Assim Dizia o Mestre

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CAPÍTULO 25
Ilustração tribal

"EU VIM PARA QUE OS HOMENS TENHAM VIDA, E A TENHAM COM MAIOR ABUNDÂNCIA. "


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A vida do homem é uma só e sempre a mesma, aqui na Terra, após-morte e para todo o sempre. Entretanto, o modo e a intensidade com que o homem pode possuir esta sua vida única e eterna admitem inumeráveis graus. A criança, desde o momento da concepção, possui a sua vida, a mesma que sempre possuirá, mas a consciência com que a possui é mínima, quase nula.

Depois de nascida, possui essa mesma vida com um pouco mais de consciência. Daí a dez anos é notavelmente maior a "abundância" com que possui a sua vida.

Com o pleno desenvolvimento dos sentidos, atinge o homem a clímax da sua vida vegetativo-sensitiva. Mais tarde, muitos desenvolvem notável grau de vida intelectual, com todas as suas ramificações através de diversos departamentos da vida no plano horizontal.

Certo numero de homens tenta invadir o mundo espiritual, divino, universal;

mas a maior parte só o consegue por meio da crença, sem nenhuma experiência própria. Só de longe em longe aparece um homem que pode dizer com verdade: "Eu sei o que digo e dou testemunho daquilo que vi". Esse homem possui a vida com notável abundância, embora seja possivel aumentar cada vez mais essa abundância, por uma sucessiva intensificação da sua experiência.

Para essa intensificação da experiência do mundo de Deus é necessária uma disciplina orientada.

A palavra "disciplina" suscita sentimentos desagradáveis na mente de muitos homens. É sinônima de "sacrifício", "sofrimento", "renúncia".

Um rio espraiado pela extensão de um quilômetro, para a direita e para a esquerda, tem pouca força, porque a sua largura é grande e a sua profundeza é pequena. A força, porém, está na verticalidade, assim como a fraqueza está na horizontalidade. Se estreitarmos as margens desse rio entre dois paredões de ferro e cimento até acusar apenas 100 metros de largura, será muito maior a sua força, porque a sua profundidade cresceu na razão em que sua largura decresceu. E se conseguíssemos reduzir-lhe o volume da água a 10 metros de largura, seria irresistível força das suas águas, agora transformadas em impetuosa cachoeira, capaz de mover poderosas máquinas.

Como foi que essa mesma água, tão fraca a princípio, adquiriu tamanha força?

Unicamente pela "disciplina", pela compressão do seu volume em pequeno espaço. Submetemos o rio a uma espécie de sacrifico, de renúncia, de concentração – e sua inércia estática de ontem se converteu na atividade dinâmica de hoje. Adquiriu "vida mais abundante".

No princípio, toda disciplina parece matar ou diminuir a vida; parece ser um empobrecimento, e não um enriquecimento da vida humana. E muitos principiantes desanimam nesse estágio inicial e voltam atrás, preferindo o suave comodismo das planícies à austera dinâmica das profundidades e alturas. Os que têm a intrepidez de afrontar as dificuldades iniciais e tomar sobre si, voluntariamente, as renúncias necessárias acabarão por verificar que a vida com estreita disciplina é incomparavelmente mais rica e fascinante do que a vida levada ao sabor dos caprichos e das veleidades do momento.

Provavelmente, são poucas as horas de folga do homem de vida disciplinada, mas essas poucas horas superam em qualidade e intensidade todas as quantidades e extensidades das muitas horas ociosas do homem indisciplinado. O mais fino sabor da vida humana nasce da disciplina voluntariamente aceita e rigorosamente observada, a despeito de todos os caprichos e veleidades em contrário. Dessa disciplina fazem parte também uma rigorosa pontualidade e a absoluta fidelidade aos compromissos assumidos.

O homem disciplinado é austero consigo mesmo e indulgente com os outros.

Não se perdoa facilmente a si mesmo a infração do seu programa.

