Sabedoria do Evangelho - Volume 7

CAPÍTULO 28

PREPARAÇÃO PARA A PÁSCOA



MT 26:17-19


17. No primeiro dia dos ázimos, vieram os discípulos a Jesus, dizendo: onde queres que te preparemos para comeres a Páscoa?

18. Ele disse: "Ide à cidade, a um tal, e dizei-lhe: o Mestre diz: está próximo meu tempo; em tua casa farei a Páscoa com meus discípulos".

19. E os discípulos fizeram como lhes ordenara Jesus e prepararam a Páscoa.

MC 14:12-16


12. E no primeiro dia dos ázimos, quando sacrificavam a Páscoa, disseram-lhe seus discípulos: onde queres que vamos preparar-te para que comas a Páscoa? 13. E enviou dois de seus discípulos e disse-lhes: "Ide à cidade, e virá a vós um homem carregando um cântaro de água; acompanhaio;

14. e onde entrar, dizei ao dono da casa que o Mestre diz: Onde é meu aposento, em que comerei a Páscoa com meus discípulos?

15. Ele vos mostrará um sobrado grande, mobiliado, pronto; e ai preparai-nos".

16. E saindo os discípulos e chegando à cidade, e encontrando como lhes dissera, prepararam a Páscoa.

Lc 22:7-13


7. Veio, pois, o dia dos ázimos em que devia sacrificar a Páscoa.

8. E enviou Pedro e João, dizendo: "Indo, preparai-nos a Páscoa para comermos".

9. Eles disseram-lhe: Onde queres que (a) preparemos?

10. Disse-lhes ele: "Eis que, indo vós à cidade, virá a vós um homem carregando um cântaro de água; acompanhaio até a casa em que entrar;

11. e direis ao dono da casa: O Mestre te diz: Onde é o aposento em que comerei a Páscoa com meus discípulos?

12. E ele vos mostrará um sobrado grande, mobiliado; ai preparai".

13. Indo, pois, encontraram como lhes dissera, e prepararam a Páscoa.



Anotam os narradores que "era o primeiro dia dos ázimos". Pelo que sabemos de Flávio Josefo (Ant. JD 2:15-1) a festa durava oito dias cheios, pois no dia da imolação do cordeiro, 14 de nisan, não devia encontrar-se na casa nenhum alimento fermentado, nenhum condimentado com sal, nenhum temperado com azeite. Para evitar descuidos, desde a véspera, 13 de nisan, os donos da casa percorriamna em todos os recantos, catando qualquer migalha de fermento, para que fosse queimado a tempo.

Era, assim, denominado "primeiro dia dos ázimos" o dia 13. No entanto, também era permitida uma antecipação da imolação do cordeiro.


PÁSCOA


A imolação do cordeiro pascal, seu cozimento e sua consumação eram realizados ao pôr do sol do dia 14 de nisan, e a FESTA DA PÁSCOA, propriamente, era comemorada no dia 15. Ora, sabemos que Jesus foi crucificado "no dia em que devia comer-se o cordeiro", isto é a 14 de nisan.


Então, forçosamente, o cordeiro foi imolado e comido, por Ele e por seus discípulos, no dia 13 (o primeiro dia dos ázimos). Essa antecipação podia realizar-se:

1. º - Quer porque o próprio Jesus tenha resolvido fazê-lo, para seguir a grande massa popular, que recuava de um dia a imolação, quando o dia 15 caía num sábado, para que não violassem os preceitos do repouso depois das 18 horas da sexta-feira. Isso apesar de a Michna estabelecer: "a páscoa é superior ao sábado", não havendo necessidade dessa antecipação (cfr. Mechitta, 5, 1 e Gem. Pesachim 33, 1 e 66, 1).

2. º - Quer porque o Sinédrio, levado pela opinião dos sacerdotes da Casa de Boethus, que tinham grande influência, tivessem recuado oficialmente a cerimônia, para não ferir o repouso sabático.

Com esses dados, podemos estabelecer a data da crucificação de Jesus, já que sabemos que foi crucificado numa "sexta-feira 14 de nisan": com efeito, durante a procuradoria de Pilatos na Palestina, só três vezes o 14 de nisan coincidiu com a sexta-feira: no ano 27 (a 11 de abril); no ano 30 (a 7 de abril) e no ano 33 (a 3 de abril). Alguns autores, (João Crisóstomo, Patrol. Craeca vol. 58, col. 729; Teofilacto, Patr. Gr. vol. 123, col. 440; Pseudo-Victor, Catena, pág. 420; Eutímio, Patrol. Craeca, vol. 129, col.
652) opinam que prôtos, "primeiro" dia dos ázimos, deveria ler-se pro, isto é "na véspera" do dia dos ázimos (1).

