Estudando o Evangelho

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CAPÍTULO 47

Liberdade Cristã – 1º

Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convém.


Fixando os limites da liberdade cristã — em outras palavras: estabelecendo regras para o bom-tom evangélico — adverte Paulo aos membros da Igreja por ele fundada em Corinto, na Grécia, no capítulo 10º, versículo 23 de sua 1ª Epístola, quanto à liceidade e conveniência das coisas.
A orientação paulina é sábia e equilibrada, uma vez que favorece a nossa compreensão quanto ao comportamento heterogêneo dos homens, em determinadas circunstâncias da vida em comum.
Para maior clareza da passagem em estudo, reproduzimo-la, também, segundo outras traduções bíblicas:
“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém; tudo me é permitido, mas nem tudo edifica. "
Em primeiro lugar, realcemos o respeito ao livre arbítrio individual, no substratum ético do Cristianismo: tudo é permitido ao homem, mas ele modificará essa liberdade de escolha, deixará de usar essa permissão tão logo a Espiritualidade lhe apresente mais amplos horizontes evolutivos, ou a evolução lhe mostre mais largos panoramas espirituais.
O homem pode fazer isto ou aquilo, desde que nisto ou naquilo se compraza.
Escravo, contudo, é o homem na colheita, pois que livre o é na semeadura.
O pensamento do Apóstolo dos Gentios é algo parecido, no tópico em análise, com o do Mestre — a quem Paulo tanto soube amar e a cujo ideal tão bem soube servir —, quando rogava pelos discípulos, na chamada “oração sacerdotal": “Pai, não te peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. " A advertência de Paulo leva-nos, inicialmente, a refletir quanto à conveniência ou não de certas coisas. .
Impele-nos, igualmente, para um detalhe significativo: Quando o homem acorda para as eternas realidades — do Bem e da Moral, do Sentimento e da Cultura —, certas normas da vida social são, para ele, evidentemente lícitas, mas lhe não convêm.
Não convêm, porque não edificam.
Não constroem intrinsecamente.
Não aprimoram.
Não aproveitam ao Espírito Imortal.
Estudemos o assunto, delicado sem dúvida, sob alguns aspectos da vida de relação.
A vida social, em tese, é agradável e necessária, algumas vezes, à manutenção do círculo de amizades que o homem forja dia a dia.
Há criaturas, no entanto, que colocam este problema em termos tais, que chegam a afirmar: “A minha vida social é tão intensa, tão absorvente, que não me sobra tempo para mais nada. " É o caso, então, de se ponderar com o Apóstolo: É lícito manter vida social; contudo, se tal programa, por sua intensidade, se torna obsessivamente escravizante e escravizantemente obsessivo, com prejuízo para um outro, sublime programa — o das ocupações espirituais —obviamente não convém, porque não edifica.
Outro caso, agora relacionado com as diversões.
Há pessoas que as frequentam quase durante a semana inteira, não reservando sequer uma noite para visita a um doente, a um encarcerado, a um sofredor, a um amigo que atravessa uma provação.
Comparecer às diversões instrutivas, naturalmente é coisa lícita, inclusive porque a diversão instrutiva areja e educa o Espírito, aliviando-o das sobrecargas mentais de um dia de intenso labor.
É lícito, sem dúvida, mas não convém ao aprendiz de boa vontade procurálas excessivamente, duas ou três vezes na semana, porque duas ou três noites serão mais crestamento vividas se utilizadas na visita aos necessitados, ou no cumprimentO, enfim, de qualquer tarefa espiritual.
O problema, em suma, da criatura realmente interessada em dinamizar a própria renovação, é o da vivência cristã do maior número de horas.
Renovar é libertar-se.
Libertar-se é ascender na compreensãO, no entendimento.
Cada hora, em nossa existência, é uma oportunidade que nos compete valorizar, utilizando-a no bem, em qualquer uma de suas variegadas modalidades.
Frequentar as diversõeS educativas — simpleSmente as educativas e nunca as licenciosas — uma vez por outra, é coisa licita.
Delas não nos pretende o Espiritismo privar. Tornar-se, contudo, o homem escravo das filas, obsidiar-se pelos anúncios de espetáculos — não convém, porque não edifica.
Penetremos bem o pensamento de Paulo: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todaS convêm. "
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Liberdade Cristã – 2º
Tudo me é permitido; mas nem tudo edifica.
Os Espíritas já conhecem — alguns por experiência pessoal, outros através da leitura — a precariedade das alegrias e distrações do mundo.
Já percebem o contraste entre elas e os júbilos espirituais, a transitoriedade daquelas e a perenidade destes.
Podem, portanto, usar o discernimento na escolha do que lhes convém — porque tem sentido de eternidade —, em detrimento do que apenas é lícito — que é sempre de natureza efêmera.
As visitas sociais, das quais o coração não participa, vazias, via de regra, de conteúdo e finalidade edificantes, são inócuas.
Não se lhes vê, em sua maioria, objetivo sério.
O que fazem, geralmente, é favorecer a malícia, o comentário ferino, a observação maledicente.
Não convêm, pois, a quem tem problemas sérios com os quais deve e deseja ocupar o seu tempo, as suas horas e minutos.
Nas diversões, atendemos, via de regra, ao nosso próprio interesse, o que não deixa de ser, no fundo, uma forma de egoísmo — disfarçada, sutil, imperceptível.
Na visita ao necessitado, atendemos ao interesse de outrem, o que é, indubitàvelmente, uma atitude de altruísmo.
Nas primeiras, há uma satisfação pessoal.
Na segunda, realizamos um ato fraterno, caridoso, evangélico, cujo preço, muita vez, é o sacrifício de uma hora de repouso.
Paulo, dando curso ao seu pensamento, no capítulo 10º, versículo 24, recomenda: “Ninguém busque o seu próprio interesse; mas, sim, o de outrem. "
* * *

