Vivendo Com Jesus

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CAPÍTULO 22

Nascido Para O Reino De Deus

Não poderia ser diferente.

Aquelas gentes exaustas de sofrer, que sempre eram relegadas ao abandono como se não existissem, subitamente descobriram que a felicidade era possível de ser conquistada, encontrando-se lhes ao alcance.

Desde que o reino terrestre lhes era negado, tinham o direito de anelar por aqueloutro de natureza espiritual, o que dizia respeito aos céus.

Aquele Homem especial despertara-lhes a dignidade ultrajada, que fora esmagada pelos poderosos do mundo de tal forma que desaparecera completamente, anulando-lhes o sentido existencial, a sua realidade humana.

Haviam-no ouvido na montanha fronteiriça ao mar da Galileia, e o Seu canto penetrara-lhes os refolhos do ser, como jamais alguma coisa houvesse logrado um resultado semelhante.

A Sua voz impregnara-os de doçura, e o Seu porte altivo e nobre deslumbrara-os, porquanto permitia que todos com Ele se identificassem.

No imo do coração sabiam que Ele era aguardado como sendo a primavera gentil e perfumada após o rigoroso inverno que a tudo havia crestado.

A Sua mensagem, porém, ultrapassava tudo quanto antes pensavam. Não saberiam dizer se ouviram a voz, ou se ela já se encontrava arquivada nos arcanos da alma, sendo despertada à suave brisa da musicalidade que Lhe escapava dos lábios.

A verdade é que nunca mais seriam os mesmos.

Ficaram impressos nos painéis espirituais aqueles momentos incomparáveis: a Natureza em festa, a Canção imortal, a esperança do futuro ditoso.

Cafarnaum era um centro de negócios e confabulações muito importantes. Entre as grandes conquistas logradas, possuía uma sinagoga, uma alfândega e um quartel com respectiva guarnição de soldados, ficando muito bem situada entre a Estrada do Mar (Via Mares) e Cesareia Marítima, próxima a Betsaida e Corazim, ao norte de Tiberíades.

A sua sinagoga estava sempre referta para os ofícios tradicionais aos sábados, e a vida transcorria dentro dos padrões vigentes até Ele surgir na praia, na praça e nas tascas onde dialogava com os infelizes, aqueles que haviam sido expulsos da convivência com as pessoas denominadas sadias...

Sabia-se que Ele hospedava-se na casa de Simão, filho de lonas, também pescador como seu pai, seu avô, seus ancestrais...

Naqueles dias todos davam prosseguimento às profissões dos seus antepassados.

Ignorava-se de onde Ele viera, embora houvesse comentários em torno da Sua procedência, o que, afinal, não era importante. O que realmente interessava é que aquele Homem singular modificara completamente os hábitos da cidade, os anseios das pessoas, não deixando ninguém indiferente à Sua presença.

Nas tardes formosas, quando a Natureza suspirava o hálito gentil do crepúsculo, na barca de Simão ou na praça do mercado, Ele aparecia e enunciava ditos que nunca foram pronunciados anteriormente. A Sua voz era calma e doce, porém penetrante como um bálsamo delicado, não permitindo que pessoa alguma permanecesse indiferente. Os comentários faziam-se imediatos, e a curiosidade era sempre crescente em torno dele e dos Seus ensinamentos.

O número de pessoas excluídas da sociedade era expressivo anteriormente, porém, depois que Ele apareceu na cidade, houve um aumento bem significativo, porque as aldeias próximas, e mesmo algumas outras cidades mais distantes, tomando conhecimento dos Seus dons e dos Seus feitos, enviavam os seus réprobos e miseráveis, que para lá acorriam em busca de recuperação, de amparo... E a ninguém Ele deixava de socorrer!

Miqueias ben Malaquias era portador de epilepsia.

Toda a sua existência de mais de cinco lustros fora assinalada pelas convulsões em que babava sangue e estorcegava. Considerado incurável e louco, fora deixado à míngua em casebre miserável, exposto a todo tipo de descaso e sofrimento.