(1) Pelos dados mais recentemente descobertos, devemos trazer um acréscimo à cronologia que expusemos no 1 vol, pois a crucificação só teria podido dar-se no ano 30 (dia 7 de abril), quando então teríamos que recuar de 28 para 27 o mergulho de João; ora, no mesmo vol. 1 chegamos à conclusão de que o mergulho realizou-se no ano 29. Tendo Jesus nascido a 7 A. C., e tendo completado seu primeiro ano de vida no ano 6 A. C., no ano 29 teria "cerca de 30 anos", ou mais precisamente 34 anos. Nesse passo, a crucificação não poderia ter ocorrido no ano 30, em vista das numerosas atividades relatadas nos Evangelhos. Temos, portanto, que adiar para o ano 33 (dia 3 de abril) a crucificação. Ai, então, compreendemos o porquê da tradição unânime que vem de longa data, de que Jesus "morreu aos 33 anos". Deve-se ao erro do diácono Dionísio o Pequeno, que estabeleceu o nascimento no ano 1 de nossa era, pois se fixara no dito de Lucas (Lucas 3:23) de que Jesus tinha" cerca de 30 anos", e de que sua crucificação ocorrera no ano 33. Contudo, tendo Jesus nascido a 7 A. C. (vol.
1) ou seja, o ano 747 da fundação de Roma, sua crucificação ocorreu no ano 33 (785 de Roma), quando contava, quase, 38 anos, ou seja estava no 37. º ano de sua vida, embora não tivesse completado os 38. Com isso, queremos corrigir o que escrevemos no vol. 1.

Os discípulos tomam a iniciativa de perguntar ao Mestre onde quer que seja preparada a Páscoa. Jesus encarrega Pedro e João de irem à cidade - o que denota que estavam fora de Jerusalém - e lá prevê o que está para acontecer: ao entrar (logicamente pela Porta de Siloé, onde se localizava a Fonte) encontrariam um homem a carregar água.

Observemos a originalidade: àquela época eram só as mulheres (escravas ou, nas famílias pobres, as donas da casa) que exerciam esse mister: um homem, mesmo servo, a fazê-lo, constituía uma exceção.

Ao encontrá-lo, deviam segui-lo para ver aonde se dirigia e onde entrava: com isso, localizariam a casa de "um tal" (pròs tòn deína), maneira de evitar a citação nominal por parte dos narradores. As suposições foram várias ao longo dos séculos: era a casa de Nicodemos, a de José de Arimateia ou de qualquer outra personagem importante cujo nome não devia ser citado para evitar perseguições, ou mesmo do pai de Marcos, que era casado com Maria, a irmã de Pedro, e que morava em Jerusalém (cfr. AT 12:12, AT 12:17). Mas é inútil querer adivinhar!

Ao encontrar o dono da casa, diriam: "o Mestre pergunta: onde é o meu aposento (tò katályma mou) para comer a páscoa com meus discípulos"? E Mateus acrescenta: "comerei a páscoa em tua casa" (pròs se, equivalente a parà soi, que o francês traduz otimamente: chez toi). A expressão tò katályma designava o aposento de hóspedes (cfr. 1RS 1:5 e EC 14:25). Tudo isso demonstra que havia realmente intimidade grande e confiança absoluta de parte aparte.

O anfitrião mostraria um "sobrado grande" (anágaion méga), o que revela casa grande de pessoas ricas.

Anotemos que essa palavra anágaion é um hápax neotestamentário, pois o termo comum para expressar o sobrado era hyperôon ("o andar de cima"). Ocupava, geralmente, todo o pavimento superior, abarcando todos os cômodos do térreo, e se mantinha normalmente mobiliado com tapetes, almofadas e divãs, para condignamente receber os hóspedes, permitindo-lhes comer e dormir.

Jesus regressa a Betânia com os discípulos, deixando Pedro e João encarregados dos preparativos, naturalmente auxiliados pelos escravos e empregados da casa.

A refeição da ceia pascal consistia em pão sem fermento, em salsa ritual (haroseth), em chicóreas amargas (merôrim), tudo cozido sem sal nem azeite (cfr. EX 12:8 e NM 9:11).

Eis a primeira preparação para o início do Drama Sacro para a emancipação do homem.

Aparece um sinal (sêmeion) que é mostrado (deíknymi) com clareza tão grande e evidência tão brilhante, que admira não ter sido comentado em todos os tons durante esses quase dois mil anos, um sinal que anuncia a possibilidade e a época em que se promoverá a libertação ou redenção para a humanidade terrena.