Outro exemplo, também elucidativo.
Ler é bom, é agradável, é coisa lícita, permitida.
Mas só convém ler o que nos possa melhorar.
O que nos possa instruir para o Belo, o Eterno, o Divino.
O mau livro é irmão do espetáculo pernicioso.
Nem toda leitura, por conseguinte, convém, embora toda leitura seja lícita, com exclusão das páginas viciosas, mesmo porque não se pretende impor ao homem leia este ou aquele livro que se não ajuste à sua preferência.
Esta interpretação do pensamento de Paulo não encontrará receptividade em criaturas que ainda não começaram a sentir enfado na leitura de certos livros, onde a insensatez e a leviandade, a presunção e a descrença se ajustam perfeitamente.
O homem que está começando a se esclarecer não perde o seu tempo — precioso Talento que a Divina Bondade lhe concede — na leitura de livros Simplesmente lícitos, mas o emprega, convenientemente, na leitura de livros essencialmente edificantes.
Toda leitura, portanto, é lícita, se não atenta contra a moral e os bons costumes.
Mas, nem toda leitura convém.
Toda leitura é permitida, mas nem toda leitura edifica.
Profunda é a recomendação do ex-doutor do Sinédrio, ex-tecelão de Tarso, e, depois, valoroso, incomparável disseminador das Verdades Cristãs.
Quantas vezes ouvimos de companheiros palavras como estas: “Não fui às tarefas espirituais porque, no caminho, me encontrei com um amigo e ficamos a conversar. " A conversação com um amigo, numa esquina qualquer, é coisa lícita; mas, preferi-la à sublime alegria dos deveres espirituais, não convém, porque não edifica.
Pelo contrário: serve para nos conservar, por muito tempo ainda, talvez séculos, Substituindo o eterno pelo temporal.
O divino — pelo humano.
O transcendente — pelo rotineiro.
O que redime — pelo que cristaliza.
O espiritual — pelo material.
Os prazeres do Céu — pelas alegrias da Terra.
Há milênios de milênios a nossa alma — viajora do Infinito — compraz-se na futilidade.
Na leitura vulgar, quando não deprimente.
Na visita convencional.
Na distração rotineira.
Nos espetáculos sem proveito.
Nega a si mesma, destarte, a belíssima oportunidade de um esforço maior, no sentido de emergir da animalidade para a humanidade, de renovar hábitos e costumes, atitudes e sentimentos.
É hora de mudar, sem dúvida. . .
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Liberdade Cristã – 3º
Ninguém busque o seu próprio interesse; e, sim, o de outrem.
A exortação de Paulo é um convite à fraternidade, ao amor, à misericórdia e ao altruísmo.
Que as diversões sejam, apenas, um derivativo em nossa existência — é lícito.
Que o livro vulgar continue alimentando ilusões, intoxicando mentes, plasmando futilidades, roubando horas — é coisa lícita.
Que a visita convenciOnal, formalista, desprovida de sinceridade e carinho, permaneça fomentando a hipocrisia entre os que nela se comprazem — é coisa lícita.
Merece, contudo, nosso apreço o conselho de Paulo:
“Ninguém busque o seu próprio interesse; e, sim, o de outrem. " O homem ou a mulher que, apesar de imperfeitos, buscam, no cumprimento de suas obrigações espirituais, a própria edificação, pela compreensão de que, na vida terrestre, tudo passa, devem continuar preferindo o comportamento construtivo.
A visita fraterna, sempre que possível.
A leitura substanCiosa.
As tarefas do bem.
Os labores do Evangelho e da Doutrina.
O estudo e o trabalho, enfim.
Assim convém ao Espírito já desperto, em processo de plenificação cristã.
No lugar das diversões excessivas, há muita coisa útil a fazer.
A visita ao hospital, onde o indigente permanece esquecido.
O amigo enfermo ou acossado por um problema moral, ansiando por um instante de prosa confortadora.
O leito do sofrimento, que a distração ou a falta de tempo da maioria olvida.
Ao invés do livro comum, prefiramos a obra séria, respeitável, que fale de fraternidade e evolução, imortalidade e progresso, luz e amor.
Obra que enriqueça a inteligência, com benefícios para o interesse de outrem -
Não mais a visita convencional; agora, a solidariedade aos que sofrem.
A palavra carinhosa, no leito do moribundo.
O gesto afetuoso e compreensivo, simples e espontâneo, com o criminoso que a sociedade despreza.
O reconforto à viúva que chora, com os filhos, a ausência do esposo que se foi na Grande Viagem.
* * *

