Sabedoria do Evangelho - Volume 3

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CAPÍTULO 34

O PÃO DA VIDA - PARTE II - MOTIVAÇÃO

JO 6:26-34


26. Respondeu-lhes Jesus e disse: "Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais não porque vistes demonstrações, mas porque comestes dos pães e vos saciastes.


27. Trabalhai não pelo alimento transitório, mas pelo alimento estável para a vida imanente, que vos dará o filho do homem, pois o Pai o confirmou".


28. Eles lhe perguntaram: "Que faremos para realizar as obras de Deus"?


29. Respondeu Jesus e lhes disse: "Esta é a obra de Deus, que acrediteis naquele que ele enviou".


30. Perguntaram-lhe então: "Que demonstrações fazes para que as vejamos e acreditemos em ti? Que realizas tu?


31. Nossos pais comeram o maná no deserto, como foi escrito: "Deu-lhes a comer o pão do céu".


32. Replicou-lhes então Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés que vos deu o pão do céu: mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu,


33. porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo".


34. "Disseram-lhe então: "Senhor, dá-nos sempre esse pão".

A aula teórica que Jesus dá sobre o Pão da Vida, e que constitui uma parte de seu "ensino" (de seu lógos), é uma explicação da aula prático-experimental que foi a multiplicação dos pães e peixes. Trecho dos mais profundos que o Evangelho nos conservou.

Estudá-lo-emos cuidadosamente, dando os comentários linguísticos primeiro, e a seguir a interpretação impressa em grifo. Veremos cada versículo separadamente, porque cada palavra é importante.


26. "Respondeu" (apekríthe) é fórmula genérica no sentido de "tomou a palavra" ou "prosseguiu". A repetição "em verdade, em verdade" traduz a locução hebraica amén amén (transliterada no grego) e exprime uma espécie de juramento sobre a veracidade do que é afirmado, uma "afirmativa categórica" (ver vol. 1). Traduzimos sêmeia por "demonstrações" (ver vol. 1), que é o sentido real da palavra: "sinal, prova, demonstração", só lhe sendo atribuído o sentido de "prodígio, milagre" (tradução que lhe é dada sistematicamente nas edições comuns) quando a demonstração é fora do comum, acima do normal. Só não aceitamos essa tradução porque hoje a palavra "milagre" variou de tal forma de sentido, que passou a significar outra coisa.


27. "Trabalhai" traduz ergázesthe, no sentido de "esforçar-se ou trabalhar com esforço, arduamente".

O "alimento" recebe dois adjetivos opostos: "transitório" (apolluménen, "que perece") e "estável" (menousan, "que permanece"). São dois particípios presentes com valor adjetivo, "Vida imanente" é zôê aiônos, que estudamos exaustivamente no vol. 2. "Que vos dá" (presente dídôsin segundo os mss. aleph e D) repetido no vers. 32. O sentido de "filho do homem" foi estudado no vol. 1. Traduzimos" o Pai confirmou", sentido do verbo esphrágisen, que também pode significar "selar, marcar com selo" ou "carimbar", depois que se aprova ou confirma o documento.


28/30 "Obra" é a tradução de érgon, que exprime um trabalho realizado, isto é, produzido pelo esforço da criatura. Daí termos traduzido o verbo ergázomai como "realizar", no sentido de "produzir". O verbo "confiar. crer, acreditar" é pistéuô, donde o substantivo pístis, "confiança, fé".

#fonte 31 O verbo "comer" apresenta neste trecho dois sinônimos gregos: esthíô (no qual alguns tempos tomam as formas do defectivo phágomai) e que tem o sentido normal de "comer"; e trôgô que é mais especialmente empregado com o significado de "comer alimentos crus", ou "regalar-se com acepipes"; preferimos, para distinguir em português os dois sinônimos, traduzir o primeiro por "comer" e o segundo por "saborear ". O "maná", palavra hebraica, formado de man’hu, que significa "que é isto"?, é a denominação dada ao "pão que caiu do céu" no deserto (cfr. EX 16:4, EX 16:8, EX 16:12-15). A expressão" pão do céu" só poderia ser fielmente traduzida por uma perífrase: "pão VINDO do céu", já que o grego ho ártos ek toú ouranoú dá o ponto de partida (latim em ablativo) e não a qualidade (do céu = celeste, que seria dado em latim pelo genitivo). É indispensável fixar bem na mente esse pormenor, para que não haja confusão de sentido: quando se ler "pão do céu", entenda-se sempre" pão VINDO do céu".


