Assim Dizia o Mestre

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CAPÍTULO 19
Ilustração tribal

"O REINO DOS CÉUS É SEMELHANTE A UM TESOURO OCULTO – A UMA PÉROLA PRECIOSA. "


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Nestas parábolas brevíssimas, frisa Jesus dois aspectos típicos do reino dos céus e de sua conquista pelo homem: o seu caráter oculto e a sua preciosidade.

A palavra sânscrita para "oculto" é sak, em latim "sacrum", em grego mystes.

Oculto e sagrado (de sacrum) são sinônimos, ou melhor, homônimos. Oculto, sagrado ou místico de (mystes) é tudo aquilo que ultrapassa o alcance dos sentidos e da mente.

Os objetos adequados dos nossos sentidos são os fenômenos materiais da natureza física, diretamente acessíveis a qualquer pessoa, e mesmo aos animais. Para percebermos esses objetos, basta que tenhamos olhos normais para ver, ouvidos normais para ouvir; basta que tenhamos os sentidos do tato, do gosto e do olfato, para que possamos sentir, saborear e cheirar os objetos correspondentes a esses sentidos. A função dos sentidos é fácil, desde que seus objetos estejam fisicamente presentes.

Um pouco mais difícil é a função da mente ou do intelecto, cujos objetos adequados são as forças ou leis da natureza. Para muitos homens, e para os animais em geral, o objeto da inteligência é "oculto", "sagrado", "místico", isto é, inacessível, porque nesses seres funcionam tão-somente os sentidos. Para uma criança de poucos anos, até o abc e a tabuada fazem parte do mundo "oculto", "sagrado", "místico", porque lhe são completa escuridão; só quando despontar o lúcifer (estrela matutina) da inteligência é que essa zona se desanuvia e se dissipam os mistérios das letras e dos algarismos.

A inteligência não trata, propriamente, de objetos materiais, mas sim de realidades astrais ou energéticas, isto é, das forças ou relações invisíveis que regem os fenômenos materiais da natureza. Para os sentidos, esse mundo de "relações" é absoluta escuridão. Toda a civilização e cultura, ciência, técnica e arte, filosofia e religião da humanidade estão baseadas sobre o fato de poder o homem, pelo intelecto, verificar a existência de relações ou leis invisíveis entre os fenômenos visíveis da natureza; por isso essa percepção mental é chamada "inteligir" (do latim inter-legere, ou intelligere, que significa literalmente "apanhar por entre"). A faculdade da inteligência "apanhar por entre", descobrindo e percebendo por entre as coisas materiais relações imateriais, as leis que tudo unem e governam.


Mas, quando ultrapassamos o âmbito dos fenômenos individuais, tanto materiais como astrais, escurecem os horizontes para a maioria dos homens da geração atual. Nada mais enxergam, porque não possuem faculdade desenvolvida para descobrirem uma realidade não individual, isto é, a Realidade Universal, que não é um objeto ("o que jaz defronte"), mas o sujeito

("o que jaz por baixo"). Os objetos são derivados e sustentados pelo sujeito, que é inderivado e sustenta tudo.

Em face dessa Realidade Universal, a humanidade-massa se divide em dois campos:
1) os que não sabem nem creem;
2) os que não sabem, mas creem numa realidade superior. O que essas duas classes têm em comum é o não saber, a ignorância do mundo da Realidade Universal; o que as diferencia é o não-crer ou o crer. O crer é um ato volitivo, um querer, uma prova de boa vontade da parte do crente. Nenhum crente sabe nitidamente porque crê; mas sente, em alguma zona obscura do seu Eu, que é melhor crer do que não crer, que o crer, embora não seja a meta, é contudo um método, um caminho e rumo certo para, um dia, atingir a meta ainda distante e oculta. Por isso, o homem de boa vontade crê na Realidade Suprema, que é essencialmente anônima, razão por que os homens lhe dão tantos nomes.

Esse crer não torna o homem sábio nem iniciado na Suprema e Única Realidade, mas aplaina o caminho e remove os obstáculos que o obstruem.

Por isso, o homem crente experimenta um senso profundo de paz e tranquilidade no caminho da sua crença; sente nitidamente que é bom crer, porque é o caminho certo rumo à meta, que é o saber intuitivo da verdade, essa verdade que liberta o homem e o torna feliz.

