Assim Dizia o Mestre

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CAPÍTULO 16
Ilustração tribal

"COMO ENTRASTE AQUI SEM TERES A VESTE NUPCIAL?"


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Em todos os livros sacros da humanidade, é a união da alma com Deus simbolizada por uma festa nupcial. O amor entre esposo e esposa serve de ilustração para o amor do Ser Infinito para com o ser finito.

Eros tem de emprestar as suas vestes multicores para solenizar a luz incolor da experiência mística.

Na erótica temos a integração do masculino no feminino; para realizar o "anthropos" completo na mística, temos a integração da creatura no Creador.

Lá, o êxtase da carne – aqui, o êxtase do espírito.

Era costume, por ocasião das festas nupciais no Oriente, que o chefe da casa entregasse a cada convidado uma preciosa veste.

Aconteceu, porém, diz o Mestre, que aparecesse na sala do banquete um intruso, sem trajar a veste nupcial. E o pai de família disse a esse conviva: "Amigo, como entraste aqui sem teres a veste nupcial?" O interpelado emudeceu, porque não tinha palavras com que justificar a sua entrada ilegal. E o dono da casa deu ordem para que esse homem fosse atado de pés e mãos e lançado nas trevas de fora.

Esse homem usurpara o inexorável dispositivo da Constituição Cósmica, segundo a qual nenhum profano (o de fora) pode entrar na zona dos iniciados (os de dentro). Esse homem era um exotérico que, de contrabando, se metera no meio dos esotéricos. Não estava interiormente maduro para participar do banquete nupcial, porque não havia em sua alma a experiência de Deus, a fusão do finito no Infinito, do individual no Universal.

Como entrara esse homem na sala do banquete? Ele que, internamente, não estava onde externamente se achava? Ele, completamente fora do seu ambiente evolutivo?

Entrara, ou por conta própria, ou por proteção alheia.

Mas ninguém pode entrar no reino dos céus nem pelas forças do ego personal nem em virtude de algum ritualismo externo; só a verdadeira e genuína maturidade espiritual é que lhe pode dar o direito de tomar parte no banquete nupcial com o divino Esposo. Esse homem estava – ou fingia estar – externamente onde internamente não estava, nem podia estar.


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A fim de que o homem seja digno e idôneo para tomar parte nesse banquete, é necessário que sua alma se ache ornada de uma veste especial, nova e imaculada, dada como dom gratuito pelo senhor das núpcias. Não se admite homem algum em trajo profano. A profanidade é do ego físico-mental, a sacralidade é do Eu espiritual. Nem pela magia mental, nem pelo ritualismo eclesiástico pode o homem merecer essa vestimenta; ela é essencialmente uma "graça", e por isso mesmo de graça.

A iniciação no reino dos céus não é alguma espécie de continuação de coisa velha, preexistente, mas é um novo início, uma "iniciação". Não se trata de emendar, consertar, corrigir precariamente a "roupa velha" do homem profano, tornando-o um pouco menos profano e pecador, cosendo-lhe na roupa de "homem velho" um "remendo novo". O homem não se torna crístico pelo fato de ser cristão, ou por diminuir um pouco a sua cobiça, luxúria ou ambição; nem basta acrescentar ao rol das virtudes antigas algumas virtudes novas. Não!

Importa que o homem "nasça de novo pelo espírito", que se torne uma "nova creatura em Cristo".

Verdade é que uma moral sincera e pura pode e deve servir de estágio preliminar para essa entrada no reino dos céus – mas nem toda moral é suficiente para garantir ao homem essa entrada. Ela não é causa, é apenas condição.

O cristianismo não é um movimento meramente moral – é uma experiência mística; é, a bem dizer, o próprio Cristo através dos séculos. O cristianismo não está baseado numa doutrina moral, mas é uma fato metafísico e místico, uma realidade objetiva e ontológica a perpetuar-se através dos séculos. A encarnação do Logos é um fato permanente, e não apenas um acontecimento histórico no passado.

A essência do homem crístico não é a soma total dos seus atos virtuosos, que, em última análise, são outras tantas linhas horizontais, cuja multiplicação, embora indefinida, nunca dará a vertical. Os atos morais são outros tantos zeros, de todos os tamanhos e cores, quer dizer, fatores espiritualmente negativos, e vácuos; mas a soma total de zeros negativos, ou vácuos, nunca dará algo positivo ou pleno.

O homem crístico não é um homem "remendado" por atos de moral humana, mas é um homem "remido" pela atitude mística do Cristo. Não é um doente que aplique às suas velhas chagas mais uma pomada lenitiva ou um emplastro para melhorar ligeiramente o seu estado pela supressão de sintomas – mas é um homem que aboliu a raiz do mal e entrou na zona duma perfeita saúde e sanidade.

Essa vigorosa sanidade crística não nasce de cataplasmas e pomadas antisintomáticas – nasce de uma completa e radical depuração do sangue do indivíduo, que está na experiência direta de Deus.

A experiência direta de Deus é o maior acontecimento da alma humana, o mistério da sua eterna redenção. É o cruzamento duma fronteira interna, o despontar de uma luz inédita, o rompimento de uma força ignota. Só numa profunda, intensa e diuturna solidão com Deus pode o homem alcançar esse novo início.

Depois dessa experiência mística, o senso do dever compulsório se transforma numa consciência de querer espontâneo. A ética pré-mística de "fazer o bem" passa a ser a mística de "ser bom"; e das profundezas desse "ser bom" rompe, então, com irresistível necessidade, uma jubilosa e entusiástica ética pósmística, a experiência de que o "fazer o bem" não é um dever, mas sim um privilégio. O sacrificial "tu deves" se converte no radiante "eu quero".

E esse radiante "eu quero" da ética espontânea, nascido das profundezas da mística do "ser bom", é uma alvejante túnica da alma, umas veste nupcial recebida de presente do seu divino Esposo.

Quem não cruzou essa fronteira interna, quem não passou por essa profunda transmutação interior, não possui a veste nupcial, embora esteja, externamente, na sala do banquete; não é ali o seu lugar; está desambientado;

não está sintonizado com seus colegas de veste nupcial; não está no céu, internamente, e por isso é justo que nem externamente seja tolerado na sala do banquete. Essa alma é uma das cinco virgens tolas que não tinham óleo nas suas lâmpadas, e por isso estas se extinguiam, logo depois de acesas.

E ficaram nas trevas de fora. . .



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