32. "Verdadeiro" aqui é tradução de alêthinón, adjetivo.


33. "Dar vida" é o grego zôén didoús. "Descer do céu" é katabaínô, que se opõe a anabaínô, "subir".

Aqui começa mais precisamente a aula teórica, o "ensino (tòn lógon, vers.
60) de Jesus, a respeito do Pão da Vida, um dos mais importantes e profundos textos dos Evangelhos. Examinemos atentamente cada frase, acompanhando o desenvolvimento didático, com todas as suas oportunas repetições esclarecedoras.

Aproveitando-se da busca ansiosa que Dele fizeram os que se haviam saciado com os pães e peixes, salienta que era para isso que O procuravam: para ter garantido o sustento sem trabalhar; e não por causa da demonstração prática que lhes dera, como antecipação da explicação que agora seria dada de Sua doutrina da unificação da criatura com o Criador.


27. Jesus começa esclarecendo que há duas espécies de alimento: o que refocila temporariamente apenas o corpo perecível, e que portanto é transitório (porque "perece": brôsin apolluménen) e o que sustenta perenemente o espírito, e portanto é estável (porque "permanece": brósin ménousan). Este segundo dá vida, não por acréscimo exterior, mas por crescimento interior: é a "Vida Imanente" de união com o Pai que habita em todos. Os dois alimentos, representados figurativamente pelo pão comum (que os antigos "comeram" no deserto, mas apesar disso "morreram") e pelo Pão "sobressubstancial" (MT 6:11; ver. vol. 2).

E é este Pão, afirma o Mestre em Sua aula magistral, que nos será dado pelo "filho do homem", isto é, pela Individualidade já evoluída, e portanto desperta e vigilante, porque a este (filho do homem) o Pai já "confirmou", isto é, "já lhe colocou Seu Selo" (esphrágisen) com a unificação do Encontro Místico.

Justamente por este segundo alimento estável é que precisamos "trabalhar com esforço", e não pelo pão comum e transitório, que nutre por algumas horas o corpo perecível.


28. Os ouvintes idagam "que fazer para realizar as obras de Deus". A pergunta que, em português, parece não condizer com a explicação anterior, tem perfeita consonância no original grego, pois é repetido o mesmo verbo empregado por Jesus (ergázomai), com seu objeto da mesma raiz (ergaz ômetha tà érga), tanto que a tradução literal é "que faremos para trabalhar os trabalhos de Deus"?


29. A resposta é simples e pouco exigente: para realizar as obras de Deus, basta confiar (crer) naquele que foi enviado à Terra pelo Pai. E deixa entrever que o "Enviado do Pai" é exatamente Ele, o Cristo, que estava então a falar através da personalidade de Jesus. O Cristo Cósmico, teceira manifestação divina, o Filho (o Amado) que proveio do Pai, foi enviado à Terra e habita em todos.

Confiando em Sua voz silenciosa no âmago de nosso ser, nós "realizaremos as obras de Deus".


30. Diante dessa afirmativa solene, e sem perceber que não era a personalidade de Jesus que falava, indagam qual a prova que Ele pode dar, a fim de confirmar Sua missão de Embaixador. Querem uma "demonstração"; teriam esquecido a maravilhosa comprovação realizada havia menos de vinte e quatro horas, na multiplicação dos pães e peixes? Eles insistem: "Que realizas" empregando o mesmo verbo ergázomai.


31. E prossegue a argumentação dos ouvintes: "Moisés deu a nossos pais o pão vindo do céu, no deserto

... está escrito"! ... Mas calam a principal razão, que já fora percebida e veladamente denunciada por Jesus: "o sustento foi dado por Moisés anos a fio, sem que ninguém precisasse "fazer força" (ergázomai) ... então, que demonstração é essa que fizeste, que apenas distribuis alimento uma vez"?


32. Jesus protesta quanto à expressão "pão vindo do céu", dizendo que esse, Moisés não havia dado: esse, o verdadeiro pão vindo do céu (é usado o adjetivo alêthinós em lugar de destaque, no fim da frase), só o Pai o dá, ninguém mais. Porque "o verdadeiro pão vindo do céu" é a Centelha Divina; o Cristo Interno ("Eu sou o Pão vivo que desci do céu") e que habita (diríamos com a deliberada ênfase de Paulo, CL 2:9) que habita corporalmente em todas as coisas.