Tanto o descrente como o crente são profanos ou inscientes; aquele, um profano de má vontade; este, um profano de boa vontade. Mas, mesmo para o profano de boa vontade, o crente, o reino dos céus continua a ser um "tesouro oculto".

Diz o Mestre que esse tesouro se acha oculto num "campo". É uma espécie de mina de ouro ainda não explorada. Alguém descobre essa mina, guarda segredo sobre o achado, adquire o campo e vai explorar o precioso metal.

O campo é o próprio homem, porquanto "o reino dos céus está dentro de vós".

Antes de tudo, deve o homem "adquirir" esse campo; enquanto não o possui, não pode apoderar-se do tesouro nele oculto. Enquanto o homem não for dono de si mesmo, mas escravo das circunstâncias, não está em condições de descobri o tesouro oculto no seu próprio interior. Tem de cavar fundo, rumo a seu próprio centro, rumo a seu Eu divino e eterno. "Homem, conhece-te a ti mesmo!" Quando o filho pródigo "entrou em si", descobriu quem ele era! Não escravo de um tirano cruel nem pastor de animais imundos, mas o filho de um pai cheio de amor.

Quanto mais fundo o homem cava nesse campo do seu próprio ser, tanto mais perde de vista a superfície do seu ego físico-mental e tanto mais se aproxima do centro do seu Eu racional (espiritual). É dificílimo esse processo de descobrimento do verdadeiro Eu; é, no dizer do Mestre, "um caminho estreito" e uma "porta apertada", como os acanhados corredores do interior de uma mina. Chega o Mestre a comparar essa disciplina espiritual ao "fundo duma agulha". É, pois, necessário que o homem invoque todas as suas energias, sobretudo as que se acham para além do seu ego consciente, porquanto "o reino dos céus é alvo de violência, e os que usam violência o tomam de assalto".

Donde vem essa dificuldade em descobrirmos o nosso verdadeiro Eu, esse tesouro oculto dentro de nós?

É que temos de trabalhar com uma faculdade que se acha ainda, total ou parcialmente, em estado de latência ou simples potencialidade. Despertar em nós essa faculdade dormente, a razão, a alma, exige fé e vida, ou melhor, uma fé plenamente vivida. Muitos têm fé nesse tesouro oculto, mas poucos harmonizam a sua vida com sua fé, porque essa vivência da fé exige grandes sacrifícios, exige a ultrapassagem do ego personal, egoísta, e o contato com o Eu individual, que é amor e solidariedade universal. O nosso Eu espiritual nos é, praticamente, desconhecido, ao passo que o ego físico-mental nos é muito familiar. Temos de trabalhar, por ora, com uma ferramenta, a intuição espiritual, que mais adivinhamos do que conhecemos.

Diz Jesus que o homem que encontra esse tesouro oculto guarda o segredo sobre o seu achado – e esta observação é de uma importância fundamental. O tesouro espiritual do reino dos céus é tão grande sacralidade que só o mais reverente silêncio pode preservá-lo da profanação.

Nunca ninguém se arrependeu de ter calado – muitos se arrependeram de ter falado!. . .

Quando alguém tem uma iluminação interior, uma revelação divina, deve ele ser extremamente cauteloso e não expor o delicado tesouro à devassa de olhos profanos. Somente com algum irmão espiritual, algum sócio de experiência íntima, poderá falar, a meia-voz, sobre esse tesouro – ou calar-se, mesmo em companhia dele. . . As essências preciosas se volatilizam facilmente;

por isso, convém manter o recipiente bem fechado. . . "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu no meio deles. "