Hão de ocorrer todas as modificações preditas nos capítulos que anteriormente comentamos - E "toda esta geração estará presente para vê-lo" - mas só se dará início à passagem (páscoa) no signo de AQUÁRIO: sim, encontrarão um homem a carregar um cântaro de água.

Isso representa, desde a mais remota antiguidade, o signo de aquário, que figura no zodíaco egípcio de Denderah com duas ânforas. Todas as tradições orientais relacionam esse arquétipo com o final de um ciclo que traz em si o germe de novo princípio (ouróboros). Aquário é o princípio da dissolução e decomposição das formas, e da imediata proximidade da libertação, por meio da destruição do que é meramente fenomênico.

Mas o signo do aquário constitui simplesmente o sinal (sêmeion) reconhecedor da época. A realidade do ágape místico virá ao encontrarmos o" dono da casa" (oikodêspótês), que simboliza o Eu profundo, a Individualidade, que já mantém "mobiliado" o aposento de cada um. Notemos, de fato, que Jesus pergunta pelo ""MEU aposento", e embora não seja abertamente revelado, esse aposento está no "sobrado alto", no "primeiro andar" (anágaion).

O termo exprime, literalmente "acima" (aná) "a terra" (gáios, de gês). Não é na parte material, onde encontramos o aposento secreto do encontro e da passagem, aquele "aposento" (tameíon) onde já devemos estar habituados a "entrar e, fechada a porta, orar em secreto" (MT 6:6): é "acima da terra" (anágaion), acima do nível material.

Essa a razão por que Marcos e Lucas não usaram o termo vulgar e comum hyperôo, que exprimia o andar de cima reservado primitivamente às mulheres e, mais tarde, aos escravos. Com uma palavra nova, altamente significativa, quiseram chamar a atenção dos discípulos para o sentido oculto. E criaram o novo termo, dantes inexistente na língua grega. Por aí ficamos sabendo que as figurações alegóricas que se passam na terra (en tês gês), representadas na matéria densa, constituem mero e pálido reflexo sombrio da realidade vivida "acima da terra".

Onde? Dizem alguns autores que a ação pimordial foi realizada no plano astral. Outros admitem que o foi mesmo no físico denso, e que a humanidade e o planeta conseguiram deter sua descida evolutiva que já se avizinhava da destruição total da "alma" (cfr. Rudolf Steiner, "Pierres de construction pour la connaissance du Mystère du Golgotha", Paris, 1
947) e iniciar o caminho do regresso, quando o sangue de Jesus (seu duplo etérico) penetrou na terra, infundindo-lhe novas energias divinas.

Quanto a nós - salvo erro - pensamos que a REALIDADE foi integralmente vivida no plano espiritualmental, enquanto o reflexo se fazia sentir no plano astral e, secundariamente, em repercussão inevitável, no plano físico, único testemunhado pelos discípulos diretos.

Exatamente por isso, aqueles que tinham capacidade e poder espiritual para acompanhar o Grande Drama Místico no plano mental - ou plano REAL e ESSENCIAL - não tiveram necessidade de comparecer ao espelhismo do ocorrido no plano físico. Referimo-nos à ausência, que tanta estranheza causa, em todo o sacrifício do Gólgota, dos três grandes amigos íntimos de Jesus: Lázaro, Marta e Maria.

Deles não mais se fala na história do cristianismo de então. Não são citados nos livros escriturísticos, nem nos apócrifos, nem mesmo figuram nas tradições orais: desapareceram totalmente, como se jamais tivessem tido ligação com o Mestre. Nem por isso deduziremos que renegaram o Amigo: apenas O seguiram por outros caminhos, em outros planos.

A tradição fala-nos de Maria Madalena, mas não da Maria de Betânia. Interessante focalizar resumidamente o que se disse no passado das três Marias: a pecadora, a Madalena e a irmã de Marta.


* * *

AS TRÊS MARIAS


Nas narrativas evangélicas, além de outras (a Mãe de Jesus, a esposa de Cléofas, etc), aparecem três Marias sobre as quais as opiniões divergem:
#c1 1. MARIA "a pecadora", que ungiu os pés de Jesus na casa de Simão o fariseu (LC 7:36-50; vol. 3). 2. MARIA MADALENA, que o Talmud apresenta como casada inicialmente com o judeu Pappus Ben Judah, que abandonou para unir-se ao oficial de Herodes chamado Panther; não era, necessariamente uma "pecadora pública" nem uma "viciada" como a descreve Gregório Magno (Patrol. Lat. vol. 76, col. 1239, na Homilia in Evang. 33,1). Curada por Jesus que lhe expulsou sete espíritos obsessores, agregou-se a Ele permanecendo a seu lado até a crucificação; a ela Jesus apareceu logo após a "ressurreição", em primeiro lugar.
#c1 3. MARIA DE BETÂNIA, irmã de Lázaro e de Marta (cfr. JO 11:1-44) que ungiu os pés e também a cabeça de Jesus na casa de Simão o leproso (JO 12:3, vol.
6) e recebeu Jesus em sua casa (LC 10:38-42, vol. 5).
Entre os comentadores, divergem as interpretações desde as mais remotas épocas:

