Cartas de Uma Morta

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Capítulo VI

Belezas de Saturno — A vertiginosa excursão


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Um dos planetas, cuja constituição mais me impressionava, quando raramente me entretinha com essas questões na Terra, era Saturno, imaginando como seriam prodigiosos os fenômenos da luz em sua superfície, em virtude de seu anel e numerosos satélites.

Revelando essas preocupações ao Espírito benévolo, que prosseguia dispensando-me carinhosa proteção; concedeu-me o seu valioso auxílio para que eu pudesse excursionar àquele orbe distante.

Bastou que fixássemos em nossa mente semelhante desejo para que me visse ao lado de um boníssimo companheiro, envolto em atmosfera diferente da que me era habitual nas adjacências da Terra.



Vi-me então, numa superfície diversificada, onde parecia pisar sobre um amontoado de massas mais ou menos análogas ao gelo sentindo-me envolvida numa temperatura singular.

Avistei muito distante, como um novelo de luz, levemente azulada, o sol; todavia, só pude saber que se tratava desse astro porque me disse o esclarecido mentor e devotado guia, tal era a diferença que eu constatava. A luz se espalhava por todas as coisas, mas, o seu calor era menor, dando-me a impressão de frescura e amenidade, arrancando do cenário majestoso, que eu presenciava, tonalidades de um rosa pálido e de um azul indefinível.

Vi, depois, várias habitações de estilo gracioso, onde predominavam grandes colunatas artisticamente dispostas, decoradas com uma substância para mim desconhecida, que mudava de cor, em lindíssimas nuanças, aos reflexos da luz solar.



Uma vegetação estranha coalhava o solo branco, às vezes brilhante; a clorofila porém, que se conhece no planeta terráqueo, devia estar substituída por outro elemento, porque todas as folhagens e ramarias eram azuladas; contudo, os espécimes de flores, que eu tinha sob as vistas, eram de coloridos variegados, apresentando as mais singulares tonalidades quando refletiam a luz circunstante. Flores extraordinárias pela sua originalidade e perfume ornamentavam todo o ambiente.



Contemplando o espaço, muito acima de nós, vi grandes massas multicores, que tomei por variegadas nuvens e, ao mesmo tempo, notei que seres estranhos evolucionavam nos ares, em gráceis movimentos, apesar de me parecerem bizarros. Nada tinham de comum com os tipos da humanidade terrena, afigurando-se-me extraordinariamente feios com a sua organização animalesca, com suas membranas à guisa de asas, tão estranhas para mim, as quais lhe facultavam o poder de volitar à vontade.



Ante a minha atitude de assombro, solicitamente o guia explicou:

— Vês, filha, estamos na superfície de Saturno, onde o dia se compõe de dez horas e as estações duram mais de sete anos consecutivos, segundo a contagem do tempo no planeta que deixaste. Aqui a situação climatérica é eminentemente benéfica, em razão do equilíbrio da obliquidade da eclíptica, propiciando aos habitantes deste venturoso orbe, elementos de duradoura saúde.



O sol, aqui apresenta novos aspectos, porquanto sua luz, em combinação com os elementos atmosféricos, caracteriza-se por composições que desconheces; e essa claridade eterna e suave, que te provoca admiração, é conservada em suas vibrações pelos numerosos satélites que a refletem, multiplicando os raios luminosos e caloríficos.



Espanta-te a contemplação dos seres que o povoam? É que te achas fora dos ambientes rotineiros, faltando-te a analogia para saberes comparar as coisas.

Essas criaturas, que te parecem animais egressos das plagas terrestres, onde os zoófitos encontram os seus elementos de vida, são altamente dotados de sabedoria, sensibilidade e inteligência. Seus sentidos e percepções são muito superiores àqueles com que foram aquinhoados os homens terrenos e a preocupação máxima da sua existência é a intensificação do poder intelectual.

Souberam dominar todos os elementos da Natureza e aplicar sabiamente as suas leis; com suas adaptações e continuados estudos fizeram deste mundo uma das regiões privilegiadas do Universo, onde as almas desejosas de perfeição e beleza estacionam, preparando-se para um glorioso porvir.

Não vivem, como na Terra, uma existência saturada de vícios e de maus costumes, nem se nutrem sacrificando vidas, mas conforme a Natureza, aproveitando-se daquilo que ela nos proporciona espontânea e naturalmente, alimentando-se com frugalidade.

Seus problemas comezinhos foram simplificados ao extremo, pois, desconhecendo a ambição que na Terra avassala os corações, criaram uma organização política segundo a sua elevada evolução espiritual, regulando com absoluta equidade todas as questões econômicas, o que lhes outorga invejável situação de equilíbrio, indene da ação nefasta das guerras.



