Sabedoria do Evangelho - Volume 5

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CAPÍTULO 13

A ADÚLTERA

JO 8:2-11


2. De manhãzinha, veio de novo ao templo e todo o povo ia a ele; e, sentando-se, os ensinava.

3. Os escribas e fariseus conduzem uma mulher, surpreendida em adultério, colocandoa em pé no meio (de todos),

4. e disseram-lhe: "Mestre, esta mulher foi surpreendida no próprio ato de adultério.

5. Na Lei, ordenou-nos Moisés que essas sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes"?

6. Diziam isto tentando-o, para ter com que o acusar Jesus, porém, inclinando-se para a frente, escrevia uma lista na terra, com o dedo.

7. Como persistissem perguntando, ergueu-se e disse-lhes: "O (que está) puro, dentre vós, atire primeiro uma pedra".

8. E, inclinando-se para a frente, de novo escrevia na terra.

9. Ouvindo essa resposta, saíram um a um, começando pelos mais velhos até os últimos, ficando só Jesus e a mulher em pé no meio.

10. Erguendo-se, pois, Jesus perguntou: "mulher, onde estão (teus acusadores)? Ninguém te condenou"?

11. Ela respondeu: "Ninguém, Senhor". Disse Jesus: "Nem eu te condeno. Vai, e não erres mais".



Esta passagem tem sua autenticidade discutida pelos críticos.


Com efeito. vejamos:
I - É OMITIDA:

a) nos CÓDICES: aleph (Sinaítico) IV séc,. Londres; B (Vaticano, grego 1
209) IV séc. ; Roma; C (Ephrem rescriptus) V séc., Paris; L (Cíprio) VIII séc., Paris: N (Purpúreo) VI séc., Leningrado; T (Borgiano) V séc., Roma; W (Freeriano) IV V séc., Washington; Z (Dublinense) V-VI séc., Dublin; delta (Sangalense) IX séc., Saint-Gall; theta (Koridéthi) IX séc., Tíflis; lambda (Oxoniense) IX séc., Oxford: psi (Athusiano) VIII-IX séc., MonteAthos;

b) nos MINÚSCULOS 33:579-892, 1241;

c) na 5étus Latina (ítala) mss. : a, f. q, l;

d) nas versões siríacas.

Não é citado por Clemente, Orígenes. Tertuliano, Cipriano, Nônio nem João Critóstomo.

Realmente, o estilo do trecho é mais de Lucas que de João (cfr. "escribas e fariseus", expressão muito própria dos sinópticos, mas que só neste passo aparece em João); além disso, o episódio interrompe, na sequência, o discurso de Jesus, relatado por João de 7:16 a 8:59. Note-se ainda, que a família 13 dos" minúsculos" coloca essa perícope depois do vers. 36 do capítulo 21 de Lucas.


II - É TRANSCRITA:

a) nos CÓDICES: D (Beza, bilingue) VI séc., Cambridge; E (Basiliense) VIII séc., Basiléa; F (Boreeliano) IX séc., Utrecht; G (Seideliano I), X séc., Londres; H (Seideliano II) IX séc., Hamburgo; K (Cíprio) IX séc., Paris; M (Campiano) IX séc., Paris: S (Vaticano grego
354) X séc., Roma; U (Naniano) IX séc., Venedig; V (Mosquense) IX séc., Moscou; gama (Tischendorfiano) IX séc., Oxford; omega (Athusiano) VIII séc., Monte Athos;

b) nos MINÚSCULOS família 13 71:113-209, 272, 700. 1071 e muitos outros;

c) na 5etus Latina (ítala) mss. : b, c, e, ff2, j;

d) na 5ulgata (desde Jerônimo, em todos os manuscritos e edições):

e) nas versões: armênia, bohaírica, e fragmento siríaco-palestinense.

É citado por Ambrósio, Agostinho e Jerônimo.

Não deve impressionar que não apareça nos papiros, já que nenhum dos que chegaram a nós tem os cap. 7 nem 8 de João.

No entanto, essa perícope é conhecida desde a mais remota antiguidade, pois é citada por Papias (1. º século), conforme atesta Eusébio (Hist, Eccl 3:39-17).

