E a vida continua...
Versão para cópiaE a vida continua. . .
O matrimônio de Caio e Vera trouxe a Ernesto e Evelina nova fonte de incentivo ao trabalho.
Túlio, algo melhor ante as promessas de futura assistência por parte daquela a quem amava tanto, concordou em matricular-se voluntariamente no Instituto de Serviço para a Reencarnação (1), internando-se, de pronto, num dos gabinetes de restringimento, entregando-se aos aprestos necessários.
Antecedendo, porém, a medida, certa noite, em que Serpa se ausentara do lar, foi levado à presença de Vera, para familiarizar-se, de algum modo, com aquela que o receberia nos braços de mãe.
Ao vê-la na costura, em sua casa de Vila Mariana, o moço, de imediato, simpatizou com ela. Viu-lhe o semblante meigo, os olhos serenos de criatura sofrida, as mãos ágeis na tarefa, e respirou-lhe, encantado, o ambiente tranquilo.
Recomendou-lhe Evelina para que a abraçasse, nela venerando a protetora que o abençoaria por filho, em nome de Deus. . . Mancini não apenas se confiou ao amplexo carinhoso, como também lhe osculou a fronte, enternecidamente.
(1) Organização do Plano Espiritual. — Nota do autor espiritual.
A filha de Ernesto não percebeu aquela manifestação afetiva, em sentido direto; no entanto, por alguns momentos, deixou que o cérebro divagasse, feliz.
"Como desejava obter um filhinho!" — pensou.
— "Quanto anelava ser mãe!" Aguardava essa bênção do Todo-Misericordioso que, decerto, não a esqueceria! Por outro lado, não ignorava que o esposo ansiava acolher um herdeiro para o futuro e, por isso, nos sonhos que entremostrava, desperta, rogava conscientemente a Deus um menino!
À medida que as doces prefigurações da maternidade se lhe esboçavam no imo da alma, sintonizava, mais intensamente, com Túlio, na mesma onda de esperança e regozijo, ambos experimentando santo prelúdio de inenarráveis alegrias.
Ao separar-se dela, às despedidas, formulou ele a pergunta esperada: quem lhe seria o genitor? a quem chamaria por pai?
Evelina, porém, deu-se pressa em explicar que o dono da casa se achava distante e que ele, Mancini, o conheceria em momento oportuno.
Na base da verdade prometida, Túlio renasceria de Caio Serpa, absolutamente magnetizado pelo devotamento materno, a fim de se reaproximar do antigo adversário e metamorfosear ressentimento em amor, pela terapêutica do esquecimento.
Ante as realizações em processo, o tempo para Fantini e a companheira jazia repleto de obrigações agradáveis e belas. Auxílio constante a Mancini, Caio e Vera, na formação do novo porvir, e amparo infatigável a Elisa e Desidério, convenientemente hospitalizados.
Ernesto, renovado pelo sofrimento, como que remoçara, enquanto que Evelina, modificada pelas novas experiências, parecia haver amadurecido, qual se os dois houvessem combinado operar um reajuste da forma, com vistas à harmonização em nível de idade semelhante de um para o outro. Comungavam as mesmas ideias, partilhavam os mesmos serviços.
Impressionado com aquela conciliação gradativa, a surgir mecanicamente da associação sempre mais ampla e mais íntima dos dois, na obra da própria edificação espiritual, Ernesto procurou o Instrutor Ribas, inquirindo, respeitoso, se lhe seria cabível conhecer o passado, sem mais delongas, reavendo a memória de outras existências, ao que o mentor informou, sensato: — Não, Fantini. Desaconselhável a providência, conquanto possivel. Você e Evelina estão abraçando longa empresa de serviço em nosso plano. Terão muitos problemas a resolver, muito trabalho a realizar. Desidério, Elisa, Amâncio, Brígida, Caio, Vera, Túlio, Evelina e você formam uma equipe de corações comprometidos uns com os outros, perante as Leis de Deus, há muitos séculos. Todos reciprocamente enlaçados no clima da provação, lembrando elementos químicos em cadinho fervente para o acrisolamento indispensável! Outros componentes do grupo chegarão com o tempo para a vitória geral sobre os alicerces do amor que ainda vem muito ao longe!