Aqui ainda existe o colégio sacratíssimo da família, que se reúne sob os imperativos das afinidades naturais.

Chegados a certa idade, os saturninos ouvem os Espíritos, seus irmãos das outras Esferas do sistema, existindo entre eles a mais poderosa mediunidade generalizada. Conhecem todas as combinações fluídicas requeridas ao seu bem estar, e a eletricidade e a mecânica não têm para eles segredos, sabendo utilizar-lhes as forças com plena consciência das suas possibilidades.

Também estão a par do que ocorre nos outros mundos e todo habitante de Saturno pode calcular com precisão matemática, de um momento para outro, a posição dos satélites dos outros planetas, respondendo com acerto qualquer arguição nesse sentido. Conhecem a história e os fenômenos dos globos cometários que lhes são familiares, e sabem medir a paralaxe das estrelas mais próximas, conservando uma vasta ciência das coisas do céu.



Entre eles, a justiça e a verdade não são um mito e, há muito, a ciência está reunida à fé. Não amontoam as riquezas, que resplendem no solo em que pisam, no qual se conservam matérias preciosíssimas, as quais somente são retiradas para ornamentação de seus lares ou dos templos da sabedoria, onde se verificam prodigiosas manifestações da onipotência divina.

A simplificação da existência, por meio das aplicações do seu extraordinário engenho e de suas nobilíssimas concepções acerca das finalidades da vida, minorou-lhes as fadigas e os trabalhos, que aqui não precisam ser tão intensos. Podem-se dedicar com mais devoção ao que concerne à espiritualidade, conservando-se acima da ciência terrena nos problemas referentes à medicina; as moléstias incuráveis entre eles são desconhecidas e sagradas instituições recebem os que se avizinham da transição que denominais morte, na Terra. Para eles a morte não existe, porque estão cientes de tudo o que ocorre ao Espírito liberto.

Não são, contudo, seres perfeitos como talvez presumas: são ainda falíveis, mas o que te procuro demonstrar é a sua incontestável superioridade sobre o orbe que abandonaste.



Vendo grandes nuvens multicores, que esvoaçavam no firmamento, expressei minha admiração ao companheiro zeloso, que me esclareceu:

— Não são nuvens o que contemplas. São aparelhos gigantescos onde os saturninos se reúnem para estudos maravilhosos. Em cada um deles se agrupa uma assembleia de Espíritos sedentos de sabedoria. A música, a poesia, todas as artes lhes merecem especial carinho, porquanto único objetivo os irmana num mesmo ideal — a grandeza intelectual.



Nesse instante reparei que o dia se findava no hemisfério em que nos achávamos, desaparecendo o globo azulado e longínquo do sol nos horizontes desse mundo prodigioso; seu brilho esmaecia e quando o reflexo cerúleo se observava em todas as coisas um cenário esplendoroso e inenarrável descerrou-se ao meu olhar atônito. Nas imensidades do éter acendeu-se o lampadário maravilhoso; afigurava-se que uma auréola de chamas lindamente coloridas coroava esse orbe encantado, em meio às luas fulgurantes que me pareciam vitórias-régias resplandecendo num mar de suavíssimas claridades.

Locomovemo-nos em determinada direção e qual não foi o meu espanto ao deparar com grande massa de substância fluídica, um pouco semelhante à água levemente rosada, elucidando o meu prezado mentor tratar-se dos mares saturninos, enquanto apreciava as fontes encantadas e os lagos róseos como se fossem encravados em geleiras alvíssimas.

Observei, então, um quadro indescritível: bem no cume de um monte, que parecia de neve, certo palácio de colunas preciosas emergia de uma alcatifa de flores.

Resplandeciam os anéis luminosos no firmamento e grande multidão ali se reunia em atitude de recolhimento e prece.

Vi, então, elevar-se aos céus constelados uma onda de luminosidade feérica e, da amplidão azul, onde evolucionavam os lindos satélites desse orbe de sabedoria e ventura, um jorro de sol desceu sobre aqueles seres silenciosos e recolhidos. Era a correspondência visível entre dois Planos…

Nesse instante, porém, o desvelado mentor me arrancou do êxtase em que me achava. Saí então, daquela atmosfera densa, mas cheia de encantamentos e de maravilhas, levando comigo a visão eterna daquele celeste orbe de harmonia e beleza, que se afigurou, ao meu Espírito acanhado e imperfeito, como prodigiosa estância de perfeições do universo.




Maria João de Deus
Francisco Cândido Xavier


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