33. Não satisfeito ainda, Jesus esclarece mais: "O Pão de Deus (não o humano), esse é o que desce do céu", e seu efeito é maravilhoso, porque "dá, vida ao mundo". Ora, está bastante claro que nossa interpretação está correta; não se trata aqui do pão vulgar de trigo (tomado apenas como símbolo), nem mesmo do pão sobressubstancial que alimenta o Espírito; mas de algo mais profundo, daquilo que realmente DÁ VIDA ao mundo. Se, no mundo, a vida é dada pelo "Pão descido do céu"; se, no mundo, a vida é dada pela Centelha Divina, que é a substância última de todas as coisas; então podemos corretamente concluir que o "’Pão descido do céu"’ é a Centelha Divina, o Cristo Interno, que provém diretamente do Pai, que nasce de Deus, e portanto "vem do céu".

Concorda com isso o que ensina Agostinho (Confissões, 10, 28, 39): Cum inhaésero tibi ex omni me...

VIVA erit vita mea, tota plena de te, ou seja: "Quando eu aderir a ti com todo o meu eu... minha vida será VIVA, toda cheia de ti". (Cfr Salmo 23:24: "Eu encho o céu e a Terra"). E, é confirmado por Tom ás de Aquino (Summa Theologica, I, q. 8, art. 3, ad primum) Deus dícitur esse in ómmbus PER ESSENTIAM: non quidem rerum quasi sit de essentia earum; sed per essentiam SUAM: quia SUBSTANTIA SUA adest ómnibus ut causa essendi, ou seja: "diz-se que Deus está em todas as coisas PELA ESSÊNCIA não, de certo, das coisas, como se fora da essência retas, mas pela Sua essência (de Deus); porque SUA SUBSTÂNCIA (de Deus) está em todas as coisas como a causa da existência".

Então, nossa conclusão está certa, confirmada por dois dos maiores luminares humanos na interpreta ção do pensamento evangélico: a VIDA DO MUNDO é o CRISTO CÓSMICO, que é, na realidade, o PÃO VIVO QUE DESCE DO CÉU, constituindo, por meio da Centelha Divina que habita em todas as coisas, a VIDA do mundo.


34. Evidentemente os ouvintes hão entenderam o esclarecimento, e repetem o mesmo pedido que fez a Samaritana (JO 4:18) da "água viva": querem recebê-lo sem esforço, com a mesma inconsciência com que uma criança pede balas... Depois de tão elevada exposição, é chocante o pedido: demonstra a total incompreensão do auditório.




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João 6:26

Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.

jo 6:26
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João 6:27

Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou.

jo 6:27
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João 6:28

Disseram-lhe pois: que faremos, para executarmos as obras de Deus?

jo 6:28
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João 6:29

Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.

jo 6:29
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João 6:30

Disseram-lhe pois: Que sinal pois fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu?

jo 6:30
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João 6:31

Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu.

jo 6:31
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João 6:32

Disse-lhes pois Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu.

jo 6:32
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João 6:33

Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.

jo 6:33
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João 6:34

Disseram-lhe pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão.

jo 6:34
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Êxodo 16:8

Disse mais Moisés: Isso será quando o Senhor à tarde vos der carne para comer, e pela manhã pão a fartar, porquanto o Senhor ouviu as vossas murmurações, com que murmurais contra ele: (porque quem somos nós?) As vossas murmurações não são contra nós, mas sim contra o Senhor.

ex 16:8
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Êxodo 16:12

Tenho ouvido as murmurações dos filhos de Israel; fala-lhes, dizendo: Entre as duas tardes comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão: e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus.

ex 16:12
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Êxodo 16:13

E aconteceu que à tarde subiram codornizes, e cobriram o arraial: e pela manhã jazia o orvalho ao redor do arraial.

ex 16:13
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Êxodo 16:14

E, alçando-se o orvalho caído, eis que sobre a face do deserto estava uma cousa miúda, redonda; miúda como a geada sobre a terra.

ex 16:14
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Êxodo 16:15

E, vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos outros: Que é isto? porque não sabiam o que era. Disse-lhes pois Moisés: Este é o pão que o Senhor vos deu para comer.

ex 16:15
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Colossenses 2:9

Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade;

cl 2:9
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João 4:18

Porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.

jo 4:18
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