A questão da autenticidade do trecho já era discutida na antiguidade pelo menos pelos que a defendiam, como Ambrósio e Jerônimo, que diz (Patrol. Lat, vol. 33 col.
553) que o episódio se encontra em muitos manuscrito, gregos e latinos anteriores a ele (séc. II e III).

Agostinho, no "De Conjugiis Adulterinis" II, 7, 6, (Patrol Lat. vol. 40 col.
474) afirma que a omissão do trecho em alguns manuscritos é "obra do ciúme dos maridos".

François- Marie Braun (in Pirot, o. c., vol X, pág.
380) considera essa tese de Agostinho "pouco convincente" e ingenuamente pergunta: "como, simples particulares, sem autoridade oficial na igreja teriam autoridade bastante para causar essa omissão"? Esse exegeta esquece ou, pior ainda, faz que ignora, que todo o clero (padres, bispos e papas) possuía esposas e família (Jerônimo afirma que conhece mais de 300 bispos casados, e isso no séc. IV). Já Paulo estabelecera "que os bispos deviam ser homens de uma só mulher" (1. º Tim. 3:2).


Nessa época, não havia ainda aquilo que modernamente entendemos por "casamento"; só começou a ser considerado "sacramento" no século XI (por Bonizo), confirmado como tal por Hugo de Saint-

Victor (séc. XIII) e por Pedro Lombardo, quando distinguiu os "sacramentos" dos "sacramentais", lançando uma dúvida a respeito de o casamento ser um sacramento, porque estes "conferem uma graça", enquanto os sacramentais são apenas "remédios" (alia in remedium tantum, ut matrimonium, Ped. Lomb. 4, 2, 1). Tomás de Aquino (Summ. Theol. IV, 26 q. 2, art.
1) afirma, porém. que "o matrimônio confere a graça", solucionando a questão para o catolicismo, embora Duns Scot (IV. 2. q. 1, art. 1. sol. 2 ad
3) ainda fique em dúvida a esse respeito.

Ora, em todo o cristianismo, e mesmo no catolicismo o clero contraia matrimônio, não obstante as recomendações dos Concílios de Nicéia (325) no Ocidente, e de Amyra e Trullo, respectivamente em 314 e 692, no Oriente; do Concílio de Cartago (390/401); da orientação de Leão I (440-461); de Benedito VIII (1
022) que decretou que os "filhos de padres seriam servos da igreja"; de um cânon do Concílio de Latrão (1049); das palavras de Gregório VII (1073). Só o Concílio de Latrão, o 10. º (1139), sob a presidência de Inocêncio II. resolveu impor o celibato eclesiástico, com o cânon 7. º, que "proíbe serem assistidas as missas dos padres casados ou amasiados, e declara nulos os casamentos dos padres, dos cônegos regulares, dos monges, ordenando que sejam submetidos à penitência os que contraírem matrimônio".

E não nos esqueçamos de que AINDA ATÉ HOJE, os padres, bispos e patriarcas das igrejas cristãs ortodoxas podem ser casados e manter família, sem que isso lhes diminua a virtude (ao contrário!) e o fervor religioso. A igreja oriental manteve muito mais forte a tradição primitiva do cristianismo.

Ora se tudo isso é conhecido na História Eclesiástica, verificamos que Agostinho apresentou uma razão viável e perfeitamente lógica.

Quanto aos críticos modernos: Wescott-Hort coloca a perícope no fim do Evangelho de João, entre colchetes; Tischendorf, Soden, Vogels, Merck, Nestle dão-na em tipos menores, na margem inferior da página: Bover e Pirot aceitam-na no texto; Jouon e Tillmann acusam-na de suspeição; Lagrange, baseado no estilo (crítica interna) nega sua origem joanina.


* * *

De manhãzinha, bem cedo (órthou) Jesus regressa do Monte das Oliveiras para o pátio do templo, e não demora o povo a cercá-Lo. Jesus senta-se e começa a ensinar conversando despretensiosamente, respondendo a perguntas, prestando esclarecimentos, tirando dúvidas, solucionando dificuldades, confortando aflições.

É quando surge um grupo de escribas e fariseus que se dirigiam ao templo para submeter a julgamento certa mulher que lhes fora entregue, segundo o preceito da Lei (LV 20:10: cfr. DT 22:23 ss), por ter sido surpreendida em adultério.