* * *

* * *

Na parábola da pérola preciosa, que é como que um complemento da primeira, acresce ao caráter oculto o fator perigo; a conquista do reino dos céus não é sem perigo para o homem; não é sem arriscar algo que ele se apodera dessa "pérola preciosa". Descer às ignotas profundezas do mar para encontrar a concha do molusco que encerra no seu interior nacarado a pérola rara é aventura assaz e arriscada, e requer espírito de pioneiro para realizar tão árduo empreendimento. O homem que não possua certo espírito de aventura e arrojo em face do Ignoto e do Infinito não conseguirá apoderar-se da preciosa pérola do reino dos céus. "O reino dos céus sofre violência. . . " Qualquer iniciado sabe como é perigoso aventurar-se o homem a esse oceano profundo e tenebroso, a esse misterioso Além-de-dentro, onde tudo é tão diferente das conhecidas praias e litorais familiares da vida comum. . . Por algum tempo, o recém-iniciado se encontra num ambiente completamente desconhecido, sem nenhum ponto de contato com o mundo que lhe era conhecido. . . Os mestres da vida espiritual não se cansam de frisar o caráter perigoso da iniciação espiritual. É, segundo o Mestre, a construção duma torre altíssima, que requer grande cabedal de recursos; é uma empresa bélica, que exige forças armadas devidamente treinadas e em número suficiente para enfrentar vitoriosamente um inimigo poderoso.

Esse perigo não existe, propriamente, para os principiantes no primeiro estágio, mas sim para os adiantados. Por quê? Porque o perigo está na desproporção entre a alta voltagem espiritual e o seu veículo material, isto é, o corpo, e, sobretudo, os nervos. O principiante não corre perigo de sobrecarregar os nervos com a intensidade da concentração espiritual, porque não consegue suficiente intensidade de focalização que lhe prejudique os nervos. O perigo real só principia quando desperta a paixão e o entusiasmo pelo mundo espiritual. Nesse segundo estágio procura o homem inexperiente conseguir em poucos meses o que, em geral, leva anos ou decênios. Os nervos do homem comum não tem resistência suficiente para suportar uma experiência espiritual de elevada voltagem; têm de dar passos mínimos em espaços máximos, e fazer em cada etapa uma parada suficientemente longa para consolidar o novo grau de vibratilidade dos nervos já alcançada; só depois dessa paulatina consolidação é que o homem pode dar mais um passo rumo às profundezas do oceano do seu misterioso Além-de-dentro.

O principiante profano é como um homem que impele a sua barquinha a remo.

O iniciado ou iniciável é comparável a um homem que sente soprar uma aragem, vinda de regiões ignotas; ergue o velame da barca e entrega-a a esse misterioso sopro do Além: se, porém, perder o controle sobre o leme – sabe Deus aonde o levará a veemência desse sopro. . . Além disso, há "aragens" de procedência vária e de destino diverso. Ai do homem que, sem mais nem menos, se entregar à mercê de forças desconhecidas! Donde vêm elas? Do mundo dos elementais? Do mundo astral? Do império das entidades mentais?

Ou do mundo sublime e puro do espírito divino?. . .

O guru ou diretor espiritual que queira guiar outra alma tem de ser guiado, ele mesmo, pelo espírito de Deus; tem de possuir profunda e vasta experiência neste universo das auras invisíveis. Do contrário, será "guia cego guiando outros cegos". Não basta ser sacerdote de ordenação ritual – é necessário ser sacerdote de experiência espiritual. . .

Entretanto, a conquista da pérola preciosa do reino de Deus vale por todo o esforço do reino e por todos os perigos. É tão grande esse tesouro oculto. . . É tão incomparável o valor dessa pérola preciosa. . .

Aquele jovem rico do Evangelho foi convidado por Jesus para se apoderar desse "tesouro nos céus", mas ele não teve suficiente fé e vida para vender tudo que tinha, e possuir plenamente aquilo que ele era, e por isso "triste", se retirou da presença do Mestre. Os seus "teres" eram tão grandes que o jovem era por eles possuído; o seu "ser" era ainda tão pequeno que não possuía plenamente o jovem. Não descobriu o "tesouro nos céus", porque ainda andava apegado aos pseudotesouros da Terra. "Ninguém pode servir a dois senhores, a Deus a ao dinheiro". . .

Aquele jovem não era bastante aventureiro para perder de vista as praias e os verdes litorais dos seus "objetos" e mergulhar no profundo oceano do seu "sujeito" – e por isso não achou a pérola preciosa do reino dos céus. . . Depois de realizar muitas coisas ao redor de si, não consegui realizar-se a si mesmo. . .

De tanto "ter" o que não era, não conseguiu "ser" o que era. . .



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