Libertação

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Capítulo XIV

Singular episódio


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Penetrando o compartimento em que Margarida descansava, lá nos aguardavam os dois hipnotizadores em função ativa.

Gúbio pousou significativo olhar em Saldanha e pediu-lhe em tom discreto:

— Meu amigo, chegou a minha vez de rogar. Releva-me a identificação, talvez tardia aos teus olhos, com relação aos objetivos que nos prendem aqui.

E, denunciando imensa comoção na voz, esclareceu:

— Saldanha, esta senhora doente é filha de meu coração desde outras eras. Sinto por ela o enternecimento com que cuidaste, até agora, do teu Jorge, defendendo-o com as forças de que dispões. Eu sei que a luta te impôs acerbos espinhos ao coração, mas também guardo sentimentos de pai. Não te merecerei, porventura, simpatia e ajuda? Somos irmãos no devotamento aos filhos, companheiros da mesma luta.

Observei, então, cena comovedora que, minutos antes, se me figuraria inacreditável.

O perseguidor da enferma contemplou o nosso Instrutor com o olhar dum filho arrependido. Grossas lágrimas brotaram-lhe dos olhos antes frios e impassíveis. Parecia inabilitado a responder, diante da emotividade que lhe dominava a garganta; todavia, Gúbio, enlaçando-lhe fraternalmente o busto, acrescentou:

— Passamos horas sublimes de trabalho, entendimento e perdão. Não desejarás desculpar os que te feriram, libertando, enfim, quem me é tão querida ao Espírito? Chega sempre um instante no mundo em que nos entediamos dos próprios erros. Nossa alma se banha na fonte lustral do pranto renovador e esquecemos todo o mal a fim de valorizar todo o bem. Noutro tempo, persegui e humilhei, por minha vez. Não acreditava em boas obras que não nascessem de minhas mãos. Supunha-me dominador e invencível, quando não passava de infeliz e insensato. Considerava inimigos quantos me não compreendessem os caprichos perigosos e me não louvassem a insânia. Experimentava diabólico prazer, quando o adversário esmolasse piedade ao meu orgulho, e gostava de praticar a generosidade humilhante daquele que determina sem concorrentes. Mas a vida, que faz caminhos na própria pedra, usando a gota d’água, retalhou-me o coração com o estilete dos minutos, transformando-me devagar, e o déspota morreu dentro de mim. O título de irmão é, hoje, o único de que efetivamente me orgulho. Dize-me, Saldanha amigo, se o ódio está igualmente morto em teu Espírito; fala-me se devo contar com o abençoado concurso de tuas mãos!

Eu e Elói tínhamos lágrimas ardentes, diante daquela doutrinação emocionante e inesperada.

Saldanha enxugou os olhos, fixou-os, humilde, no interlocutor bondoso e asseverou, comovendo-nos:

— Ninguém me falou ainda como tu… Tuas palavras são consagradas por uma força divina que eu não conheço, porque chegam aos meus ouvidos, quando já me encontro confundido pelos teus atos convincentes. Faze de mim o que desejares. Adotaste, nesta noite, por filhos de teu coração todos os parentes em cuja memória ainda vivo. Amparaste-me o filho demente, ajudaste-me a esposa alucinada, protegeste-me a nora infeliz, socorreste-me a neta indefesa e repreendeste os que me perturbavam sem motivo justo… Como não enlaçar, agora, as minhas mãos com as tuas na salvação da pobre mulher que amas por filha? Ainda que ela própria me houvesse apunhalado mil vezes, teu pedido, após o bem que me fizeste, redimi-la-ia ao meu olhar…

E, detendo a custo o pranto que lhe manava espontâneo, o ex-perseguidor acentuou, com expressão respeitosa:

— Poderoso Espírito e bom amigo, que me procuraste na condição do servo apagado para acordar-me as forças enrijecidas no gelo da vingança, estou pronto a servir-te! Sou teu de ora em diante!

— Seremos de Jesus para sempre! — Corrigiu Gúbio, sem afetação.

E abraçando-o efusivamente, conduziu-o a pequeno aposento próximo, naturalmente para organizar plano de ação eficiente e rápido.


