14. Ora, estando a festa já em meio, Jesus ao Templo e ensinava.
15. E os judeus maravilhavam-se, dizendo: "Como sabe este as Escrituras sem ter aprendido"?
16. Jesus respondeu-lhes e disse; "O meu ensino não é meu, mas daquele que me enviou;
17. se alguém quiser executar a vontade dele, saberá a respeito do ensino, se é de Deus ou se falo por mim mesmo.
18. Quem fala por si mesmo, busca sua própria doutrina; mas quem busca a doutrina daquele que o enviou, este é verdadeiro e nele não há desonestidade.
19. Não vos deu Moisés a lei? no entanto nenhum de vós executa a lei. Por que procurais matar-me?
20. Respondeu o povo: "Tens espírito! Quem procura matar-te"?
21. Respondendo, Jesus disse-lhes: "Um só trabalho realizei, e todos vos maravilhais dele.
22. Moisés vos deu a circuncisão (se bem que ela não venha de Moisés, mas dos patriarcas) e no sábado circuncidais um homem;
23. pois bem, se um homem recebe a circuncisão no sábado para não violar a lei de Moisés, como ficais zangados comigo, porque no sábado eu tornei um homem inteiramente são?
24. Não julgueis segundo a aparência, mas julgai com discernimento perfeito".
No "meio" da festa dos Tabernáculos (no 4. º dia, isto é, sábado dia 17 de Tishri no ano 30), Jesus subiu ao Templo para ensinar. Qual tenha sido Sua elocução e sobre que tema haja versado, não sabemos, pois o narrador silencia. O fato é que todos se admiraram da sabedoria de Suas palavras "cheias de amor" (cfr. LC
A admiração era espontânea e generalizada; e se faziam uns aos outros a indagação: "como pode conhecer assim as Escrituras, se jamais cursou a Escola Rabínica"? Esse é, realmente, o sentido do vers.
15. Grámata, no grego clássico, exprimia as letras do alfabeto; mas em Jerusalém ninguém estava em situação de julgar e saber se Jesus havia aprendido a ler e escrever em sua Terra natal. E além disso, entre os judeus helenizantes, hierà grámata designava as Sagradas Escrituras; e disso os hierosolimitanos tinham certeza: Jesus jamais cursara a Escola Rabínica de Jerusalém. Nesse mesmo sentido, João empregou o termo pouco acima (cfr. 5:47; vol. 3. º, página 176).
Aliás, o trecho que agora comentamos parece ser o prosseguimento imediato da "Cura no Templo" (JO
Logicamente a interrogação a respeito da sabedoria de Jesus não foi formulada em voz alta. Mas fácil de ser percebida pelo Espírito penetrante do Mestre, recebe pronta e adequada resposta: "o meu ensino não é meu; eu o trago daquele que me enviou; e bastará observar a vontade divina para reconhecê-lo".
A seguir entra a argumentação psicológica: "quem fala por si mesmo, pretende criar uma doutrina sua pessoal; mas quem afirma que a doutrina não é sua, e revela a fonte de origem, evidentemente é honesto, e portanto verdadeiro".
Depois dessa argumentação irrefutável, que capta o favor e a simpatia de todos os de boa-vontade, vem a pergunta que desperta o auditório: "Moisés vos deu uma lei (que proíbe matar) e vós não observais a lei, pois me ordenastes a morte". O espanto é geral, já que o público desconhece as maquinações dos maiorais. E dentre o povo vem a resposta acre: "estás obsedado! quem quer matar-te"?
A frase daimónion échei caracteriza alguém fora de seu juízo, o que, geralmente era atribuído (quando a pessoa era normal) à incorporação de um espírito perturbado. Diante da sabedoria manifesta e admir ável de seus ensinamentos, claro que ele, pessoalmente, não podia ser desequilibrado; qualquer desequil íbrio viria de fora, de algum espírito que o houvesse tomado repentinamente. De qualquer forma, a frase não tem a maldade revelada pela afirmação pérfida dos fariseus, de que Jesus operava suas curas por seus poderes de Beelzebul (cfr. MT
Os escribas e sacerdotes, porém, calam, porque sabem que a pergunta do Mestre tem fundamento e lhes é dirigida. E Jesus, sem responder ao povo (porque teria que fazer revelações perigosas, que poderiam ser contradita das facilmente) passa a justificar a cura realizada no templo quatro meses antes.
Essa justificação é feita no puro estilo rabínico, da menor à maior: Moisés ordenou a circuncisão (que por ele fora recebida dos ancestrais) e os judeus colocavam sua realização rigorosa acima da lei divina do repouso do sábado. Não havia discordância quanto a esse ponto: "pode-se fazer aos sábados tudo o que é necessário à circuncisão" (Sabbath, 18:3). E ainda no 1. º século o Rabino Eleazar Bar Azaria escreveu: "Se a circuncisão, que toca apenas um dos 248 membros do homem, é mais importante que o Sábado, muito mais importante se revela ser o corpo inteiro do homem". Esse o acordo geral.
E foi esse, precisamente, o argumento de Jesus: "por que sou condenado, só por ter curado o corpo de um homem no sábado"?