Integramos, eu também com vocês, uma grande família. . . E num sorriso amistoso: — Somos aqui milhares de criaturas nas mesmas condições, trabalhando e batalhando por nossa redenção, começando pelo aperfeiçoamento de nós mesmos, nos recessos do mundo individual.
— Na Terra, não formulamos ideia do volume de obrigações que nos espera depois da morte. . .
— Sem dúvida. Toda construção nobre há que ser dirigida. Primeiro, o projeto; em seguida, a execução. . . No plano físico, idealiza-se a continuação da vida, no mundo espiritual. No mundo espiritual, idealiza-se a correção, o reajuste, a melhoria e o polimento dessa mesma vida, no plano físico. Somos viajores do berço para o túmulo e do túmulo para o berço, renascendo na Terra e na Espiritualidade, tantas vezes quantas se fizerem precisas, aprendendo, renovando, retificando e progredindo sempre, conforme as Leis do Universo, até alcançarmos a Perfeição, nosso destino comum. . .
— Isso quer dizer que, de futuro, talvez Evelina e eu venhamos a renascer, entre os homens, daqueles mesmos Espíritos, em cuja aproximação estamos colaborando. . .
— Quem sabe? Isso é mais que possivel, por obviamente natural. . .
O orientador ainda não havia articulado o esclarecimento, de todo, quando Ernesto aventou, tímido, qual jovem que estivesse abrindo o coração, diante da autoridade paternal: — Instrutor Ribas, Evelina e eu temos refletido, refletido.
Fantini, receoso, não conseguiu terminar o enunciado. Foi o próprio Ribas que lhe completou a exposição, carregando as palavras de bom-humor: — Já sabemos, Fantini, vocês dois pensam num casamento compreensível e digno, conscientes agora da imensa obra de transformação e burilamento que estarão dirigindo, por muito tempo, no grupo espiritual a que se vinculam.
— O senhor vê algum impedimento?
— Absolutamente nenhum, de vez que, tanto Elisa quanto Caio já dispensaram vocês de qualquer compromisso afetivo. . .
Fantini, acanhado, se dispunha a prosseguir, mas um auxiliar do Instituto veio chamá-lo, com urgência, para custodiar Evelina, de viagem para a esfera física, em ação de assistência a Vera, já em avançado processo de gravidez.
Despedindo-se, o mentor afirmou-lhe, satisfeito: — Esteja tranquilo, Ernesto. Pensaremos no assunto.
Os dias de Fantini e da companheira rodavam em plenitude de serviço.
Pouco a pouco, percebiam quantos deveres precisavam aceitar para assegurarem um renascimento relativamente tranquilo a um Espírito enfermo, qual Mancini, que requisitava cuidado incessante, para que o aborto não repontasse em prejuízo geral. Observavam que em milhares de outros casos não cabiam preocupações assim tantas. Entidades acomodadas ao mundo carnal ajustavam-se ao processo reencarnatório, com a simplicidade da mão, quando se adapta a uma luva. Noutras situações, as criaturas de regresso à esfera física, dispunham de tanta elevação que a presença delas, só por si, não apenas estabelecia distância aos Espíritos infelizes, como também bastava para propiciar sossego à mente materna. . . Túlio, porém, não estava entre aquelas criaturas que tão-somente tocam, de leve, as forças do espírito para se refastelarem, de modo quase que absoluto, nos prazeres e mecanismos do mundo físico, e nem alcançara, ainda, a condição daquelas outras que simplesmente tocam na matéria grosseira tão-só buscando energia para se sustentarem, acima de tudo, nas tarefas e operações do Mundo Espiritual. Nem pisava o início do monte de elevação, nem lhe atingira os degraus mais altos.
Era um homem de cultura e virtude medianas, com aguçada sensibilidade à mostra, em função de sua própria necessidade de burilamento, à vista de débitos contraídos em outras existências.
Quaisquer choques no ambiente materno induziam-no à irritabilidade e quaisquer dificuldades pequeninas impediam-no a indisposições lamentáveis.
Certamente que se demorava em sono terapêutico no laborioso tratamento para a volta criteriosamente vigiada ao campo terrestre, a que na arena dos homens se dá sumariamente o nome de gravidez, como se gravidez, em definição tão rápida e simplista, fosse acontecimento insignificante e igual para todos os reencarnados, com repercussões análogas para as mães que os hospedam; importa reconhecer, porém, que o sono terapêutico do Espírito, conjugado ao desenvolvimento fetal, se caracteriza por graus diversos e, por isso, nem sempre raia pela inconsciência total.
