Assim Dizia o Mestre

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CAPÍTULO 18
Ilustração tribal

"APARECEU O JOIO NO MEIO DO TRIGO. "


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Os grandes gênios espirituais da humanidade pouco respeitam as nossas convenções teológicas.

Estamos firmemente habituados a dizer que "Deus é bom", e consideraríamos blasfêmia afirmar que ele seja mau. E temos toda a razão com essa ideologia, enquanto nos acharmos no plano horizontal da nossa moral, perspectiva essa que resulta da concepção de um Deus personal.

Se, porém, conseguíssemos ultrapassar esse plano horizontal da moral, onde Deus é necessário e unicamente "bom", e entrássemos na Zona vertical da metafísica, verificaríamos que Deus não é bom nem mau, mas simplesmente "É" – e nada mais. Deus é o SER como tal, e o SER não tem atributos, porque é absoluto, enquanto qualquer atributo é relativo. O atributo restringe o âmbito do SER. O SER é como a luz incolor, que não é vermelha, nem verde, nem azul; pode, sim, produzir cada um desses efeitos, mas ela mesma não é nenhum deles. Assim pode Deus produzir ou permitir, no plano horizontal do existir, aquilo que nós denominamos "bom" ou "mau", luz e sombra, o sim e o não, o positivo e o negativo – mas Deus não é nenhum desses opostos, ou melhor, ele é a "identidade dos opostos". Dizer que Deus é bom ou mau, justo ou injusto, sapiente ou insipiente, é restringir-lhe o SER ABSOLUTO. Deus não é nenhuma das disjuntivas da antítese, nem mesmo a conjuntiva da síntese – Deus é simplesmente a TESE ABSOLUTA.

Na natureza infra-humana, Deus produz diretamente tudo que é "bom" e "mau".

Na zona da natureza humana e supra-humana, consciente e livre, Deus produz indiretamente o que é bom e mau, porque dá a esses seres a faculdade de serem isto ou aquilo, sabendo que as creaturas conscientes e livres vão agir tanto neste como naquele sentido, positiva ou negativamente.

É uma ideia ingenuamente infantil que Deus tenha creado um mundo de pura luz sem trevas – mas convém que tal coisa se diga em todos os jardins de infância e escolas primárias, em todas as igrejas e colégios da nossa humanidade primitiva. Ainda por muitos milênios necessitará a humanidademassa dessa ideologia horizontal para andar "bem comportada". Imaginem! Se tão malcomportados andamos com essa moral, o que seria de nós se esse freio nos faltasse!. . .

Mas quando o homem chega à plena maturidade e adultez do espírito e experimenta o Deus do Universo em si mesmo, verificará que ele não é bom nem mau, no tradicional sentido disjuntivo da nossa teologia, mas que Deus simplesmente "É", sem nenhum aditamento positivo ou negativo. O SER não é nenhuma das duas antíteses disjuntivas nem mesmo a síntese conjuntiva do existir.

Deus não é bom nem mau, no sentido moral – Deus É, no sentido metafísico.


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Na parábola do joio entre o trigo aparece o negativo, o mal, em forma do "inimigo" ou adversário (em grego: diábolos; em hebraico: satã), o contrapólo de Deus, o Lúcifer satanizado. O grandioso drama do Livro de Job nos conta como, um dia, se reuniram os "filhos de Deus", e no meio deles também estava satã, que passa a fazer um acordo com Deus em torno do varão santo e justo de Hus, e, depois de cada etapa, Satã presta contas a Deus da tarefa realizada.

Não sabia Deus, de antemão, que Lúcifer havia de satanizar-se muitas vezes?

Sabia, certamente. Por que então creou um ser dessa natureza? Porque a plenitude da natureza divina inclui tudo isso, porque é o Ser Universal, onilateral, e não apenas este ou aquele aspecto unilateral do existir.

Dizer ao homem moralmente bom que Deus é tanto luz como sombra, positivo e negativo, Cristo e Satã, seria horripilante blasfêmia – e por isso não o dizemos a nenhum dos nossos leitores; só o poderíamos dizer a alguém que tivesse ultrapassado o plano horizontal da nossa bondade moral e tivesse mergulhado nos abismos verticais da metafísica absoluta – mas onde está esse "alguém"?. . .

Como a parábola do semeador, arrasa também esta, do joio no meio do trigo, todas as nossas concepções tradicionais sobre Deus e seu reino entre os homens.

Quem semeou o joio no meio do trigal?

Foi "meu inimigo" que fez isto!

Queres que vamos e arranquemos o joio?

Não! Deixai crescer tanto o trigo como o joio até o tempo da colheita.

Nenhum agrônomo humano do nosso planeta havia de concordar com semelhante recomendação, de deixar crescer erva daninha no meio da plantação. Todo lavrador sabe que o trigo, ou outra plantação qualquer, sai prejudicado com a presença da erva má. Mas como Jesus focaliza sobretudo o simbolizado espiritual da parábola, e não o símbolo material, não manda extirpar o joio dos maus do meio do trigal dos bons.

Por que não?

