Assim Dizia o Mestre
Versão para cópia
"QUEM NÃO ODIAR A SUA PRÓPRIA VIDA NÃO PODE SER MEU DISCÍPULO. "
"Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo" – dura era essa linguagem da renúncia aos bens externos – duríssima é a exigência de odiarmos a nossa própria vida.
Há milhares de homens que fazem a sua meditação diária – entretanto, pouquíssimos são os que conseguem cruzar a misteriosa fronteira que medeia entre a consciência telúrica do profano e a consciência cósmica do iniciado: o grande "Pentecostes", o "renascimento pelo espírito", a entrada no "terceiro céu".
Por quê?
Porque, para a maior parte das pessoas piedosas, a chamada meditação não passa de um dulçoroso devaneio, uma espécie de cochilo devocional, um tal ou qual namoro com o mundo espiritual, sem nenhum efeito radical decisivo sobre a vida.
A verdadeira meditação, ou cosmo-meditação, porém, não é nada disso; é um trabalho imensamente sério, doloroso e árduo, pelo menos no princípio, porque é o rompimento duma barreira multissecular, ou, no dizer do divino Mestre, um "caminho estreito e uma porta apertada". O cochilo devocional é uma descida para o plano subconsciente, ao passo que a verdadeira meditação é uma subida ao plano superconsciente, uma entrada no misterioso mundo da Divindade. "O reino dos céus sofre violência, e os que usam de violência o tomam de assalto. " Quem de fato entra em meditação ultrapassa não somente o mundo dos objetos, físicos e mentais, sentimentos e pensamentos dos sentidos e do intelecto, mas transcende também o próprio sujeito personal, o seu ego físicomental.
Ora, é precisamente essa ultrapassagem do sujeito personal que é extremamente difícil, uma vez que esse ego personal se nos apresenta como sendo o nosso verdadeiro Eu individual, o nosso Cristo interno, o espírito de Deus em nós, a nossa alma.
Enquanto o homem não descobrir o seu verdadeiro Eu, não pode abrir mão do seu pseudo-eu, seu ego personal, porque esse ego é, para ele, o que há de mais alto e perfeito em sua natureza. A natureza tem "horror ao vácuo". Não é possivel realizarmos uma vacuidade de sentimentos e pensamentos, enquanto não tivermos uma plenitude maior que substitua essa vacuidade. A renúncia meramente negativa é impossivel. É lei de psicologia que o homem não possa renunciar a um bem enquanto não conseguir outro bem maior. Só na presença de algo maior é que desaparece o menor. Ninguém pode perder a consciência físico-mental enquanto não adquirir a consciência espiritual. Ninguém, pode abandonar o 10 enquanto não tiver a certeza de alcançar 15 ou 20 ou mais. A renúncia é um ato eminentemente positivo. O seu fim não é empobrecer, mas enriquecer o renunciante. Pela renúncia o homem "morre", é verdade, mas morre para o pouco a fim de viver para o muito; morre para uma vacuidade a fim de viver para uma plenitude. Pela renúncia, o homem transcende o que ele é, a fim de ascender ao que pode vir a ser; ultrapassa uma colina a fim de atingir as alturas do Himalaia. Quem se agarra ao pouco não pode possuir o muito – por falta de renúncia creadora!
Na verdade, não há nada mais positivo e creador do que a renúncia voluntária.
A renúncia espontânea é o teste da força do homem. Só o forte não tem medo de parecer fraco – renunciando.
O fraco tem de aparentar força – não renunciando.
Uma vez claramente visualizado um bem maior, pode o homem abandonar tranquilamente o bem menor, na certeza de que esse abandono não significa empobrecimento, mas enriquecimento.
Toda renúncia supõe, portanto, a compreensão e posse de algo maior e mais perfeito do que o objeto da renúncia.
Ninguém pode razoavelmente sacrificar a sua vida física enquanto não houver compreendido, com suficiente nitidez e firmeza, que existe uma vida maior e mais abundante do que a do corpo, e que a perda desta não é uma perda real, uma vez que a pequena vida perdida está contida na grande vida recémadquirida.
Ninguém pode, por exemplo, renunciar ao impulso erótico enquanto não tiver saboreado as glórias da mística, como "eunuco do reino de Deus". Depois de conhecer a mística por vivência própria, pode o homem abandonar a erótica, porque já não representa uma perda em face daquele lucro maior. O menor está sempre contido no maior. O menor sacrificado por causa do maior é uma perda aparente, mas um lucro real, porque o menor integrado no maior adquire maior realidade do que antes tinha, quando separado.
A mística não é uma virtude, no sentido comum do termo; é uma experiência, uma sabedoria, a compreensão vital da Suprema Realidade. Enquanto o homem ainda tem sentimentos de heroísmo e virtuosidade, por ser bom, não é perfeito. A perfeição ignora esses complexos de heroísmo e virtuosidade, porque é inteiramente natural e espontânea.
A plenitude do ser eclipsa todo o desejo de ter.
Todos os pequenos teres estão contidos no grande ser.
Renunciar aos teres do ego humano a fim de ser o grande EU crístico é lucro e grande riqueza. "Quem puder compreendê-lo, compreenda-o!"