Somente aí me lembrei de que nos achávamos na presença de ambos os hipnotizadores em função ativa, junto ao casal em repouso. Um deles se revelava inquieto e demonstrava-se francamente compreensivo; notava que algo de extraordinário se passava, mas, talvez compelido por votos de disciplina, não se animava a dirigir-nos palavra. O outro, todavia, não acusava qualquer emoção. Continuava alheio ao drama que vivíamos. Figurava-se um autômato em serviço, impressionando-me particularmente pela impassibilidade do olhar.

Alguns minutos transcorreram pesados, quando Gúbio e Saldanha retornaram à cena.

O ex-obsessor de Margarida mostrava-se mudado, quase imponente. Via-se-lhe no porte a renovação de rumo interior.

Certo, estabelecera novo programa de luta, em companhia do nosso dirigente, porque chamou o hipnotizador mais vivo, a conversação particular.

Próximos de mim, a palestra desdobrou-se clara.

— Leôncio, — disse Saldanha, entusiasmado, — nosso projeto mudou e conto com a tua colaboração.

— Que houve? — Indagou curiosamente o interpelado.

— Um grande acontecimento.

E prosseguiu, transformado:

— Temos aqui um mago da luz divina.

Em traços rápidos, narrou-lhe os sucessos da noite, em comovedora síntese, terminando por apelar:

— Poderemos contar contigo?

— Perfeitamente, — esclareceu o companheiro, — sou amigo dos amigos, não obstante os riscos da empresa.

E designando com um golpe de olhar o outro magnetizador que prosseguia operando ao lado de Margarida, em serviço automático, objetou:

— É indispensável, porém, todo o cuidado com Gaspar, que não se acha em condições de aderir.

— Tranquiliza-te, — esclareceu Saldanha, mais atencioso, — providenciaremos tudo.


Mostrou Leôncio estranho brilho nos olhos e, dirigindo-se ao ex-chefe de tortura, falou súplice:

— Escuta! Conheces meu problema. Já que foste socorrido pelo mago, não poderei receber contribuição dele por minha vez? Tenho na Terra a esposa seduzida e o filho à morte.

Imprimindo inolvidável acento à voz, observou:

— Saldanha, não desconheces que sou criminoso, mas sou pai ainda… Se eu pudesse livrar o filhinho da revolta e da sepultura enquanto é tempo, considerar-me-ia sumamente feliz. Sabes que um condenado não deseja igual sorte para os rebentos do coração!

Ante o choroso apelo, Saldanha não hesitou:

— Bem, — tornou um tanto embaraçado, — procura o benfeitor Gúbio e expõe-lhe o caso com franqueza.

Leôncio não se fez rogado.

Acercou-se, respeitoso, de nosso Instrutor e explicou-se, simplesmente, sem rebuços:

— Amigo, acabo de saber com que devotamento mobilizas tua força, a benefício de criaturas desviadas do bem, como nós, que nos sentimos desprezíveis diante de todos. É por isto que também venho implorar-te auxílio imediato.

— Em que poderemos ser úteis? — Indagou o orientador, cortês.

— Passei para cá, há longos sete anos, e deixei no mundo minha mulher e um filhinho recém-nato. Voltei, moço ainda, sufocado no esgotamento pelo trabalho excessivo em busca do dinheiro fácil. Obtive, realmente, o que intentara, com a provisão de vastos depósitos bancários com que a esposa ainda se mantém, até hoje, a coberto de todas as necessidades. O desespero, a ânsia inútil por retomar o corpo que abandonara, a vaidade ferida, converteram-me no colaborador desumano de que Gregório, o nosso chefe, tanto se orgulha… Ai de mim, porém, que me sentia dono exclusivo dos encantos da mulher que eu adorava! De dois anos para cá, minha infortunada Avelina passou a escutar as fantasiosas propostas de um enfermeiro que se aproveitou da fragilidade orgânica de meu filhinho para insinuar-se sobre o ânimo da pobre mãe, viúva e jovem. Chamado a prestar socorro ao menino, depois de um incidente sem importância, o profissional percebeu as preciosidades materiais da presa cobiçada. Desde então, assediou-me a esposa sem descanso e passou a envenenar meu pequeno, pouco a pouco, à força de entorpecentes, administrados por ele, seguindo um plano cruel. No decurso do tempo, conseguiu de Avelina quanto queria: dinheiro, ilusões, prazeres e promessa de casamento. Acredito que o consórcio se realizará, dentro de breves dias, e já me resignei a semelhante acontecimento, porque a alma encarnada respira sob teia grossa de pesadelos e exigências, mas o perseguidor embuçado, sentindo em meu filho um concorrente forte aos bens que amontoei, procura aniquilá-lo sem pressa, roubando-lhe, calculado e ingrato, o ensejo de viver para um futuro digno e feliz.