Todo esforço no sentido da auto-espiritualização é lucro para a alma eterna
-
Toda redução de futilidades constitui, inegàvelmente, um passo à frente na senda libertadora -
Contra os nossos anseios de crescimento — asseguram os 1nstrutores Espirituais — conspiram milênios de sombra.
A jornada de ascensão se realiza “sob a cruz de sucessivos testemunhos"
— avisa-nos a bondade de Emmanuel.
Mas, o verbo dos Amigos Devotados ressoa ainda mui fragilmente em nossa consciência.
Ainda buscamos, avidamente, o interesse próprio, em detrimento do alheio, desatentos ao conselho do Apóstolo.
Temos dificuldade em conjugar, em todos os seus tempos e modos, o verbo
“servir".
O serviço, para nós, constitui, ainda, uma disciplina — abençoada disciplina que nos afeiçoará, gradualmente, ao estado de ajudar espontaneamente.
Não temos espírito de renúncia.
Temos dificuldade em sacrificar-nos pelo próximo.
Mas, se preferirmos o conveniente ao lícito, o edificante ao permitido, o proveitoso e útil ao simplesmente agradável, atingiremos, com certeza, a nossa sublime destinação dentro da Eternidade.
A destinação do Bem e da Moral.
Da Sabedoria e do Amor, com o Mestre da Cruz. . . Outras esferas, outros mundos, outros sóis, aguardam que aprendamos, aqui, a lição da renúncia e do desinteresse.


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