Realmente, em LV 20:10, a mulher casada que adulterava era condenada à morte, sem que aí se especificasse qual o gênero de assassinato: a noiva (DT 22:23) devia ser lapidada. Segundo Strack-

Billerbeck (o. c., vol. 2, pág.
519) a pena da esposa adúltera era a estrangulação. No entanto, pelo fato de aqui acenar-se (vers.
7) a "pedra", não é mister deduzir-se que se tratava de uma noiva.

De qualquer forma, a condenação pelo Sinédrio era simbólica, já que desde o domínio romano, a pena de morte (jus gladii) fora retirada do Sinédrio e reservada ao Procurador.

Mas tendo o grupo percebido aquele jovem operário que se arvorava a ensinar e a verberá-los com suas palavras candentes, achou que seria ótima ocasião de embaraçá-Lo. Se condenasse a mulher, contradiria sua doutrina de perdão e rasgaria sua máscara de bondade; se a desculpasse, infringiria a lei mosaica, e poderia ser difamado e condenado. Não havia escapatória. Levam-na, então, a ele e colocam diante dele o fato consumado, que não admitia subterfúgios; e pedem uma resposta categórica sobre o direito.

A mulher é colocada "em pé, no meio" (stêsantes en mêsôi) e o círculo em torno, atento, aguarda a resposta. Sentado onde estava - talvez no chão à maneira oriental - Jesus abaixa-se um pouco e, inclinandose para a frente, nada responde, limitando-se a traçar com o dedo, algumas palavras na areia do pátio.

Jerônimo, imaginoso, pretende adivinhar o que Ele escrevia: Jesus inclinans scribebat in terra, eorum vidélicet qui accusabant et omnia peccata mortalium secundum quod scriptum est in propheta: "Relinquentes autem te, in terra scribentur" (JR 13:5), isto é: "inclinando-se, Jesus escrevia no chão todos os pecados dos mortais e daqueles que acusavam, segundo o que está escrito no profeta: deixando-te, escreverão na terra" (Patrol. Lat. vol. 23, col. 553).

No entanto, de nada adiantam as suposições: NÃO SABEMOS o que o Rabbi escreveu. A única indicação que temos, e muito vaga, é o verbo grego empregado, katégraphen, que tem o sentido literal d "escrever uma lista" ou "fazer um rol".

Sentindo-se desprestigiados pela indiferença de Jesus, os escribas insistem na pergunta. O Mestre levanta os olhos e devolve a eles o julgamento: "Quem entre vós está inocente, seja o primeiro a atirar a pedra contra ela". E novamente inclinando-se continua a escrever na poeira do chão.

Aproveitando-se do fato de que Jesus não estava olhando, eles foram esgueirando-se e escapando, os mais velhos - e por isso mais prudentes em primeiro lugar. Haviam sido apanhados na armadilha que eles mesmos tinham preparado: verificaram em primeiro lugar, que não podiam apedrejá-la ali, porque os milicianos romanos interviriam, condenando-os por desobediência à lei civil vigente e desrespeito à autoridade de César; em segundo lugar por temerem que Jesus interviesse, declarando também em voz alta os erros deles: quem não nos têm?

Mais alguns minutos de silêncio, e Jesus novamente ergue os olhos do chão; lá continua, de pé, a pobre mulher, rodeada apenas pelo povo, espectador mudo da luta entre as autoridades eclesiásticas constituídas e o operário humilde, sem qualificações oficiais.

Dirigindo-se à acusada, pergunta-lhe onde estão seus acusadores. E, sem esperar resposta, indaga se nenhum deles a condenou. A réplica e singela: "ninguém, Senhor". E o fecho é de ouro, digno do coração maravilhoso e nobre do Mestre: "nem eu te condeno! Vai e não erres mais"!

Aprendemos a lição da piedade pelas fraquezas dos outros (porque, das nossas, sempre temos desculpas que nos parecem definitivas e irrespondíveis). Indispensável, em qualquer situação, que haj "compreensão", pois dificilmente possuímos em mãos elementos para formar um juízo completo e perfeito, de qualquer ação praticada por outrem. No lugar deles, nas mesmas circunstâncias, e com o psiquismo "deles", podemos garantir que agiríamos de modo diverso? Para melhor, ou para pior?