De fato, se a questão levantada na época fora o fato de o ex-paralítico ter carregado seu leito no sábado, e não propriamente a cura, todos sabiam, que o que levara os sacerdotes a condenar Jesus à morte tinha sido a cura espetacular, que vinha ameaçar-lhes o prestígio. Não querendo confessar as verdadeiras razões, por conveniências, haviam-se apegado a um pormenor que desviava a atenção do povo.
E o episódio termina com uma advertência severa: não são as aparências ("não é a carne", dirá mais tarde, JO
O contato do ser que vive no Espírito com as multidões apresenta sempre essa incógnita: como pode saber tudo isso, se não aprendeu? A cultura intelectualizada da humanidade ainda se encontra no estágio primitivista da "ciência oficial", ou da "filosofia oficial" ou da "teologia oficial". Daí a necessidade absoluta de todo aquele que pretenda trazer uma ideia nova, buscar apoio quer nas Escrituras, quer nos autores sacros ou profanos. Se simplesmente se limitar a pregar suas ideias, será rejeitado de plano, como desequilibrado mental. Poderia ser ouvido apenas por dois ou três que estivessem no mesmo nível, mas jamais atingiria outros elementos.
Na Terra, para chegar-se à Mente, é mister passar pelo intelecto. Daí ser indispensável o apoio da "autoridades". Tomás de Aquino chegava a dizer: nihil est in intellectu, quod prius non fúerit in sensu, isto é, "nada chega ao intelecto se antes não passar pelos sentidos", numa confissão materialística total, pois com essa expressão axiomática, nega peremptoriamente a intuição e a inspiração espirituais e divinas, negando até mesmo sua própria teoria da "ciência infusa", ou seja, do conhecimento revelado.
É esse conhecimento revelado obtido diretamente da Fonte Divina por experiência própria - poderíamos dizer, é essa gnose - que Jesus confessa ter e ensinar.
Tendo conseguido, no contato com o Cristo, na perfeita sintonia com o SOM (Logos, Pai) a gnose profunda dos mistérios, limita-se a ensinar o que ouviu, o que sentiu, o que percebeu. E o confessa, com humildade, ao invés de pavonear-se, dando, como seu, o que foi recebido.
Mas os homens não aceitam, não podem aceitar que alguém receba conhecimentos de uma fonte que a eles não seja acessível: acusam-no logo de "mistificação".
Então, quando há qualquer revelação de uma intenção oculta, a revolta procura abafar a realidade da declaração.
Mas toda essa parte é de somenos importância, porque são fatos que ocorrem constantemente. O essencial da lição é a ordem final: "não julgueis pelas aparências, mas julgai com discernimento perfeito".
Não se trata de julgamento stricto sensu, de juiz em sua cátedra, mas do julgamento lato sensu de todas as criaturas que necessitam exercê-lo para saber se devem ou não seguir alguém que se apresenta como pregador, guia, inovador ou revelador de doutrinas espirituais.
Há, sempre houve, aqueles que se salientam, elevando-se acima da multidão, com "ideias" que anseiam distribuir. O Mestre avisa-nos: "não olheis as aparências! elas podem enganar". Roupas, cabelos, barbas, rosários, cruzes, sinais cabalísticos, túnicas de saco com corda à cintura, tudo isso é exterioridade, aparência, ilusão. Não são esses os elementos que devem ser levados em conta. Ele próprio, Jesus, vestia-se como qualquer homem de sua época. Ao contrário: quando vemos alguém que precisa vestir-se "diferente" dos demais, para, "mostrar" o que é, isso nos levanta certa suspeita: será que essa excentricidade é sinal de vazio interno? Será que tudo é só "aparência" de espírito? Realmente, quem se modificou, quem se espiritualizou por dentro, não precisa demonstrá-lo: sua aura, seu comportamento, suas atitudes, sobretudo suas vibrações, o denunciam à distância, mesmo que não se chegue jamais a vê-lo.
Daí a segunda parte do aviso: "julgai com discernimento perfeito". De fato, é mister muito cuidado, muita prudência, para saber a quem vamos seguir. Muitos encarnados se intitulam "iniciados", ou" mestres", ou " gurus" ... o próprio Jesus não o fez. Ao revés, aconselhou-nos que "a ninguém chamássemos mestre, pois um só é nosso Mestre: O CRISTO" (MT
Há também muitos "espíritos" desencarnados que, nas reuniões mediúnicas se dizem "guias", "mentores" e "mestres", vindos do oriente ou de outros planetas... A condição é a mesma. Pelo fato de perder a roupa de carne, o espírito não dá saltos evolutivos que o elevem de categoria. "Somos todos irmãos" (MT
"Julgai com discernimento perfeito", sem entusiasmos apressados, sem fascinações perigosas, sem fanatismos exagerados, sem cegueiras prejudiciais, sem predeterminações facciosas. Há quem encante com "significados de palavras" (cfr. 1. ª Tim. 6:4), com proposições falazes (cfr. CL
A personagem intelectual é facilmente ludibriada pelo fascínio de belas palavras ou de raciocínios suasórios, Mas o Espírito, esse percebe a Voz do Cristo em seu íntimo, ou através dos Manifestantes.
O difícil é nós, personagens, ouvirmos a voz do Espírito. Mas se pedirmos com fé, receberemos (MT