Interrompeu-se, por alguns momentos, e prosseguiu, comovido:

— Francamente, envergonho-me de suplicar um favor que não mereço, mas o Espírito pervertido, como eu, que pede recursos salvadores para os entes amados, guarda consciência do próprio infortúnio no mal que elegeu para inspirar-lhe o caminho… Benfeitor, por piedade! Meu desventurado Ângelo permanece à beira do túmulo… Admito que o fim do corpo esteja marcado para breves dias, se mãos amigas e devotadas não nos socorrerem à altura de nossa indigência. Já fiz tudo quanto se achava ao alcance de nossas possibilidades, porém sou parte integrante de uma falange de seres malvados e o mal não salva, nem melhora ninguém.

Gúbio ia responder, mas Elói tomou a dianteira e, com imensa surpresa para nós, perguntou, sem cerimônia:

— E o nome do enfermeiro? Quem é esse quase infanticida?

— É Felício de…

Quando o nome de família foi pronunciado, nosso companheiro apoiou-se em mim, para não cair.

— É meu irmão! — Bradou, — é meu irmão…

Forte emotividade empalideceu-lhe o rosto e expectativa inquietante desabou sobre nós.

Mas Gúbio, com a serenidade sublime que lhe assinalava a fronte, abraçou Elói e inquiriu calmo:

— Onde está o infeliz que não seja nosso irmão necessitado?

A frase inteligente e bondosa sossegou o colega deprimido e ofegante.

Desejoso talvez de desfazer as nuvens que se adensavam naquele reduto doméstico e de o transformar em abençoado santuário, nosso Instrutor convidou-nos a visitar o menino enfermo, sem perda de tempo.

Saldanha indicou a figura estranha de Gaspar, que parecia surdo e insensível ao que se passava, e lembrou:

— Deixá-lo-emos sozinho por algumas horas. Aliás, precisamos, pelo menos, de um dia, a fim de fortificarmos a defensiva. A falange de Gregório não nos perdoará.


Nosso Instrutor sorriu em silêncio e ausentamo-nos.

Soprava brando e fresco vento da madrugada e pesada quietude reinava nas vias suburbanas que cruzávamos a passo rápido.

Leôncio, à frente, mostrou-nos confortável vivenda e informou:

— Aqui mesmo.

Entramos.

Em aposentos diversos, a dona da casa e o enfermeiro dormiam à solta, enquanto um pequeno simpático gemia, quase imperceptivelmente, demonstrando angústia e mal-estar.

Notava-se nele a devastação operada pelos tóxicos insistentes. Profunda melancolia estampava-se-lhe no olhar.

Leôncio, o temido hipnotizador, abraçou-o e esclareceu:

— Os venenos sutis, que ingere em doses diminutas e sistemáticas, invadem-lhe o corpo e a alma.

Fios magnéticos e invisíveis ligavam, ali, pai e filho, porque o menino, num lance comovedor, embora a prostração em que se achava, contemplou, embevecido, o retrato grande do paizinho, suspenso da parede, e falou, súplice, baixinho:

— Papai, onde está o senhor?… Tenho medo, muito medo…

Lágrimas ardentes seguiram-lhe a prece inesperada e o hipnotizador de Margarida, que até então se nos afigurara um gênio horrível, prorrompeu em pranto emocionante.

Gúbio ausentou-se por momentos e regressou trazendo Felício, o enfermeiro, provisoriamente desligado do aparelho fisiológico. O rapaz, não obstante semi-inconsciente, ao avistar Elói junto ao doentinho, procurou recuar, num impulso de evidente pavor, mas nosso dirigente conteve-o, sem aspereza.

Meu colega abeirou-se dele, já de fisionomia transfigurada, buscando dirigir-lhe a palavra.

O Instrutor, no entanto, afagou-o com a destra e avisou:

— Elói, não interfiras. Não te encontras em condições sentimentais de operar com êxito. A indignação afetiva denunciar-te-ia a inabilidade provisória para atenderes a este gênero de serviço. Atuarás no fim.

