O Evangelho dos Humildes

CAPÍTULO 8

O LEPROSO PURIFICADO



(Mt 8:1-35; Mc 1:40-45; Lc 5:12-16)

1 E depois que Jesus desceu do monte foi muita a gente do povo que o seguiu.

2 E eis que vindo um leproso o adorava, dizendo: Se tu queres, Senhor, bem me podes limpar.

3 E Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Pois eu quero. Fica limpo. E logo ficou limpa toda a sua lepra.

4 Então lhe disse Jesus: Vê, não o digas a alguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e faze a oferta que ordenou Moises, para lhes servir de testemunho a eles.

Fascinada pela amorosa mensagem de Jesus, muita gente o seguia. Todavia, cumpre dividir em duas classes os que seguem Jesus: a uma classe pertencem os que o seguem com os lábios, sem jamais o sentirem no coração; estes falam, mas não praticam. A outra classe é constituída pelos que seguem Jesus, esforçando-se o mais possível para viverem segundo os ensinamentos dele.

Dada a extraordinária elevação moral de Jesus e ao seu perfeito conhecimento das leis divinas, fácil lhe era movimentar poderosos recursos fluídicos, com os quais efetuava as curas. É de se notar, contudo, que o paciente devia estar em posição de receber a cura que implorava. Uma das condições que melhor predispunha o doente a merecer a cura que tanto ambicionava, era alimentar uma fé viva, que pudesse atrair o fluxo magnético que Jesus irradiava.

Aqui vemos o leproso criar a condição favorável, pois diz ao Mestre: — Se tu queres, bem me podes curar.

É como se ele afirmasse a Jesus: A minha fé em tua ação é muito grande; o resto depende de tua vontade, Senhor.

E Jesus, notando que o leproso estava suficientemente preparado pela fé, respondeu-lhe: Quero. Isto é: Agora que estás regenerado, eu posso curar-te.

A lepra pertence à categoria das moléstias expiatórias. É um dos mais dolorosos, porém, dos mais enérgicos remédios para livrar a alma de pesados débitos contraídos em existências passadas. No tribunal da justiça divina, o castigo é sempre proporcional à falta cometida. Por isso, os que são tocados por tão terrível enfermidade, é porque têm grandes contas a liquidar. Em primeiro lugar deverão dar graças ao Pai pela sublime oportunidade de resgate, que sua misericórdia lhes proporciona; depois, encherem-se de fé, paciência, coragem e resignação. Quando a vontade de Deus os chamar novamente para o mundo espiritual, deixarão na terra o miserável corpo que lhes servia de cárcere e de tormentos; e seus espíritos, purificados das manchas dos crimes das encarnações anteriores, resplandecerão luminosos e felizes.

Jesus, ao curar o leproso, não contrariou as leis divinas. As leis de Deus são imutáveis. Aconteceu que o leproso, pela sua resignação à Vontade Divina, tinha expiado suficientemente seus erros, purificando-se espiritualmente. E Jesus, vendo a fé de que o leproso estava possuído, fez com que a cura de seu espírito se refletisse em seu corpo físico.

Neste trecho aprendemos também que as expiações, isto é, os castigos não são eternos. Não há castigos eternos. O fim de uma expiação depende unicamente da força de vontade de cada um. Conformar-se com a situação em que se acha, é o primeiro passo para a cura do espírito, cura essa que, no momento oportuno, se refletirá infalívelmente no corpo físico.

O Leproso soube sofrer resignadamente e, como recompensa e exemplo, mereceu a cura que Deus lhe enviou por meio de Jesus.


O CENTURIÃO DE CAFARNAUM

(Lc 7:1-10; Jo 4:43-54)

5 Tendo porém entrado em Cafarnaum, chegou-se a ele um centurião, fazendo-lhe esta súplica.

6 E dizendo: Senhor, o meu criado faz em casa doente com uma paralisia e padece muito com ela.

7 Respondeu-lhe então Jesus: Eu irei e o curarei.

8 E respondendo o centurião, disse: Senhor, eu não sou digno de que entres na minha casa; porém, manda-o só com a tua palavra e o meu criado será salvo.

9 Pois eu também sou um homem sujeito a outro, que tenho soldados às minhas ordens e digo a um: Vai acolá, e ele vai; e a outro: Vem cá, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz.

10 E Jesus, ouvindo-o assim falar, admirou-se e disse para os que o se guiam: Em verdade vos afirmo, que não achei tamanha fé em Israel.

11 Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente e que se sentarão à mesa com Abrahão e Isaac e Jacob no reino dos céus.

12 Mas que os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.

13 Então disse Jesus ao Centurião: Vai e faça-se segundo tu creste. E naquela mesma hora ficou são o criado.

Observemos aqui a humildade com que o centurião se dirige a Jesus. Essa humildade transparece não só das palavras do centurião, como também do ato de ele, um superior, interceder por um inferior, seu servo.