Empreendimentos e obrigações se avolumaram, a benefício de Mancini, até o dia em que lhe ouviram os primeiros vagidos no berço, entre o êxtase de Vera e a emoção de Caio, maravilhados com o filhinho. . .
Túlio varara a grande barreira entre os dois mundos e, daí em diante, reclamaria cuidados de outro tipo.
Reconfortados e felizes com a execução gradual do programa estabelecido, Fantini e a companheira se acharam de espírito voltado para questão que se lhes impunha, de imediato: o retorno de Desidério à experiência carnal.
Era necessário instalá-lo no sul paulista, em casa de Amâncio, segundo o esquema do Instituto.
Os dois amigos passaram às entrevistas preparatórias. Proposições e debates. Desidério dos Santos pedia, exigia, queixava-se. . . E, no fundo, não se lhe podia dar, de pronto, a extensão total da verdade, quanto ao porvir próximo, para que não a desacatasse com dúvidas injustificáveis ou desconsiderações prematuras. Cabia-lhe saber que era forçoso retomar o corpo terrestre e prometia-se-lhe a ida de Elisa, algum tempo depois dele, a fim de que se reencontrassem no domicílio dos homens, mas, no roteiro traçado, se lhe proibia a antecipação de informes, acerca do refúgio doméstico em que se lhe outorgaria a nova oportunidade. Merecia a bênção da reencarnação; contudo, não lhe era lícito complicar ou desprimorar as situações, em que as autoridades do Plano Superior, sempre sábias e generosas, lhe assegurariam a concessão. Competia-lhe, sobretudo, defrontar-se com Amâncio e Brígida, tanto quanto os dois, já amadurecidos nas lides humanas, deveriam arrostá-lo em casa, para adquirirem a luz do amor recíproco, em regime de esquecimento do passado, de maneira a consolidarem os méritos que já possuíam perante a Lei. Desidério, no entanto, não era fácil de contentar. Interpunha recursos e alegava direitos, nas questiúnculas intercorrentes, que a filha, assessorada por Ernesto, se esmerava em aprovar, tanto quanto possivel, angariando-lhe apreço, aceitação, cobertura e carinho.
Quando o tempo marcou precisamente um ano sobre a desencarnação da viúva Fantini e quando Túlio Mancini, em novo renascimento, orçava aproximadamente dois meses de idade, Desidério deu por terminadas as exigências para o regresso pacífico ao mundo carnal, com exceção de uma só: queria rever Elisa e conversar com ela, inteiramente a sós, de modo a entretecerem projetos para o futuro.
Encaminhada a solicitação ao exame de Ribas, o Instrutor aprovou o requerimento e, conduzido o peticionário às dependências onde Elisa, agora lúcida, se demorava convalescente e tranquila, puseram-se os dois em palestra íntima, plenamente isolados, num tête-â-tête que perdurou por dez horas consecutivas.
Nada transpirou do que ambos confidenciaram, entre si, naquele primeiro e último encontro, no Mundo Espiritual, antes da reencarnação; no entanto, algo ocorreu de inesquecível. Desidério voltou às instalações que lhe eram próprias, tocado de novo brilho no olhar. Desapareceram nele os ressentimentos e as interrogações. Mostrou-se, desde então, paciente e respeitador.
Concomitantemente, a ex-senhora Fantini rogou o amparo de Evelina para internar-se em algum educandário, a fim de estudar os problemas da alma e reeducar-se, quanto lhe fosse possivel, antes de retomar o envoltório terrestre.
Informada de que partiria para a existência vindoura, daí a três anos, para reencontrar Desidério no mundo, sob a proteção dos benfeitores que ali os acolhiam, ansiava aprender, preparar-se e melhorar-se, ciente qual se achava de que todos os valores conquistados na Espiritualidade Maior se transformam em mais dilatados recursos de apoio e colaboração, para aqueles que os evidenciem, seja onde seja.
Evelina anuiu, satisfeita.
Nos três anos que lhe antecederiam o retorno ao próprio lar terreno, na condição de filha do casal Serpa, Elisa estaria internada em colégio adequado às suas necessidades, sob custódia e responsabilidade da filha de Desidério, cujos créditos e méritos aumentavam sempre no Instituto a que soubera dedicar-se e servir.