Em seguida, Gúbio aplicou passes de despertamento em Felício para que a mente dele acompanhasse a lição daquela hora, dentro do mais alto estado de consciência que lhe fosse possível, notando-se que o paciente passou a fixar-nos com mais clareza, envergonhado e espantadiço. Fitou Elói, positivamente amedrontado, e reparando Leôncio a chorar sobre o filhinho, fez novo movimento de recuo, interrogando embora:

— Quê? Pois este monstro chora?

Gúbio aproveitou a pergunta brutalmente desfechada e interveio, sereno:

— Não concedes a um pai o direito de emocionar-se ante o filhinho perseguido e doente?

— Sei apenas que ele é para mim um inimigo implacável, — comentou o irmão de Elói, com insofreável animosidade, — e reconheço-o, de perto. É o marido de Avelina… A princípio, via-o nos odiosos retratos que povoam esta casa… depois passou a flagelar-me nas horas de sono…

— Escuta! — Disse-lhe o orientador, com inflexão de carinho, — quem terá assumido a posição de adversário, em primeiro lugar? O coração dele, humilhado e ferido nos sentimentos mais altos que possui, ou o teu que urdiu deplorável projeto de conquista sentimental ante uma viúva indefesa? O dele que padece nos zelos inquietantes de pai ou o teu que comparece neste lar com o escuro propósito de assassinar-lhe o filhinho?!

— Mas, Leôncio é um “morto”! — Suspirou o enfermeiro, desapontado.

E não hás de sê-lo, um dia, — tornou o nosso dirigente, — quando houveres restituído o corpo de carne ao inventário de pó?

E porque o interlocutor não pudesse prosseguir, conturbado pelas forças desintegrantes da culpa, o Instrutor continuou:

— Felício, porque insistes no condenável enredo com que preparas tão calculado crime? Não te compadeces, porventura, de uma criança enferma e sem pai visível? Tens Leôncio na conta dum monstro, por defender o frágil rebento do coração, tal como a ave que ataca, ainda que impotente, na ânsia de preservar o ninho… Que dizer, porém, de ti, meu irmão, que não vacilas em devassar este santuário, tão somente com o instinto de gozo e poder? Como interpretar-te o gesto lastimável de enfermeiro que se vale do divino dom de aliviar e curar para perturbar e ferir? Felício, a experiência humana, confrontada com a eternidade em que se movimentará a consciência, é simples sonho ou pesadelo de alguns minutos. Porque comprometer o futuro ao preço do conforto ilusório de alguns dias? Os que plantam espinhos colhem espinhos na própria alma e comparecem perante o Senhor de mãos convertidas em garras abomináveis. Os que espalham pedras em derredor dos pés alheios serão surpreendidos, mais tarde, pelo endurecimento e paralisia do próprio coração. Guardas, porventura, suficiente noção da responsabilidade que assumes? Possuis ainda no coração evidentes restos de bondade igual à daqueles que se acolhem no âmbito de uma família abençoada e grande, em cujo seio a solidariedade é cultivada, desde os primórdios da luta. Vejo que o entusiasmo juvenil não se extinguiu, de todo, em tua mente. Porque ceder às sugestões do crime? Não te comove a prostração deste menino a quem procuras impor a morte vagarosa? Repara! O drama de Leôncio não se resume ao conflito de um “morto”, como supões em teu perturbado raciocínio. Ausculta-lhe o coração de pai amoroso e dedicado! Encontrarás dentro dele a afeição doce e pura, à maneira do brilhante oculto no cascalho rijo e contundente.

O irmão de Elói pousava em nosso Instrutor os olhos medrosos e espantados.

Depois de leve pausa, Gúbio continuou:

— Aproxima-te. Vem a nós. Perdeste a capacidade de amar? Leôncio é teu amigo, nosso irmão.

Felício gritou com visível expressão de angústia:

— Quero ser bom, mas não posso… Tento melhorar-me e não consigo…

De voz entrecortada pelos soluços, acrescentou:

— E o dinheiro? Como resgatarei os débitos contraídos? Sem o casamento com Avelina, a solução é impraticável!

