados pela sinfonia da Natureza as gloriosas mensagens do existir.
As primaveras se sucediam e quase não percebíamos o passar das festas das Estações...
Ainda me recordo das suas narrativas comoventes a respeito de um Nascimento Sublime, quando nos sentávamos entusiasmadas no chão da sala de nossa casa, armando o presépio evocativo...
Sua palavra delicada recordava a mais linda história e a mais fascinante Vida, fazendo-me estremecer cada vez, porque sempre nova e sempre bela a evocação do Natal nos seus lábios emoldurados de bondade e nos seus olhos orvalhados de lágrimas.
Quantas vezes, ao anoitecer, no seu colo, quase a dormir, você me ensinava contar as estrelas que surgiam, falando-me desses ninhos de vidas e de luzes que minhas pequenas mãos, não em poucas tentativas, buscavam alcançar?!...
Noutras oportunidades, quando comecei a compreender os sofrimentos humanos e lhe percebi na face os primeiros sulcos das agonias suportadas heroicamente, você, sorrindo, me convidava a confiar n’Ele, o Menino Divino, não me permitindo sofrer com a sua aflição.
O tempo mostrou-me a sua grandeza, através das incontáveis renúncias que você se soube impor e da resignação que lhe aureolou a fronte até a velhice consagrada ao bem.
Recordo-me de você, mamãe, e toda vibro de sadia emotividade. Pelas telas das recordações repassam todas as horas da nossa convivência, e eu me ergo em oração para agradecer a Deus a mãe que você foi para mim.
Evocando-a em toda a sua grandiosidade de quase santa que você foi, compadeço-me da maternidade ultrajada e negaceada destes dias de inquietação e tormento, deixando-me vencer por justa preocupação.
Quando ser mãe se transforma em lamentável questão de laboratório ou se converte em problema de programação racional, face a imposições financeiras e quando os anoyulatórios obstruem a porta estelar do berço, sim, compreendo que a escassez de amor, na Terra, é o fermento de dores acerbas que não tardarão...
Eu que recebi a alta concessão de poder voltar ao palco da carne através de mulher como você, rica de abnegação, bendigo-a, enquanto choro por aquelas que enlouquecem na soledade e no abandono, sem a recordação sequer de duas mãos e dois braços pequeninos, parecidos com asas que um dia lhes rociassem os corações...
Por tudo isso, junto as minhas às suas mãos imateriais e num presépio simbólico, evocativo, voltamos a orar, no Dia das Mães, pela mulher infortunada que esqueceu ou não deseja santificar a própria vida, fazendo-se santuário, transformando-se em mãe.
Amélia Rodrigues
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