Canais da Vida

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Capítulo IX

Perante os mortos


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Quando visites o campo convertido em relicário da cinza dos mortos, procurando tatear a lembrança dos seres queridos que o sepulcro recobre, endereça-lhes a própria alma, em forma de amor, porque eles vivem.

Pensa neles com o enternecimento de quem reencontra devotados amigos, apartados de ti por temporária separação.

Qual se estivessem, involuntariamente, numa parada expectante, falam-te, em silêncio, a verdade que o verbo humano não articula.

Basta medites para que lhes recolhas a voz…

Poderosos de ontem, que abusavam da autoridade, lamentam na lousa o capacete esbraseado de angústia e remorso que se lhes embutiu nas consciências;

déspotas de variados matizes, que zombaram da fraqueza ou da ignorância do próximo, conservam enterradas, no próprio peito, as lâminas repulsivas com que desataram as lágrimas alheias;

juízes, que leiloaram a dignidade dos tribunais suportam as consequências do arrazoado precioso com que vestiram sentenças ímpias;

intelectuais que encharcaram a pena em lodo mental, assalariando a própria inteligência no artesanato do crime, clamam contra o nevoeiro que lhes entenebrece os pensamentos;

tribunos, que esconderam propósitos sombrios em frases fulgurantes, ouvem no ádito de si mesmos, as doridas exprobrações de quantos lhes caíram na vasa das intenções subalternas;

artistas, que injuriaram a natureza, senhoreando-lhe os recursos para suscitarem nos outros a delinquência emotiva, arrastam-se, obsessos e infelizes, nos torvelinhos da insanidade;

pessoas dinheirosas, que fizeram do ouro e da prata incenso constante à própria vaidade, buscam, em vão, apagar a mentira das pomposas legendas que lhes marcam os restos…


Junto deles, porém, surge a caravana dos que chegam dos cimos, a entremostrarem o próprio fato por mensagem de luz.

São aqueles que sobrenadaram a onda móvel e traiçoeira das ilusões humanas, desvelando os próprios corações por lábaros esplendentes…

Ostentavam nomes admirados, mas souberam transfigurar a própria grandeza no trabalho em que se tornavam pessoalmente humildes e pequeninos;

foram titulados, na culminância das profissões, entretanto, colocaram o serviço aos semelhantes, acima das honrarias;

desempenharam comandos sociais em gabinetes governativos, contudo, transformaram a liderança em exemplo de sinceridade e desinteresse, nas causas justas;

eram renomados artífices da ideia e do sentimento, no entanto, manejavam a palavra falada ou escrita por enxada solar nas glebas do espírito;

foram mordomos da finança e da economia, mas converteram a fortuna amoedada em sustentáculos do progresso e em fontes de beneficência fecunda;

suaram, valorosos e desvalidos, na condição de heróis anônimos que a Terra desconheceu, todavia, passaram entre os homens, extravasando a própria dor, em cânticos de alegria e esperança, nos quais honorificaram o Eterno Bem…


Recordando os entes amados, que te antecederam no rumo de realidades sublimes, busca a inspiração dos que conheceste retos e bons e envolve no bálsamo da prece os que tombaram sob a névoa de clamorosos enganos.

Reflete em todos eles, enviando-lhes a simpatia de tua bênção, porquanto as criaturas de quem te despediste na morte, acreditando em aniquilamento, são simplesmente os companheiros desencarnados, componentes da Família Maior, a cujo seio também chegarás.




Emmanuel
Francisco Cândido Xavier

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