Sabedoria do Evangelho - Volume 8

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CAPÍTULO 29

PILATOS LAVA AS MÃOS

MT 27:24-26


24. Mas vendo Pilatos que nada consegue, antes surgia um tumulto, tomando água lavou as mãos diante do povo, dizendo: Sou impune do sangue deste; vede vós.

25. E respondendo todo o povo disse: O sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos.

26. Então soltou-lhes Barabas e, tendo flagelado Jesus, entregou(-o) para que fosse crucificado.

MC 15:15


15. Mas Pilatos, querendo satisfazer ao povo, soltou-lhes Barabas, e entregou Jesus, flagelado, para que fosse crucificado.

LC 23:24-25


24. E Pilatos decidiu fosse feito o pedido deles.

25. Soltou-lhes, pois, o que pediam, o que por causa da sedição e do homicídio, fora lançado na prisão, mas entregou Jesus à vontade deles.



O episódio de "lavar as mãos" era quase universal à época, tal como ainda hoje essa expressão, para significar que nada temos com algum fato.

Entre os judeus, lemos no Deuteronômio 21:6-3: "Todos os anciãos dessa cidade, que sejam mais próximos ao morto, lavarão as mãos sobre a novilha cujo pescoço foi quebrado no vale, e dirão: Nossas mãos não derramaram esse sangue, nem nossos olhos o viram".

Entre os gregos, lemos em Sófocles (Ajax, 654-656): All’ eími pròs te loutrà kaì paraktíous leimônas, hôs àn lymath’agnísas emá mênin bareian exalyxômai theás, ou seja, "mas vou às abluções, aos campos que margeiam o rio, para purificar minhas imundícies e escapar à dura cólera da deusa".


Também em Heródoto (1,35): es tàs sárdis anêr symphorêi echómenos kaì ou katharòs cheíras, isto é,

"chegou a Sárdis um homem. vítima de uma desgraça e com as mãos impuras e pediu que fosse purificado".

Entre os romanos, encontramos 5ergílio (En. 2,719): donec me flumine vivo abluero, que se tradu "até que me lave no rio corrente".

Apolônio de Rodes (4,693ss) também apresenta um trecho que confirma a tese, além de outros, cujas obras não tivemos oportunidade de compulsar.

De qualquer modo, juntando as palavras ao fato, Pilatos se declara "impune" do sangue do réu, ou seja, não merecedor de qualquer castigo, deixando tudo nas mãos dos judeus: "vede vós"!

E os sacerdotes aceitam o desafio, com uma frase que não é, em absoluto, uma imprecação, mas o assumir da responsabilidade total: "Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos".

Realmente Pilatos cometeu "erro menor", apesar de haver, depois dessa cena patética, entregue Jesus" às mãos (sujas de sangue e impuras) do clero judeu. Mas não havia outro recurso: qualquer passo em falso, arruinaria o andamento normal do drama previsto com antecedência espantosa de séculos.

A água sempre representou elemento de capital importância em qualquer rito iniciático, como símbolo de purificação. Para isso era mister água corrente (flumine vivo), donde as representações plásticas de um soldado a verter água sobre as mãos de Pilatos.

Aqui, o candidato à iniciação não necessita de purificar-se, pois é reconhecidamente inocente de qualquer imperfeição. E se o governador romano pretende, com a ablução ritualística das mãos, inocentarse do sangue da vítima, manifestou, sem percebê-lo, outra faceta do ato, pois fez compreender que, naquele gesto seu, estava implícita a interpretação alegórica do drama, na entrega da vítima, aos verdadeiros verdugos: a personagem humana de Jesus representava alegoricamente a vítima, que outrora era sacrificada sobre o altar do holocausto, o "Cordeiro de Deus".

Não mais se tratava de um ser humano que fosse considerado, em julgamento normal, culpado ou inocente, mas simplesmente de uma alegoria dos antigos sacrifícios, em que a vítima era sempre inocente, e morria sacrificada sem qualquer espécie de julgamento, a isso levada pelo único motivo de um rito propiciatório imposto pelas autoridades religiosas.

Mateus é o único a narrar esse episódio altamente significativo, quiçá para demonstrar ao povo judaico o alcance terrível de seu gesto e a responsabilidade que sobre ele pesava no cômputo geral da condenação de Jesus. E sua lembrança em fixar a cena e as palavras, serviu para nossa observação dos acontecimentos históricos posteriores em relação ao povo israelita, embora tivesse influenciado, outrossim, uma espécie de "justificação" esdrúxula das perseguições que os católicos romanos infligiram, durante séculos, aos judeus, sobretudo e mais acirradamente, na época da Inquisição.

Em vista da teimosia obcecada e das ameaças do clero judaico, dos gritos histéricos, do fanatismo descontrolado, e da advertência de sua esposa após o aviso onírico, Pilatos sente-se impotente, apesar de toda a sua autoridade, para libertar o acusado inocente. Mas segue à letra a recomendação da esposa: não O condena, não "se envolve" com aquele justo (e ele sabia que o era), limitando-se a retrair-se e a retirar-se da cena, levando as mãos.

Talvez por isso Tertuliano (Apologetica, 21,
21) tenha escrito: Ea omnia super Christo Pilatus, et ipse jam pro sua conscientia Christianus, Caesari tunc Tiberio nuntiavit, ou seja, "Todas essas coisas sobre o Cristo, Pilatos, também ele mesmo já Cristão em sua consciência, relatou a Tibério, então imperador".

Mas, conforme prometera, solta Barabas e entrega Jesus à sanha sádica dos sacerdotes, para que seja crucificado.

Dessa maneira é que a Individualidade (Jesus) vai conduzir sua personagem a suportar o impacto do holocausto sangrento, a fim de conquistar mais um passo na Senda evolutiva. E a personagem que assim se submete, humilde e conformada, voluntária e ardente de amor, vai com isso merecer a imortalidade, após vencer a morte com denodo e coragem insuperáveis.

Os evangelistas não falam na sentença, mas essa, para ter força legal, devia ser escrita, não tendo valor jurídico qualquer sentença verbal. A prova de que foi realmente escrita aparece mais adiante (JO 19:22), quando Pilatos, ao responder a uma reclamação do clero, afirma que não retirará "o que escreveu".




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Mateus 27:24

Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso.

mt 27:24
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Mateus 27:25

E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.

mt 27:25
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Mateus 27:26

Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.

mt 27:26
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Lucas 23:24

Então Pilatos julgou que devia fazer o que eles pediam.

lc 23:24
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Lucas 23:25

E soltou-lhes o que fora lançado na prisão por uma sedição e homicídio, que era o que pediam; mas entregou Jesus à vontade deles.

lc 23:25
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Marcos 15:15

Então Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou-lhes Barrabás, e, açoitado Jesus, o entregou para que fosse crucificado.

mc 15:15
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