Assim Dizia o Mestre
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"QUEM NÃO TEM PERDERÁ ATÉ AQUILO QUE TEM. "
Com essas palavras paradoxais remata Jesus a parábola dos talentos.
Referem-se essas palavras ao "servo mau e preguiçoso" que, em vez de trabalhar com o cabedal que o senhor lhe confiara, o havia enterrado cuidadosamente, devolvendo-o depois, intato, a seu amo. Ordenou este que tirassem ao servo indolente o "talento" estéril e o entregassem àquele que recebera os dez "talentos" e com eles ganhara mais dez. "Porquanto – termina a parábola – àquele que tem dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas àquele que não tem tirar-se-lhe-á aquilo que tem. " Como se pode tirar algo a alguém que nada tem?
As grandes verdades aparecem quase sempre na roupagem de flagrantes paradoxos.
Aquele servo preguiçoso possuía o capital recebido, que não era dele, mas de seu senhor. Devolveu a importância – e ficou sem nada! Não tinha nada de "seu". Os outros dois servos trabalharam e devolveram a seu senhor a importância recebida, mas, além disso, possuíam de "seu" outro tanto, os juros do capital, fruto de seu trabalho. Estes dois são chamados "servos bons e fiéis", e entraram no "gozo de seu senhor".
Nesta parábola, genuinamente esotérica, aparece uma das mais profundas leis da Constituição Cósmica.
Toda potência ou faculdade que o homem recebe (o "talento") deve frutificar em atos ou realizações; a potencialidade tem de ser atualizada. Na razão direta da atualização da potência, cresce esta – e, na razão direta da sua inatividade, decresce a potência.
Assim, quem possui 1 grau de potência e a atualiza na vida prática por 1 grau, adquire o poder de atingir 2 graus de potência; se ele atualizar esses 2 graus, adquirirá uma potência dupla de 4 graus. E assim por diante, progressivamente.
Mas se alguém deixar de atualizar a potência de grau 1 não somente não aumentará essa potência mas verá que, aos poucos, essa potência 1 se vai enfraquecendo e definhando, até desaparecer em 0.
Quem possui, por exemplo, 10 graus de conhecimento teórico e não puser esse "talento" a serviço da vida prática sofrerá diminuição desse conhecimento, que se vai esterilizando aos poucos.
Há numerosas pessoas que estudam largos anos e decênios acumulando vasto cabedal de conhecimentos filosóficos e espirituais – mas nunca os põem a serviço da vida, nem deles mesmos nem de seus semelhantes. Outros passam as ideias da cabeça a ideais do coração – mas param aí, não ousando realizar praticamente o que compreenderam e amam. Também estes sofrerão diminuição do seu capital, porque não atualizaram em obras as suas potências intelectuais e afetivas. As ideias e os ideais têm de passar a realidades vitais.
A transição da cabeça e do coração para as mãos e os pés – quer dizer, para a vida prática – equivale a uma espécie de crucifixão, como até insinua a configuração das linhas vertical-horizontal (cabeça-coração-mãos). As ideias e os ideais têm de ser crucificados, para saírem da sua esterilidade e passarem para a fecundidade.
O que Deus nos confiou em talentos ou potências é dele; mas o que nós fizermos desse cabedal é nosso. O capital é de Deus – os juros são do homem.
Quem devolve apenas o capital sem juros não cumpriu a sua missão, e corre perigo de não evolver rumo a um plano superior.
O melhor modo para preservar de morbidez a nossa mística é pô-la ao serviço da vida prática, de realizações árduas e dinâmicas, no plano da beneficência humana.
Ação sem mística é fictícia.
Mística sem ação é mórbida.
Mística que se revela em ação é sadia e genuína.
Quanto mais o homem realiza, tanto maior potencialidade receba para realizar coisas ulteriores – "quem tem receberá mais".
Quanto menos o homem atualiza as suas potências, tanto menos receberá em potencialidades, até, finalmente, perder tudo – "aquele que não tem tirar-se-lheá até aquilo que tem". . .