A humildade é o característico da fé sincera. Os que sabem ser verdadeiramente humildes, muito recebem; porque a humildade abre as faculdades receptivas da alma, colocando-a em posição de merecer o auxílio divino.

Nos versículos 11:12, Jesus quer dizer que as leis divinas, até aí conhecidas somente do povo hebreu, no futuro seriam conhecidas e praticadas por todos os povos da terra. Esta profecia de Jesus se cumpre em nossos dias.

O monoteísmo que era uma crença somente dos filhos de Israel, espalhou-se pela terra inteira. E hoje a humanidade civilizada já adora o Deus único, tornado conhecido em nosso planeta, por meio do povo israelita. E o Evangelho do Mestre já espalha sua claridade por todas as nações.

Os filhos do reino simbolizam aqueles que conhecem as leis divinas, mas não as praticam. E Jesus os adverte de que sofrerão as consequências dolorosas de seu endurecimento perante as leis do Senhor.


A SOGRA DE PEDRO

(Mc 1:29-34; Lc 4:38-41)

14 E tendo chegado Jesus à casa de Pedro, viu que a sogra dele estava de cama e com febre.

15 E tocou-lhe na mão e a febre a deixou e ela se levantou e se pôs a servi-los.

16 Sobre a tarde porém lhe puseram diante muitos endemoninhados; e ele com sua palavra expelia os espíritos e curou todos os enfermos.

17 Para se cumprir o que estava anunciado pelo profeta Isaías, que diz: Ele tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças.

Os endemoninhados aqui referidos eram pessoas obsidiadas; e Jesus, com sua palavra, afastava os espíritos obsessores.

Nas épocas de renovação espiritual da humanidade, multiplicam-se os casos de obsessões, como prova da imortalidade da alma. Foi o que aconteceu no tempo de Jesus: a Providência Divina permitiu as manifestações dos espíritos para chamar a atenção dos homens sobre a realidade da sobrevivência da alma, conforme Jesus ensinava.

Nos tempos modernos em que o Espiritismo por seu turno intensifica o trabalho de espiritualização do mundo, novamente se manifestam os espíritos, provando as verdades espirituais. E as manifestações mais comuns são as obsessões, que avivam a curiosidade do povo sobre os problemas da alma.

Quanto à profecia de Isaías, ela se refere à parte moral da doutrina de Jesus. Ensinando-nos as leis divinas e como praticá-las, Jesus nos deu o remédio que livra nossa alma de doenças e enfermidades morais, que nesta ou nas futuras encarnações arruinariam a saúde de nosso corpo.

Quanto à sogra de Pedro, ela foi curada pelo passe, tão comum hoje em dia nos Centros Espíritas.


COMO DEVEMOS SEGUIR A JESUS

(Lc 9:57-62)

18 Ora, vendo-se Jesus rodeado de muito povo, mandou-lhes que passassem para a banda d’além do lago.

19 Então chegando-se a de um escriba, lhe disse: Mestre, eu seguir-te-ei para onde quer que fores.

20 Ao que Jesus lhe respondeu: As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos; porém o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.

21 E outro de seus discipulos lhe disse: Senhor, deixa-me ir primeiro enterrar a meu Pai.

22 Mas Jesus lhe respondeu: Segue-me e deixa que os mortos sepultem os seus mortos.

Seguir a Jesus é renunciar à cobiça, à inveja, à maledicência, ao ódio, à concupiscência, à cólera, à violência, aos vícios, aos maus hábitos, as más palavras, aos maus pensamentos e aos maus atos.

Seguir a Jesus é não se apegar excessivamente aos bens deste mundo, com prejuízo dos bens espirituais.

Seguir a Jesus é esquecer-se de si mesmo, em benefício dos outros.

Conhecendo que o escriba queria segui-lo, mas ainda carregado das vaidades do mundo, Jesus lhe respondeu como se lhe dissesse: Eu, neste mundo, renunciei a tudo; como queres seguir-me se não te sujeitas a renunciar a nada?

Os que já compreendem a imortalidade da alma sabem que a morte não existe. Quem já chegou a este grau de compreensão é um vivo, porque despertou para a realidade. Os que não compreendem a imortalidade da alma é julgam que a morte é o fim de tudo, estes são os verdadeiros mortos espirituais.

Dizendo Jesus ao discípulo que o seguisse, pois os mortos cuidariam do morto, quis dizer-lhe: Tu que já sabes que a morte não existe, porque te importas tanto com ela? Deixa que se interessem pela morte os que não compreendem a verdadeira vida.


JESUS APAZIGUA A TEMPESTADE

(Mc 4:35-41; Lc 8:22-25)

23 E entrando ele numa barca, o seguiram seus discípulos.

24 E eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de modo que a barca se cobria das ondas e entretanto ele dormia.

25 Então se chegaram a ele seus discípulos e o acordaram, dizendo: Senhor, salva-nos, que perecemos.

26 E Jesus lhes disse: Porque temeis, homens de pouca fé? E levantando-se pôs preceito ao mar e aos ventos e logo se seguiu uma grande bonança.

