Assim Dizia o Mestre

Versão para cópia
CAPÍTULO 26
Ilustração tribal

"QUEM QUISER CONSTRUIR UMA TORRE. . . EMPREENDER UMA GUERRA – RENUNCIE A TUDO!"


Temas Relacionados:

As alegorias da construção da torre e da empresa bélica focalizam, como talvez nenhuma outra, a sapiência cósmica do Nazareno, sapiência que se acha em flagrante conflito com a tradicional sagacidade da inteligência humana.

Diz o Mestre que o homem que desejar construir uma torre elevada (nós diríamos, um "arranha-céu") deve, antes de tudo, calcular criteriosamente se possui os recursos necessários para ultimar a obra, para que não seja obrigado a deixar o trabalho a meio caminho, com prejuízo próprio e zombaria dos outros.

Diz ainda que um rei, em vésperas de declarar guerra a outro rei, deve ponderar judiciosamente se com 10. 000 soldados pode derrotar seu adversário que dispõe de 20. 000; do contrário, fará melhor em desistir do empreendimento para que, a meio caminho das operações bélicas, não se veja obrigado a solicitar convênios de armistício ou paz, com grande humilhação e prejuízo.

Até aqui, as duas alegorias nada parecem ter de extraordinário; temos até a impressão de ouvir falar de um homem do nosso século interessado na construção de edifícios, ou um beligerante profano dotado de certo tino estratégico e senso diplomático. E, com isso, nos sentimos quase reconciliados com o Nazareno, considerando-o como um dos "nossos" – quando, de improviso, ele passa do símbolo para o simbolizado, recorrendo a uma conclusão diametralmente oposta aos nossos cálculos e à nossa expectativa: "Assim, vos digo eu, não pode ninguém ser discípulo meu se não renunciar a tudo quanto possui".

Segundo a nossa sagacidade humana, teríamos esperado algo totalmente diverso; teríamos esperado que o Mestre recomendasse ao construtor da torre que aumentasse os seus recursos para poder terminar a obra começada; e que fizesse ver ao rei beligerante que duplicasse ou triplicasse o número de seus soldados para derrotar seu inimigo. E, no plano material, é claro, teria sido esta a solução. O simbolizado, porém, não se acha nesse plano material, e por isso Jesus não recomendou nenhum desses dois expedientes. Em vez disso, passa a uma conclusão diametralmente oposta às nossas expectativas: insiste em que o homem, para conseguir os recursos necessários, abra mão de tudo quanto possui! Quer dizer que a fraqueza está no possuir – e a força no despossuir-se. Os objetos materiais a que o homem está apegado representam a medida da sua impotência – ao passo que a espontânea renúncia a esses objetos é a bitola da sua potência, porque esse voluntário desapego das quantidades materiais significa qualidade espiritual. Ora, sendo a quantidade sinônimo de fraqueza, e a qualidade homônimo de força, é claro que o aferro a objetos materiais é fraqueza e derrota – e a renúncia espontânea aos mesmos é força e garantia de vitória.

A filosofia qualitativa do Mestre, como se vê, é exatamente o contrário da nossa política quantitativa; e o verdadeiro cristianismo está na razão direta daquela e na razão inversa desta.

O "ter" é dos profanos – o "ser" é dos iniciados.

Quanto mais cresce o "ser" do homem, mais decresce o seu desejo de "ter".

Não é, certamente, a simples ausência material desses objetos que dá força ao homem; não é o simples fato de alguém ser Diógenes ou um mendigo pelo desfavor das circunstâncias – mas é o fato da espontaneidade do desapego, porque esse ato voluntário é filho de uma exuberante plenitude espiritual, e essa plenitude é que é garantia de vitória, ou melhor, ela mesma é a vitória.

A vida espiritual é uma construção altíssima, uma intensa verticalização rumo ao Infinito, obra gigantesca que necessita de um alicerce sólido para não expor a futuros riscos a grande torre.

A vida espiritual é uma guerra sem tréguas contra poderosos adversários, como ilustra tão maravilhosamente o drama místico da Bhagavad Gita: o príncipe Arjuna tem de lutar contra os usurpadores do seu trono.

Os recursos para essa grande empresa aumentam na proporção direta em que o homem der mais importância ao que ele é internamente e menos importância ao que ele tem externamente. O "ser alguém" é, geralmente, incompatível com o "ter algo"; por isso deve o homem diminuir aquilo que ele tem na razão direta daquilo que é.

Só alguém que fosse firmemente estabelecido e consolidado no seu eterno "ser" poderia sem prejuízo voltar ao "ter" temporário – mas onde estão esses homens cósmicos, plenamente cristificados, totalmente realizados? A imensa maioria dos homens do nosso século – mesmo quase dois milênios após a vinda do Cristo – não pode ser e ter ao mesmo tempo; só lhes resta a alternativa entre o ser e o ter: ou ter sem ser – ou ser sem ter.

Mahatma Gandhi foi convidado pelos homens do "ter" a derrotar a potência material do Império Britânico com outra potência material – isto é, derrotar um "ter" com outro "ter"; mas ele se recusou, preferindo derrotar o "ter" material do militarismo inglês com o "ser" espiritual da não-violência. E Gandhi o fez, de encontro a todas as expectativas dos que só viam força na política do "ter", e fraqueza na filosofia do "ser".

É que "a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força dos homens. " (Paulo) "Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a Terra!" (Jesus)



Este texto está incorreto?