Para que não aconteça que, arrancando o joio, o operário arranque juntamente com ele também algum pé de trigo, ou lhe desloque as raízes. Quer dizer que os maus não devem ser exterminados por algum agente externo para que os bons progridam e tenham mais oportunidade de ação e evolução. Assim, porém, não pensam os organizadores de cruzadas, inquisições e excomunhõe " – não! Para Jesus, os maus devem crescer ao lado dos bons, porque eles se exterminarão a si mesmos, em virtude de um processo intrínseco de involução, de amadurecimento negativo, se persistirem na sua orientação. A separação será feita não por um agente externo, mas por um processo interno.

Coisa estranha! A eliminação violenta dos maus do meio dos bons não seria vantagem, mas desvantagem, para estes últimos! Quão exata e profunda era a intuição crística de Mahatma Gandhi, quando recomendava a ahimsa – e quão anticristã é a doutrina de Tomás de Aquino e sua igreja, quando apregoam o extermínio violento dos "hereges". . .

O íntimo "ser" do homem produz aos poucos o seu externo "agir". A separação visível entre o trigo e o joio não é obra de Deus, mas do homem, que realizou a separação invisível, pelo uso ou abuso da sua liberdade; o processo externo é o simples corolário e a confirmação subsequente de algo já realizado pelo próprio homem. Qualquer intervenção violenta de fora é anticósmica, antidivina.

Deus, que está "para além do bem e do mal", tem aqui os seus agentes, positivos e negativos, incumbidos de executar o grandioso plano cósmico do SER ABSOLUTO. Ninguém pode frustrar um só átomo dos planos de Deus. A creatura consciente e livre não tem a escolha entre realizar ou não realizar o drama cósmico de Deus – só tem a escolha entre o modo de o realizar; pode realizar os planos eternos gozando e pode realizá-los sofrendo – é esta a única alternativa em poder do homem. Se uma creatura qualquer pudesse frustrar um só dos planos de Deus, teria o finito prevalecido contra o Infinito, estaria o Creador derrotado por sua creatura. . .

O joio vegetal não pode transformar-se em trigo; mas, o que é impossivel no plano material do símbolo da parábola, é possivel no plano espiritual do simbolizado. Pode o homem-joio de hoje ser o homem-trigo de amanhã – é o glorioso e também perigoso privilégio do livre-arbítrio. Mas, se o homem não aproveitar o ciclo evolutivo que lhe foi marcado para essa evolução, cairá vítima de desintegração. Esse conceito da possibilidade de uma desintegração final da individualidade humana vai através de todos os livros sacros. Há um ciclo evolutivo, e há também um ciclo involutivo. O ser que não evolve segundo as eternas leis cósmicas acabará por perder a possibilidade de ulterior evolução, e iniciará o seu processo de involução, isto é, de decadência ou desintegração. Deixará de existir o indivíduo humano, e voltará a "centelha divina" do espírito individualizado para a sua fonte divina, o Espírito Universal.

É esta a "morte eterna", a "perdição eterna", o "abismo eterno".

Enquanto não se consumar esse processo desintegrante, há sofrimento; mas nenhum sofrimento pode ser eterno. Eterno só pode ser algo positivo, como o gozo; atribuir eternidade a um fator negativo, como é todo o sofrimento, é flagrante contradição intrínseca. Nenhum finito pode sofrer infinitamente, porque "o recebido está no recipiente segundo a capacidade do recipiente" – a capacidade do recipiente finito, porém, é finita, que em hipótese alguma poderá ser recipiente de um sofrimento infinito no tempo, isto é, eterno.

Parábolas profundas como esta não devem ser analisadas com o intelecto, mas vividas com a alma. . .

O joio de que Jesus fala na parábola é uma gramínea típica da Palestina, chamada na botânica lolium, parecidíssima com um pé de trigo. A diferença aparece tão-somente no tempo da frutificação, porque o joio produz espiguinhas pequenas e escuras, bem diferentes das espigas grandes e louras do trigo.

Há, entre os homens, grande semelhança externa, mas a sua dessemelhança interna pode ser imensa. Pode alguém ter nas mãos milhões e milhões para organizar poderosas sociedades, que parecem destinadas a desafiar a eternidade – e depois de pouco tempo tudo se esboroa e morre. Faltava-lhe o espírito interno, a pureza de intenção, o amor, a solidariedade cósmica. Onde quer que haja interesses egoísticos, por mais bem disfarçados, aí há joio; e onde quer que haja amor e desinteresse, ainda que desconhecidos e hostilizados, aí há trigo. O que determina o resultado final não é aquilo que o homem diz ou faz ou tem, mas unicamente aquilo que ele é, no íntimo recesso do seu verdadeiro ser. Ninguém pode enganar a Constituição Cósmica!

Ninguém pode derribar o Himalaia com a cabeça! Cedo ou tarde, a impureza oculta destruirá a obra que o impuro tentou levantar – e a pureza oculta levará à vitória a obra do homem puro. Egoísmo é impureza, amor é pureza. Se o egoísta soubesse quanto mal ele faz a si mesmo!. . .



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