27 E os homens se admiraram, dizendo: Quem é este. Que os ventos e o mar lhe obedecem?

As chamadas forças cegas da natureza não existem. Em todos os departamentos que regulam a vida na face da terra, depararemos sempre com cooperadores espirituais. Falanges de espíritos em evolução trabalham ativamente, zelando pela manutenção dos reinos da natureza: o mineral, o vegetal e o animal. Os fenômenos atmosféricos também são presididos por plêiades de espíritos, sob orientação superior, encarregados de manterem o equilíbrio planetário.

Nem sempre compreendemos o porquê dos fenômenos, que muitas vezes causam verdadeiras calamidades em determinadas regiões do mundo. Mas o Espiritismo nos ensina que não há efeito sem causa. Por conseguinte, os fenômenos tais como: tempestades, terremotos, maremotos, inundações, são orientados por entidades espirituais, em obediência a desígnios divinos, visando o apressamento da evolução não só do planeta, como também das populações atingidas.

Jesus aqui não fez milagre ao apaziguar a tempestade. Usou apenas de seu conhecimento das forças que regem o Universo e de sua superioridade moral para ordenar aos orientadores invisíveis da atmosfera, que fizessem cessar a tempestade.

Todavia, de cada trecho do Evangelho podemos tirar proveitosos ensinamentos morais. O espírito, quando se entrega às paixões terrenas, desencadeia em seu íntimo terrível tempestade moral: a ambição o perturba, o ódio o maltrata, os vícios o escravizam, o orgulho o sufoca, seu coração se torna um mar tempestuoso. Para aplacar semelhantes tempestades da alma, o recurso é invocar a proteção de Jesus, e conformar-se com seus ensinamentos. E a consciência que se debatia qual mar encapelado e revolto, começa a abrandar, e suave paz assenhoreia-se do coração. E depois, com o coração sereno e a consciência tranquila, o espírito regenerado exclama satisfeito: Verdadeiramente Jesus aplaca as tempestades.


OS ENDEMONINHADOS GERASENOS

(Mc 5:1-20; Lc 8:26-39)

28 E quando Jesus passou à outra parte do lago, ao país dos gerasenos, vieram-lhe ao encontro dois endemoninhados, que saíam dos sepulcros, em extremo furiosos, de tal maneira, que ninguém ousava passar por aqueles caminhos.

29 E gritaram logo ambos, dizendo: Que temos nós contigo, Jesus, filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?

30 Ora em alguma distância deles andava uma manada de porcos pastando.

31 E os demônios o rogavam, dizendo: Se nos lanças daqui, manda-nos para a manada dos porcos.

32 E ele lhes disse: Ide. E saindo eles se foram aos porcos e no mesmo ponto toda a manada correu impetuosamente por um despenhadeiro a precipitar-se no mar; e todos morreram afogados nas águas.

33 E os pastores fugiram; e vindo à cidade, contaram tudo, e o sucesso dos que tinham sido endemoninhados.

34 E logo toda a cidade saiu a encontrar-se com Jesus; e quando o viram, pediram-lhe que se retirasse do seu termo.

É comum depararmos com espíritos obsessores que não sentem o menor desejo de se regenerarem nem de deixarem suas vítimas. Quando doutrinados, imprecam contra quem os chama ao reto caminho e tudo fazem para não escutarem palavras de bom senso. Nestes casos, o doutrinador deve possuir grande força moral para ser obedecido. Ë o que nos ensina esta passagem evangélica: os espíritos obsessores não puderam desobedecer a Jesus; porém, como não tinham vontade de se corrigirem, acharam mais fácil atormentar os porcos do que aproveitar a oportunidade de melhoria que Jesus lhe oferecia.

Como a cura dos obsidiados lhes custou a perda dos porcos, os pastores se revoltaram. Estes pastores simbolizam duas espécies de indivíduos: os que dão mais valor às coisas terrenas do que às espirituais e os que recebem graças espirituais e não sabem reconhecê-las. Os primeiros só vêem a matéria e repelem sistematicamente qualquer tentativa que vise despertá-los para a espiritualidade. Os segundos jamais se lembram de agradecer a Providência Divina pelo que recebem, como os gerasenos que não se mostraram agradecidos a Jesus, pela cura de seus endemoninhados. Ë verdade que Jesus não está à espera de agradecimentos, pois que cada um sempre receberá de acordo com seus merecimentos; contudo, o saber agradecer e ser reconhecido é prova de humildade e de elevação espiritual.

É digno de notar-se o exemplo de tolerância que Jesus nos dá: ao ser convidado a retirar-se das terras dos gerasenos, Jesus não alterca com eles nem lhes lança em rosto o benefício que tinha feito aos obsidiados que sofriam; respeita-lhes a incompreensão, perdoa-lhes a ingratidão e retira-se.