Outra lição a deduzir, com clareza absoluta, é a de que atos externos, praticados pela personagem terrena, não trazem consequências graves para a individualidade: desde que não se causem prejuízos sérios, nem provoquem resultados danosos, nem insuflem contra nós ódios ou revoltas, os simples atos físicos não criam carmas negativos. Então, "não julguemos jamais, para não sermos julgados nem jamais condenemos, para não sermos condenados". O episódio é a confirmação prática dessa doutrina teórica, ensinada pelo Mestre.

No terreno simbólico, a lição é mais profunda. "Adultério" exprime, sistematicamente, o abandono da religião "oficial". E os escribas e fariseus, ciosos da ortodoxia da religião prática, condenam todos os que se bandeiam para outros cultos. Surpreendida a criatura em flagrante adultério, de submeter-se a culto diferente do "oficial", é levada a julgamento para ser "excomungada", de modo geral sem direito a defesa condenação absoluta e irrevogável.


Também aí vale o ensino do Mestre: coisa secundária é render-se culto a Deus desta ou daquela maneira, com este ou aquele nome. O próprio Talmud, no Tratado Avodá Zará, diz: "quando vires o idólatra a orar diante de seu ídolo, não o perturbas: ele pensa que se dirige a Deus e, ainda que esteja errado, Deus lhe aceita a prece". Por que condenar alguém, só por se ter afastado de "nosso modo de pensar e ter preferido um caminho diferente do "nosso", para ir ao encontro do Pai de Amor de todas as criaturas? Se isso constitui hamartía (desvio da rota, erro, no sentido de "vaguear" de caminhar sem rumo: errático, erraticidade, errante, "errar ao acaso pelos campos"), nem por isso merece condenação. O final da estrada é o mesmo: Deus. Jesus recomenda, após afirmar-lhe que não merece Sua condenação, que "não erre, mais", que "não vagueie por outras estradas "

Essa última interpretação explica, também, a razão do interesse oculto de considerar-se apócrifo esse texto.

No campo iniciático descobrimos a individualidade a decidir a respeito das desorientações intelectuais da personagem. Ávido de sensações novas e emoções ainda não experimentadas, o intelecto corre em busca de novos conhecimentos e comete o "adultério" de não mais seguir a trilha que sempre praticara.

E quando começa essa pesquisa, a criatura "erra" de déu em déu como abelha em busca de novas espécies de flores, numa erraticidade que acaba corroendo a solidez dos fundamentos de sua fé.

Essa busca indiscriminada, sobretudo para os que não possuem firmeza no arcabouço intelectual por falta de estratificação de cultura, obtida em séculos de preparação lenta e bem arquitetada - pode causar desfavoráveis rumos e provocar perturbações conceptuais.

Um simples acesso ao 5. º grau iniciático (matrimônio, veja vol.
4) no primeiro plano da iniciação não dá garantias de capacidade mental para essas incursões arriscadas. A fuga desse "matrimônio" (unificação) com o Eu Interno, para adultérios intelectuais em outros setores, pode ser profundamente prejudicial ao avanço evolutivo.

Daí, embora o Cristo Interno não condene, porque a aspiração ao saber (a busca da Verdade) é finalidade altamente valiosa, contudo adverte ao iniciando que não dê largas a seu gosto de erraticidade pelas doutrinas humanas (vol. 4), mas se apegue ao matrimônio real com o Eu Interno Profunda Sabedoria Divina, orientadora da Humanidade por todos os evos e eons, na eternidade sem fim e sem limite!




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João 8:2

E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava.

jo 8:2
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João 8:3

E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério;

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João 8:4

E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando,

jo 8:4
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João 8:5

E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu pois que dizes?

jo 8:5
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João 8:6

Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra.

jo 8:6
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João 8:7

E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.

jo 8:7
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João 8:8

E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.

jo 8:8
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João 8:9

Quando ouviram isto, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.

jo 8:9
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João 8:10

E, endireitando-se Jesus e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

jo 8:10
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João 8:11

E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais.

jo 8:11
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Levítico 20:10

Também o homem que adulterar com a mulher de outro, havendo adulterado com a mulher do seu próximo, certamente morrerá o adúltero e a adúltera.

lv 20:10
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Deuteronômio 22:23

Quando houver moça virgem, desposada com algum homem, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela,

dt 22:23
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Jeremias 13:5

E fui, e escondi-o junto ao Eufrates, como o Senhor me havia ordenado.

jr 13:5
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