Quem poderá medir a força colocada por Deus nos prodígios do amor?
Recolhido Desidério aos gabinetes de restringimento para a reencarnação, concluíram as autoridades que não lhe seria proveitoso o conhecimento prévio do lar em que lhe cabia renascer, porquanto a condição de enjeitado haveria de compeli-lo a mergulho mais profundo no passado para a revisão de existências outras, em que fizera jus à prova em perspectiva, e não seria útil imergi-lo em avançados processos de memorização.
Felizmente, após a entrevista com Elisa, patenteava-se calmo, confiante, aceitando todas as promessas que se lhe formulavam.
Por outro lado, Ribas e os companheiros categorizavam-lhe a volta ao convívio de Amâncio e Brígida, sem que os antigos associados de luta precisassem esperar por ele em futura reencarnação, por valioso ganho de tempo, com o amparo da Providência Divina.
Situava-se, desse modo, nos serviços de introdução ao renascimento no plano carnal, quando o Instrutor Ribas convidou Fantini e a companheira para tomarem contato com a senhora humilde e simples que seria para Desidério a benemérita genitora. Competia-lhes assisti-la e auxiliá-la quanto possivel, na gravidez próxima, e orientar o encaminhamento do amigo renascido ao lar dos Terra, já que entre as colaboradoras e obreiras do Instituto, reencarnadas nas vizinhanças de Brígida, fora ela quem aceitara a incumbência de recebê-lo nos braços maternais, não obstante a penúria que lhe marcava a existência.
Evelina e Fantini apanharam informes rápidos em torno daquela a quem passariam tanto a dever.
Tratava-se de mulher jovem, esposa de um lavrador que a tuberculose devorava, e mãe de quatro filhinhos em constrangedoras necessidades. Ela mesma, Dona Mariana, como era conhecida, já se achava em condições orgânicas deficitárias, sentenciada a contrair a moléstia, embora a tuberculose não assuma, na atualidade, entre os homens, a periculosidade que se lhe atribuía em outros tempos. Sucede, porém, que tanto o esposo quanto ela própria estavam encerrando valioso ciclo de provas regeneradoras no mundo e não conseguiriam sustentar-se, na frágil armadura de carne, por muito tempo.
Desidério ser-lhes-ia o rebento derradeiro, antes da desencarnação, e aos dois amigos espirituais, erigidos ao encargo de guardiães, caberia o santo dever de criar as circunstâncias pelas quais o recém-nato entrasse no lar do velho casal Terra, na posição de filho adotivo.
Noite alta no plano físico. . .
Mariana, em desdobramento espiritual através do sono comum, penetrou a sala em que Ribas e os amigos a esperavam.
Escoltada carinhosamente por um mensageiro, a recém-chegada não poderia apresentar-se de maneira mais simples.
Ao defrontar-se com os benfeitores, deteve-se perante Ribas, com a lucidez que lhe era possivel, e, magnetizada talvez por aquele olhar brando e sábio, ajoelhou e pediu-lhe a bênção.
O mentor, recalcando a emoção de que fora tangido, afagou-lhe a fronte, rogou a Jesus para que a protegesse e recomendou: — Levante-se, Mariana, temos algo a conversar. . .
Ao vê-la convenientemente sentada, o orientador apresentou-lhe Evelina e Ernesto, demorando-se, todavia, a salientar Evelina, a fim de que ela lhe guardasse mais vivamente a figura na tela da memória, quando tornasse ao corpo denso: — Esta é a irmã que velará por você, na próxima gravidez. Por favor, Mariana, esforce-se para retê-la na lembrança!
A interpelada fitou-a com simpatia e implorou: — Anjo de Deus, compadecei-vos de mim!
A filha de Brígida, emocionada, retificou, de olhos úmidos: — Mariana, não sou um anjo, sou apenas sua irmã.