A) as três constituem uma só pessoa, afirmam: Clemente de Alexandria (Pat. Gr. vol. 8 col. 430);


Tertuliano (Pat. Lat. vol. 2 col. 1001); Gregário Magno (Pat. Lat. vol. 76 cols. 854 e 1239; vol. 77, col. 877; e vol. 79 col. 243); Bernardo, embora com hesitação (Pat. Lat. vol. 183, cols. 342, 422,527, 831); e Agostinho, que ora afirma a identidade das três (Pat. Lat. vol. 34 col. 1
155) ora hesita em afirmar que sejam uma só pessoa (Pat. Lat. vol. 35, col. 1748).

B) Distinguem a pecadora da Madalena (nem supõem identidade com Maria de Betânia): as Constitutiones Apostolicae (Pat. Gr. vol. 1, col. 769); João Crisóstomo (Pat. Gr. vol. 78, col. 342; Orígenes (Pat. Gr. vol. 13, col. 1721). Seguido por Teofilacto, Eutímio, Servio, etc. ; Ambrósio (Pat. Lat. vol. 15, col. 1672), discute o assunto, afirmando que são duas, embora possa defender-se a hipótese de que a pecadora se transformou em santa; Hilário (Pat. Lat. vol. 9 col. 748); Jerônimo (Pat. Lat.

vol. 23, col. 1123 e 1130 e vol. 26, col. 191).

Modernamente J. Bollandus, Acta Sanctorum (tomo 5. º pág.
187) afirma a identidade das três, que fez festejar pela igreja de Roma a 22 de julho; Bossuet ("Sur les Trois Madeleine", Migne, Paris, 1856, vol. 5. º, col. 1
647) distingue as três em defesa brilhante.


Analisemos os argumentos que distinguem a "pecadora" de Madalena: a) o nome do anfitrião, Simão, era tão comum que, entre os doze discípulos de Jesus, dois se chamavam assim; b) uma é dita "a pecadora"; a outra designada pelo nome; c) uma unge os pés, a outra os pés e a cabeça; d) uma derrama o perfume, a outra quebra o vaso; e) de uma murmura o anfitrião contra Jesus, da outra queixa-se Judas em alta voz contra o desperdício; f) no episódio da pecadora é repreendido Simão; no da Madalena são repreendidos os discípulos; g) Simão o fariseu estava na Galileia; Simão o leproso em Betânia, na Judeia; h) o primeiro banquete foi mais de um ano antes da crucificação, o segundo, seis dias apenas antes; i) o fato de ter tido sete obsessores não implica em ter sido pecadora pública; j) logo após citar a pecadora (LC 7:37), o mesmo evangelista apresenta a Madalena (LC 8:2) dando-lhe o nome, como personagem nova;

k) o fato de João dizer que Maria foi "a que ungiu" (hê aleípsasa) no passado, quando só narra a unção posteriormente, nada indica, pois na mente do evangelista devia estar vivo o episódio como já realizado, e só literariamente aparece a narrativa do fato em seguida.


Quanto à irmã de Marta: a) Nada faz supor que tivesse tido vida desregrada; b) Jesus conhece a pecadora durante o jantar de Simão o fariseu, ao passo que Maria de Betânia era sua amiga, sendo sua casa frequentada por Jesus; c) Maria Madalena era originária de Magdala, na Galileia; Maria irmã de Marta era originária de Betânia, na Judeia.

Das três, nada mais se sabe a respeito da "pecadora" nem de Maria de Betânia. Apenas da Maria Madalena há tradições: Gregório de Tours (Pat. Lat. vol. 71, col.
131) escreve no seu "De Glória Martyrum", no 29, que o túmulo de Maria Madalena era visto em Éfeso ainda no século 6. º.


Daniel, o higumeno, diz ter visto seu túmulo e sua cabeça, em Éfeso, no ano 1106 (cfr. Tomaschek Comptes Rendus de l"Académie de Vienne" tomo 124, pág. 33).

Os historiadores bizantinos dizem que o imperador Leão VI, em 899, fez trazer para Constantinopla o corpo de Madalena (cfr. Leo Grammatictts, Pat. Graeca, vol. 120, col. 1108).