Nosso dirigente abraçou-o e aduziu:

— E acreditas solver compromissos financeiros provocando dívidas morais que te atormentarão por tempo indeterminado? Ninguém te proíbe o casamento, nem Leôncio, o organizador dos bens materiais de que pretendes dispor, discricionariamente, te poderia induzir à abstenção nesse sentido. Os atos de cada homem e de cada mulher arquitetam-lhes os destinos. Somos responsáveis por todas as deliberações que perfilharmos ante os programas do Eterno e não poderíamos interferir em teu livre arbítrio, mas te pedimos concurso em benefício desta vida frágil que deve continuar… Queres dinheiro, recursos que te façam respeitado ou temido pelos outros homens. Convence-te, porém, de que a fortuna é uma coroa pesada demais para a cabeça que não sabe sustentá-la e costuma arrojar à poeira, através do cansaço e da desilusão, todos aqueles que a senhoreiam, sem horizontes largos de trabalho e benemerência. Não importa, pois, que comandes os valiosos depósitos de prata e ouro que Leôncio amontoou, inadvertidamente, porque aprenderás, com os anos, que a felicidade não está metida em cofres que a ferrugem consome. Todavia, Felício, interessamo-nos por tua promessa em favor desta criança, extenuada de sofrimento. Poupa-lhe o corpo tenro e aguarda o futuro! Não tragas para o reino da morte semelhante delito, que te confinaria o Espírito a furnas trevosas de expiação regeneradora.

Ante a interrupção que se impusera natural, Felício quis dizer qualquer coisa para justificar-se, mas não pôde.

Gúbio, todavia, prosseguiu, sereno:

— Casa-te, esbanja as reservas preciosas deste lar se não souberes entender a tempo a sagrada missão do dinheiro; sobe aos píncaros da vida social transitória, adorna-te com os títulos convencionais com que o mundo inferior se habituou a premiar as criaturas sagazes que sobem a ladeira da dominação inútil ou ruinosa, sem ferir-lhe publicamente os preconceitos, porque o tempo te esperará sempre, com lições de mestre; sem embargo, ajuda o pequenino a restabelecer-se.

E endereçando compassivo olhar ao hipnotizador de Margarida, acentuou:

— Não é bem isto, Leôncio, quanto desejamos?

— Sim, — confirmou o pobre pai em lágrimas enternecidas, — o dinheiro não importa e agora reconheço que Avelina é tão livre quanto eu mesmo. Mas se meu filhinho continuar na Terra, tenho esperanças em minha própria regeneração. Terei nele um companheiro e um amigo, ligado à minha memória, em cuja capacidade de servir poderei encontrar bendito campo de serviço espiritual. Este menino, por enquanto, é o único meio de que disponho para retomar a crença no bem de que me havia afastado.

Reconhecendo-lhe o doloroso esforço para falar e rogar naquela hora, Gúbio abraçou-o, ergueu-o e disse:

— Leôncio, Jesus crê na cooperação dos homens, tanto assim que nos tolera as imperfeições renitentes até que aceitemos o imperativo de nossa conversão pessoal ao supremo bem. Porque havíamos então de descrer? Confio na renovação de Felício. De hoje em diante, o teu filhinho não será mais vigiado por um perseguidor e, sim, protegido por desvelado benfeitor, digno de nosso concurso fraterno!

O enfermeiro, vencido por semelhantes palavras, ajoelhou-se, diante de nós, e jurou:

— Em nome da Justiça Divina, prometo amparar esta criança, como verdadeiro pai!

Em seguida, reergueu-se e tentou beijar as mãos de Gúbio, mas o nosso Instrutor, abstendo-se delicadamente de receber a homenagem, recomendou a Elói e a mim conduzíssemos o paciente ao corpo físico, enquanto ele mesmo aplicaria passes de fortalecimento ao doentinho.

Felício abraçou-se a nós ambos e, depois de nosso auxílio por reajustar-se no aparelho carnal, acordou no leito em copiosas lágrimas.

O lance, porém, não terminou aí.

Forçando a situação de algum modo, Elói inoculou-lhe intensa energia magnética à esfera ocular e o irmão, apalermado, viu-nos ambos, por alguns segundos.

Boquiaberto, assombrado, não sabia que dizer, mas Elói acercou-se dele e com benéfica indignação a resplandecer-lhe nos olhos, exortou-o, francamente:

— Se assassinares este menino, eu mesmo te punirei.

O enfermeiro proferiu grito terrível e deixou cair no travesseiro a cabeça desfalecente, perdendo-nos de vista.

Nesse instante, acreditei com sinceridade que a promessa de Felício seria cumprida integralmente.




André Luiz
Francisco Cândido Xavier


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