A jovem mãe, cujo corpo descansava no mundo de matéria grosseira, como que espiritualmente muito distante da formosa paisagem doméstica, a que se acolhia, para deter-se tão-só na alegria de ser útil, voltou-se para Ribas, com quem já tivera entendimentos anteriores, e notificou, tomada de apreço filial: — Meu pai, cumprirei a vontade de Deus, recebendo mais um filho, e aguardo a vossa proteção. Joaquim, meu esposo, está mais fraco, mais doente. Lavo e passo, trabalho quanto posso, mas ganho pouco. Quatro filhos pequenos! Ignoro se já sabeis, mas nosso barraco não está resistindo às chuvas. . . Quando o vento atravessa as paredes rachadas, Joaquim piora, tosse muito! Não estou a queixar-me, meu pai, mas peço o vosso auxílio!
— Oh! Mariana — respondeu o mentor, sensibilizado —, não tema! Deus não nos abandona!
Seus filhinhos serão sustentados e, muito em breve, você e Joaquim estarão numa casa grande. . .
— Confio em Deus e em vós!
Não sabia a devotada criatura que o Instrutor se reportava à próxima desencarnação do casal, quando, por merecimento genuíno, teriam os dois cônjuges novo domicílio na 5ida Maior.
Mariana voltou, agora custodiada também por Evelina e Fantini, à rústica habitação que o vento castigava e, em retomando o corpo, o coração bateu-lhe descompassado, ante o júbilo que se lhe represava no peito, e acordou o marido: Joaquim! Joaquim!
E, enquanto ele, estremunhado, articulava monossílabos: — No sonho, acabei de encontrar o velho que já vi outras vezes. . . Ele disse que vamos ter mais um filho!
— Que mais?
— Disse que nós dois vamos ter uma casa grande. . .
Ele riu-se e aditou, ignorando que abordava a realidade: — Ah! minha mulher! Casa grande? só se for no outro mundo. . .
Os visitantes desencarnados sorriram. . .
Evelina, emocionada, compreendeu que Joaquim não se deteria muito tempo na Terra e, em prece ao Senhor, a rogar-lhe forças multiplicadas, prometeu a si mesma não repousar, enquanto não ligasse Mariana a Brígida, sua querida genitora, para que os derradeiros dias daquele pouso de sofrimento fossem lenificados pelo sol da beneficência.
Transcorridos dois dias sobre o singular contato, a enteada de Amâncio, amparada em Fantini e com permissão das autoridades superiores, sediou-se na mansão do padrasto e pôs-se a influenciar o coração materno, com vistas à realização esperada. Deu-lhe sonhos com o pequenino que lhe chegaria aos braços, povoou-lhe as reflexões com ideais de caridade e esperança, sugeriu-lhe leituras renovadoras, inspirou-lhe conversações com o marido, quanto ao futuro que Deus iluminaria com a presença de um filhinho adotivo e, pela primeira vez, na casa senhoril, apareceu o hábito regular da prece, porquanto Brígida, ante a doce atuação da filha, conseguiu que o esposo lhe compartilhasse as orações, todas as noites, no preparo do sono, ao que Amâncio aquiesceu com bonomia e estranheza. Espantado, anotava ele o fervor da mulher, a inflamar-se de amor ao próximo, e, porque fosse, de si mesmo, devotado à prática da solidariedade humana, encorajava-lhe os rasgos de altruísmo.
Planeavam, planeavam. . .
Se Deus lhes enviasse um filhinho adotivo, tratá-lo-iam com todas as reservas de amor que conservavam no coração, procurariam analisar-lhe as inclinações para lhe propiciarem trabalho digno e, quando crescesse, realizariam um sonho de muito tempo: transfeririam residência para São Paulo, de vez que assim lograriam educá-lo com esmero. . . Solicitariam, para isso, a cooperação de Caio, o genro de outro tempo que se casara em segundas núpcias e que continuava amigo, conquanto lhes escrevesse apenas em ocasiões especiais. . . Se obtivessem um filhinho. . . e os projetos repontavam, sempre mais vivos e mais belos, daqueles dois corações amadurecidos na experiência.
Quatro meses haviam transcorrido sobre a nova situação, quando, numa ensolarada manhã, em que os velhos cônjuges haviam palestrado com ênfase acerca de assistência às mães desvalidas, eis que Mariana, cuja residência se erguia a quatro quilômetros, trazida espiritualmente por Evelina, bateu à porta. . .
Por solicitação de prestimosa servidora, Brígida veio atender.
Enlaçada, de imediato, pela filha, a fazendeira ouviu a recém-chegada, com simpatia.