E nessa espontânea e auto-imposta austeridade é que ele encontra o inebriante elixir de uma perene serenidade e profunda suavidade.


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O profano gozador afirma a vida, sem jamais a ter negado.

O asceta nega a vida, sem se atrever a afirmá-la.

O homem integral afirma a vida, depois de a ter negado, e mesmo enquanto a afirma, ele continua a negá-la de certo modo, porque a afirma dentro da sua grande disciplina. E somente essa afirmação da vida dentro da negação é que é uma vida abundante e rica. "Na restrição – diz Goethe – é que se revela o mestre. " Quem afirma a vida sem jamais a ter negado é escravo da vida e de seus prazeres fáceis, e por isso mesmo não pode gozar realmente a vida, porque o gozo real é das almas livres, e não dos escravos.

Quem nega a vida sem a afirmar é livre da escravidão da vida desregrada, mas sua liberdade é uma pobreza e uma fuga, porque baseada na consciência do medo e na necessidade da fuga.

Quem afirma a vida depois de a ter negado, e continuando a negá-la pelo espontâneo e permanente desapego interior, este goza a vida com a maior intensidade e abundância.

Nesse sentido disse o Mestre: "Eu vim para que os homens tenha a vida, e a tenham com maior abundância". Ninguém vive vida tão rica e fascinante como o homem plenamente realizado em sua íntima essência espiritual e divina, o homem crístico, integral, univérsico.

A vida sem disciplina acaba por se tornar aos poucos tão insípida e insuportável que o homem escravizado por seu caprichos arbitrários procura intensificar progressivamente os seus gozos, a fim de os poder sentir ainda, porque a sua sensibilidade vai-se embotando progressivamente e, por fim, nada mais o satisfaz. O homem indisciplinado necessita de veementes estímulos, chicotadas nos nervos calejados para os pôr em vibração, ao passo que o homem disciplinado se enche de pura alegria e delicado gozo com os acontecimentos mais singelos da vida cotidiana, uma florzinha à beira da estrada, o encontro fortuito com um amigo, o sorriso de uma criança, as melodias de um hino sacro, os gorjeios de um passarinho, uma noite de luar, a sinfonia noturna dos grilos na grama ou dos sapos no brejo – tudo lhe é motivo de satisfação, porque os seus nervos se acham afinados por uma frequência vibratória sutil, que só a disciplina pode dar.

Nunca homem algum deste mundo levou vida tão abundante como Jesus de Nazaré – embora certa literatura religiosa queira fazer-nos crer que ele tenha sido apenas "varão das dores", e que sua vida tenha sido sofrimento e miséria.

O seu sofrimento físico, durante 33 anos, não abrange o total de 15 horas; e mesmo este foi 100% voluntário. O seu sofrimento moral vinha iluminado constantemente pela consciência da grande missão que o trouxera à Terra, conferindo a todos os seus sofrimentos um halo de divina poesia e profunda felicidade. "Eu vos dou a paz, eu vos deixo a minha paz – diz ele em vésperas da sua morte – para que a minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa alegria. " Quem assim fala, das profundezas da alma, possuía vida abundante e podia fazer transbordar nas almas humanas que fossem receptivas para recebê-la. E sua vida era abundante não apenas no espírito, senão também na mente e no corpo: perfeita santidade, sapiência e sanidade, perfeita felicidade da alma pelo amor, da mente pelo conhecimento de todas as leis da natureza e do corpo, graças a uma saúde jamais afetada pela mais ligeira moléstia.

Sendo que o homem comum é antes materialista do que espiritual, é natural que os mestres da vida espiritual sejam, geralmente, decididos ascetas e insistam grandemente na necessidade da renúncia, do radical desapego dos bens materiais e prazeres sensitivos que escravizam o profano. O próprio Nazareno assim procedia com seus discípulos. Não é possivel passar diretamente do estado profano ao estado crístico sem passar pelo estado ascético.



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