Assim Dizia o Mestre
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"SE O GRÃO DE TRIGO NÃO MORRER, FICARÁ ESTÉRIL – SE MORRER, PRODUZIRÁ MUITO FRUTO. "
Os grandes paradoxos são as grandes verdades.
Não morrer é ser estéril – morrer é ser fecundo.
O "morrer" refere-se ao invólucro externo – o "viver" diz de uma realidade interna, que necessita da destruição daquele obstáculo para sua plena expansão. Entretanto, esse mesmo invólucro obstruidor foi, em tempo anterior, uma condição necessária de evolução. O auxílio de ontem se tornaria, porém, o empecilho de hoje, se teimasse em continuar, quando deve desaparecer. O casulo que a larva do bicho-da-seda teceu era auxílio necessário para a evolução da borboleta; mas, depois de certo tempo, esse mesmo casulo, em vez de auxílio, seria empecilho, se não permitisse a sua destruição pela borboleta.
Da mesma forma, a casca do grão de trigo é necessária para que o grão se possa formar e atingir a sua plenitude vital na espiga; mas se depois essa casquinha teimasse em não querer morrer, ou romper-se no fundo da terra, jamais poderia a plantinha verde germinar e sair do seio escuro do solo.
O que deve morrer não é, pois, o grão como tal, a sua essência viva, mas tãosomente seu invólucro externo, a casca, que, em tempos idos, foi necessária como proteção da vida, mas que agora tem de ceder, a fim de que a vida possa iniciar novo estágio evolutivo.
Em todos os departamentos da natureza, nenhuma vida superior pode manifestar-se sem que desapareça alguma forma de vida inferior. É essa a lei inexorável da evolução e do progresso. É necessário um certo "empobrecimento" para que uma forma de "enriquecimento" superior possa realizar-se. Nada pode nascer sem que alguma coisa morra. O nascimento de uma forma de vida supõe, invariavelmente, a morte de outra forma. "Stirb und werde!" (Morre e realiza-te!). Estas palavras de Goethe resumem, numa concisão lapidar, a grande lei da evolução.
O grande pecado do egoísmo, em todas as suas formas, está precisamente em não compreender essa lei. O egoísta possui certo bem que ele considera precioso, e que, de fato, tem o seu valor relativo; representa um dos elos da longa cadeia evolutiva, um dos numerosos estágios na escala ascensional da realização dum ser; mas em vez de ultrapassar essa etapa, auxílio ontem e empecilho hoje, o egoísta, na sua cegueira, faz finca-pé nesse plano, procurando perpetuá-lo, estagnar nele, pôr luz vermelha no caminho e paralisar-se definitivamente nessa etapa. Imobiliza-se diante da flecha indicadora na encruzilhada, em vez de seguir o rumo por ela indicado.
Transforma o jardim vivo num herbário morto, o organismo vital num fóssil inerte.
Guarda o que tens, e passa além! – é essa a voz da evolução, que é essencialmente altruísmo, amor, solidariedade cósmica.
Guarda o que tens e paralisa-te nele! – é essa a lei da egoísmo.
Rejeita o que tens e demanda outra coisa! – assim diz o revolucionário, que sempre renega o passado para afirmar o futuro.
Evolução não é nem estagnação nem revolução; não afirma o passado para negar o futuro, nem nega o passado para afirmar o futuro. A evolução verdadeira afirma tanto passado como o futuro; conserva todos os valores reais da tradição e procura alcançar valores novos numa visão do futuro.
Tanto o egoísmo fossilizado no passado como a revolução negativa que só crê no futuro são atitudes anticósmicas, antidivinas. Só quem guarda do passado os valores positivos e procura descobrir no futuro outros valores positivos é que está em perfeita harmonia com a Constituição Cósmica. O passado e o futuro convergem no presente; o presente, porém, é o Eterno, o Infinito, o Absoluto, Deus.
As sociedades eclesiásticas de todos os tipos pecam invariavelmente pelo egoísmo de querer arvorar os seus dogmas em normas eternas e imutáveis.
Pelo fato de terem certas doutrinas provado a sua eficiência, durante séculos, concluem os teólogos que essas doutrinas são imutáveis, a voz de Deus. Não compreendem que toda a doutrina é um auxílio no caminho da evolução, mas, quando mantida para além do tempo necessário, se torna empecilho da própria evolução. Querem perpetuar o casulo e impedem o nascimento da borboleta?
Enxergam apenas o bem que certa doutrina prestou em seu tempo, e não percebem que essa mesma doutrina, já ultrapassada pela experiência de muitos, causaria morte por asfixia aos que completaram esse estágio evolutivo e têm de iniciar a próxima etapa.
A grande dificuldade está em determinar quem é que completou o estágio e necessita "sair do casulo" para poder realizar vida mais abundante. O grosso da humanidade, não há dúvida, necessita ainda – e sabe Deus até quando! – de jardim de infância e escola primária, de muletas e escoras de todo gênero, para se locomover vagarosamente no caminho do progresso espiritual. É, pois, justo e razoável que as igrejas e seitas insistam nos seus dogmas tradicionais.
O mal não está nisso; está em que essas sociedades, geralmente, não admitam nenhuma possibilidade de evolução para além das fronteiras das suas doutrinas padronizadas; excomungam, perseguem, difamam, matam como hereges, apóstatas, renegados, ateus, todos os que têm a necessidade e a coragem de ultrapassar as conhecidas doutrinas do passado e aventurar-se pelas ínvias florestas do futuro. Entretanto, são precisamente esses bandeirantes das ignotas florestas do infinito os verdadeiros veículos e pioneiros do progresso espiritual. O maior deles foi, sem dúvida, aquele modesto carpinteiro de Nazaré, que foi crucificado, morto e sepultado pelos teólogos da sinagoga de Israel.
Todo egoísmo eclesiástico e sectário nasce invariavelmente de um egoísmo individual. Onde este foi superado pelo universalismo, aparece o onilateralismo da solidariedade cósmica em lugar do unilateralismo do ego personal.
É necessário que se dissolva o invólucro do ego físico-mental para que o Eu racional-espiritual possa germinar e iniciar a sua gloriosa carreira, produzindo fruto abundante, não só para a humanidade ao redor como também para o próprio homem que realizou essa morte vitalizadora. "Quem quiser ganhar a sua vida perdê-la-á – mas quem perder a sua vida, por minha causa, ganhá-la-á. " Perder a pequena semi – ou pseudo vida do ego personal é condição necessária para ganhar a grande plenivida do Eu individual, crístico, divino.
Em última análise, todo o mistério da vida espiritual está nesse "perder para ganhar", nesse "morrer para viver". . .
Mas isso supõe uma grande fé na realidade de um mundo maior e melhor. . .