Mariana implorava trabalho. E relacionou em voz triste alguns pedaços da própria história. Engravidara-se de novo, embora já tivesse quatro filhinhos. . .
Achava-se, porém, sem recursos, com o marido muito doente. . .
Sem explicar-se, quanto ao motivo de tanta e tão súbita compaixão, a senhora Terra deu-lhe algum dinheiro e prometeu visitá-la em pessoa, naquele mesmo dia, logo que o esposo voltasse do serviço para o descanso caseiro.
Evelina exultava de alegria e confiança.
Amâncio não regateou atenções ao pedido da companheira e, ao crepúsculo, ei-los juntos na habitação paupérrima. Condoídos ambos, providenciaram a remoção da família em penúria para estreito mas confortável domicílio, na gleba que cultivavam.
Qual se houvesse encontrado, por fim, todo o socorro a que mais aspirava, antes que o quinto filhinho viesse à luz, Joaquim demandou a Espiritualidade, louvando os benfeitores. . .
Mariana, desde muito enfraquecida, adoeceu gravemente. Viúva, agora, apelou para a cooperação de familiares humildes e entregou-lhes os quatro órfãos na previsão da morte próxima. . .
Brígida, atônita, ante a crise que se agravava, a identificar-se cada vez mais ligada à pobre irmã em penúria, transferiu-a para a própria casa, onde Desidério, reencarnado, abriu, por fim, os olhos, de novo, para a existência terrestre.
Na íntima convicção de que se houvera desencarregado de seu último e sagrado dever, Mariana colocou nos braços dos protetores a criancinha ansiosamente esperada e desencarnou cinco dias depois!
Benfeitores desencarnados acolheram a piedosa mãe, ao mesmo tempo que osculavam o pequenino. . . Misturavam-se ali, na mansão cercada de flores, o adeus e a chegada, a tristeza da morte e a alegria da vida! A fazendeira chorava e ria, Amâncio meditava, tocado de emoções e ideias renovadoras. . .
Ernesto e Evelina, em preces de jubilosa gratidão, perante a misericórdia da Providência, notavam, surpresos, que tanto para Mariana, no esquife, quanto para Desidério, no berço, enviava Deus a bênção de novo dia!
À noite, pequena carruagem voadora, em forma de estrela irisada, depunha Fantini e a companheira na cidade que lhes servia de residência.
Aí chegados, demandaram o Instituto de Proteção Espiritual, em cujas dependências almas carinhosas e amigas atiravam-lhes flores. Lampadários inflamados de luz policrômica cercavam todos os edifícios, assinalando-lhes as filigranas de arquitetura a jorros de beleza.
A casa festejava os dois obreiros que haviam sabido vencer, com devotamento e humildade, os tropeços iniciais do levantamento de bem-aventurado futuro!
Rodeado de assessores, Ribas saudou-os no limiar e, tomando-os nos braços, como a filhos queridos, ergueu os olhos para o Alto e rogou, comovidamente: — Senhor Jesus, abençoa os teus servos que se consagram hoje um ao outro em sublime união! Ilumina-lhes, cada vez mais, os anseios transfigurados para o teu reino, através da abnegação com que souberam esquecer dificuldades e agravos para se deterem tão-somente no auxílio aos companheiros de caminhada, ainda mesmo quando esses companheiros lhes apunhalassem os corações! Ensina-lhes, oh! Mestre, que a felicidade é uma obra de construção progressiva no tempo e que o matrimônio deve ser realizado, de novo, todos os dias, na intimidade do lar, de maneira que os nossos defeitos se extingam, nas fontes da tolerância recíproca, a fim de que as nossas almas encontrem a perfeita fusão, diante de ti, aos clarões do amor eterno!. . .
Silenciou o Instrutor, enquanto Ernesto contemplava o rosto da companheira marejado de lágrimas. . .
Do alto, choviam pequeninas grinaldas azuis, lembrando safiras que se eterizassem, radiosas, propiciando ao casal venturoso a certeza de que os Planos Superiores lhe endossavam os compromissos e de ângulos ocultos da paisagem vinham melodias de ternura, emoldurando palavras de confiança, em que a Sabedoria do Universo confirmava a perpetuidade da Misericórdia de Deus na vida que, em toda parte, continua sempre mais bela, plena de grandeza, a santificar-se pelo trabalho e a inundar-se de luz.
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