Assim Dizia o Mestre
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"A VÓS VOS É DADO CONHECER OS MISTÉRIOS DO REINO DOS CÉUS. "
Quem vê nos ensinamentos de Jesus uma religião democrática, apenas exotérica, acessível a qualquer profano, está profundamente enganado. Não há nada mais hierárquico e esotérico do que o Evangelho de Jesus Cristo, em certos pontos. Verdade é que "muitos são os chamados", os exotéricos, mas também é verdade que "poucos são os escolhidos", os esotéricos. Uma grande massa anda na horizontal da ética, uma pequena elite ascende às alturas verticais da mística. Aliás, o próprio termo ekklesía (em latim ecclesia, em português igreja) é um vocábulo eminentemente místico-esotérico, porque é derivado de ek (fora) e kaléo (chamar). A ekklesía consta daqueles que foram "chamados para fora", evocados da grande massa dos "chamados" para dentro da pequena elite dos "escolhidos". Também os "chamados" são candidatos à ekklesía, como aquelas dez virgens da parábola, mas só os "escolhidos" é que estão, de fato, no coração da ekklesía, como aquelas cinco virgens sábias que estavam com as suas lâmpadas acesas em plena noite. "A vós vos é dado conhecer os mistérios do reino dos céus – diz Jesus ao pequeno grupo de seus apóstolos – enquanto ao povo só lhe falo em parábolas de maneira que, ouvindo, não compreendem. " Todas as grandes religiões têm esses dois grupos, não em virtude de uma divisão arbitrária, mas em consequência dos variados graus de evolução espiritual que existem, inevitavelmente, no seio da humanidade. Paulo de Tarso escreve aos cristãos de Corinto que a alguns deles só lhes deu leite para beber, por serem ainda "infantes em Cristo", ao passo que aos "adultos em Cristo" lhes deu comida sólida para comer.
O mundo físico é essencialmente hierárquico, e nada democrático. Há seres em todos os graus de perfeição. O Universo é uma imensa graduação de potencialidades. A sua unidade é máxima, porque a Causa infinita de todas as coisas é uma só – e sua variedade também é máxima, porque os efeitos finitos dessa Causa Infinita são todos originais e inéditos. Deus não faz cópias, não repete nenhuma das suas obras; todas elas são originais absolutos.
Há quem veja "injustiça" da parte do grande Hierarca. Partem duma falsa premissa, o erro de que alguma creatura tenha "direitos" em face do Creador.
Esse direito não existe, nem no mundo material nem no mundo espiritual, como já foi lembrado. Será que um violeta unicolor, à sombra duma árvore, se sente humilhada e tratada com injustiça, porque no alto da árvore floresce uma orquídea dotada de deslumbrantes cores e formas, e será que a orquídea se enche de vaidade em face de suas perfeições?
Nem a violeta se sente humilhada nem a orquídea se sente orgulhosa, porque nem esta nem aquela têm o direito de ser o que são; ambas sabem – lá na sua misteriosa consciência biológica – que tudo que ela têm é graça, tanto o pouco como o muito; nada é merecimento, porque nenhum finito pode merecer algo em face do Infinito. Deus distribui os seus dons como ele quer, de graça, e cada creatura deve atualizar plenamente aquilo que está contido em suas potencialidades. Não há nada objetivamente pequeno ou grande – o pequeno e o grande são feitos subjetivamente. Um varredor de ruas que realiza com 100% de pureza e perfeição a sua tarefa presta coisa muito maior do que o chefe de um povo que realiza a sua deslumbrante tarefa de estadista com apenas 10%
de pureza e perfeição. Tudo consiste em fazer grandemente todas as coisas, pequenas e grandes. Objetivamente, todas as coisas são neutras, nem pequenas nem grandes, nem boas nem más; quem lhes dá forma, e colorido, grandeza ou pequenez, bondade ou maldade, é o homem que as realiza, deste ou daquele modo.
A natureza infra-humana, inconsciente e não livre, só pode executar a sua tarefa de um único modo, aquele que lhe foi designado pelo espírito de Deus, que lhe infundiu esta ou aquela potencialidade (instinto). O homem pode variar a medida, graças à sua consciente liberdade; mas a grandeza vem sempre do sujeito livre e ativo, e não do objeto passivo e não livre.
Se a um servidor foram dados dez talentos, a outro cinco, e a outro apenas um, não vai nessa distribuição injustiça alguma, como já dissemos, porque nenhum dos três tinha direito ao que recebeu, todos receberam de graça os seus talentos. Mas o modo de fazerem frutificar ou de esterilizarem os seus talentos, isso depende da consciente liberdade de cada um. "Muito será exigido a quem muito foi dado – e pouco será exigido a quem pouco foi dado. " Essa rigorosa equivalência entre o que "foi dado" e o que "será exigido" revela uma lei cósmica, não menos gloriosa do que perigosa. Um ser livre dotado de grandes potencialidades – digamos 50 – tem dez vezes mais reponsabilidade do que outro cuja potencialidade máxima representa apenas 5.
Com o valor da doação, cresce, proporcionalmente, a obrigação da frutificação.
Quanto maior a potencialidade, tanto maior tem de ser também a sua atualização – sob pena de o homem perder a própria potencialidade deixada infrutífera.
De maneira que os "escolhidos" para "conhecerem os mistérios do reino dos céus" são onerados duma responsabilidade espiritual muito maior do que os que foram "chamados" para ouvir as grandes verdades apenas em parábolas.
Quem se envaidece pelo fato de ser um dos "escolhidos", mostraria com isso mesmo que não é realmente escolhido, porque ninguém se pode envaidecer de algo que não é dele, mas de Deus; os dons espirituais, porém, não vêm do ego humano, mas sim do Eu divino.
Compete ao homem intensificar a sua receptividade espiritual para poder "conhecer os mistérios do reino dos céus"; mas essa receptividade, por mais apurada, nunca pode ser causa intrínseca desse conhecimento, senão apenas condição extrínseca. A verdadeira causa é sempre Deus, e por isso a graça é e será sempre um dom gratuito de Deus, e nunca um merecimento humano – assim como a iluminação duma sala com luz solar não é efeito do abrimento duma janela fechada – que funciona apenas como condição – mas sim da atividade do Sol.
"A vós vos é dado. . . " Se é "dado" por Deus, não é merecido pelo homem.