Nos seus momentos de lucidez, ele percorria as ruas mendigando, ou fazendo favores que eram recompensados com as migalhas alimentares com as quais sobrevivia.

Também era tido como portador de demônios, tal a força cruel que o submetia durante as crises diárias do seu infortúnio.

Quase todas as pessoas conheciam-no, e, já acostumadas ao seu fadário, nem sequer compadeciam-se da sua desdita.

Vencido pela enfermidade perversa, praticamente perdera o contato com a realidade objetiva, deixando-se arrastar pelo atordoamento e o abandono de si mesmo, na condição de monturo humano, tal o desleixo e a sujeira em que tombara, e nela permanecia.

Numa das tardes opulentas de luz cambiante no crepúsculo de fogo, após os comentários que eram acompanhados pelos grupos que se formavam a Sua volta, estava presente Miqueias, levado pelos ventos vergastadores do sofrimento.

Ele atendia bondosamente aqueles que se Lhe acercavam, quando o padecente tombou ruidosamente sobre os calcanhares e caiu nas areias da praia, contorcendo-se em agitação infrene.

A face congestionada, a sudorese abundante na palidez mortuária que o tomou, ele produzia ruídos estranhos entre os dentes cerrados nos lábios arroxeados, que logo se adornaram de espuma como rajas de sangue. Os olhos estavam quase fora das órbitas, e o seu sofrimento era confrangedor.


O Mestre acercou-se ante o grupo, que se afastou assustado e com medo e, abaixando-se, pareceu envolvido por uma peregrina luz que mais O embelezava, pondo-se a falar lhe, a princípio docemente, para logo depois com energia e sonoridade:

— Espírito imundo, por que afliges o teu irmão de maneira desnaturada?


Rebolcando-se sobre si mesmo, o enfermo estrugiu uma terrível gargalhada que mais atemorizou os circunstantes, enquanto redarguiu, zombeteiro:
— Ah! que temos contigo, Jesus Nazareno? (Marcos 1:24 - nota da Autora espiritual)

— Que tens tu comigo? O meu caso é com ele e não contigo. O miserável infelicitou-me, e agora lhe cobro o Mal que me fez e que prossegue realizando, porque sou profundamente desgraçado...

— Eu tenho contigo o compromisso do amor e da compaixão. O Mal que lhe fazes, a mim estás a fazer, por isso temos um problema a resolver que não posso adiar.

— Não te envolvas com esse desditoso! — Rugiu o vingador, contorcendo-o mais.

— Afasta-te dele, eu te ordeno, e não lhe faças mais nenhum Mal. Somente o Pai é a Justiça perfeita, e todos aqueles que a pretendem aplicar em nome da vingança tornam-se réus do mesmo crime. Perdoando-o pelo Mal que te infligiu, estarás perdoado também pelos anos de saúde e paz que lhe roubaste, pelos males que lhe impuseste...

— Não o posso abandonar... Deixa-me com ele, para nutrir-me...

E o paciente começou a chorar de maneira estranha.

— Ninguém tem o direito de vampirizar as forças do seu irmão, sob pretexto algum. Vai-te dele, e meu Pai te nutrirá.


Tocando a cabeça do enfermo que se debatia dolorosamente na areia, Jesus determinou:

— Vai em paz. Os teus pecados serão perdoados, porque és profundamente infeliz, agindo sem compreender a razão salvador a do amor.

O paciente estremeceu, agitou-se, e o espírito impuro abandonou-o...

O grupo assustado olhou o obsesso que se levantou ainda aturdido, amparado pela misericórdia do Mestre que lhe distendeu a mão em apoio, os olhos tornaram-se brilhantes, e o rosto asserenou-se.

Miqueias ben Malaquias afastou-se dali caminhando vagarosamente, nascido de novo, agora para o Reino de Deus...

A noite suave desceu salpicada de estrelas, e as pessoas demandaram os seus lares, mudas de assombro e de alegria.




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Marcos 1:24

Ah! que temos contigo, Jesus nazareno? Vieste destruir-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus.

mc 1:24
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