Assim Dizia o Mestre

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CAPÍTULO 38
Ilustração tribal

"EU SOU A RESSURREIÇÃO E A VIDA. "


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Vida sem fim após o fim da vida. . .

Vida sem morte após a morte. . .

Não se compreende por que a humanidade em peso não se prostra aos pés dum homem que tais palavras proferiu e lhes provou a verdade com sua própria vida.

Não é que todos nós queremos viver para sempre?

Não é que todos querem saber o que haverá para além dos negros bastidores da morte?

E por que não tomamos a sério as palavras categóricas lançadas ao mundo há quase dois mil anos?

É porque quase ninguém sabe o que é "ter fé no Cristo", condição indispensável para alcançar essa vida sem morte.

Que é "ter fé no Cristo"? Num Cristo ausente – ou num Cristo presente? "Eu sou a ressurreição e a vida; quem tiver fé em mim viverá eternamente; e ainda que tenha morrido, viverá para sempre. " Aprendemos no catecismo e nos tratados de teologia, que "crer" é aceitar como verdadeiras as palavras de outrem, ou, no caso presente, a doutrina do Cristo.

Mas esse "crer" não é ter fé. "Ter fé" é, para Jesus, uma atitude profundamente vital e experiêncial; é uma total submersão da nossa individualidade no mar imenso da Divindade; é uma radical renúncia ao pequeno ego humano e uma integral entrega do mesmo ao Espírito Infinito. "Ter fé" é a mais arrojada aventura cósmica do homem. É fechar os olhos dos sentidos e do intelecto e lançar-se ao tenebroso abismo do desconhecido, na certeza de que esse imenso vácuo de trevas é a plenitude da luz, e que essa morte total é a vida integral. É desnascer para tudo que sabemos e renascer para tudo que ignoramos. É ultrapassar todas as horizontais do ego e entrar na grande vertical de Deus.

No princípio, é verdade, o "crer" não passa de um simples "querer" de um ato de boa vontade, de um ingênuo "querer crer". Nem jamais deixará de ser esse débil "querer" enquanto não for fecundado pelo "viver", isto é, por uma vida diária em perfeita harmonia com a fé. Deve o crente viver como se já possuísse experiência de Deus – e é precisamente nesse "como se" que está todo o tormento. . . Trilhar o caminho da vivência ética antes de atingir o mundo da experiência mística – isso é imensamente difícil, isso é martírio de cada dia, é o "caminho estreito e a porta apertada", é o "fundo da agulha" de que nos fala o divino Mestre. Transcender o pequeno ego antes de atingir o grande Eu, renunciar ao Lúcifer antes de encontrar o Cristo – isso é uma espécie de salto ao abismo, ou uma suspensão no vácuo.

Como pode o homem negar a vida horizontal antes de afirmar a vida vertical? É da íntima natureza da psicologia humana que não abra mão de um valor antes de descobrir outro valor, maior ou, pelo menos, igual ao primeiro. Só quem descobriu o "reino dos céus, que não é deste mundo" é que pode renunciar a "todos os reinos do mundo e a sua glória". "Ter fé" é, pois, idêntico a possuir algo espiritualmente antes de o ter materialmente; é operar numa dimensão que se acha além de todas as dimensões que o homem profano conhece e ama. "Ter fé" é um egocídio, uma morte do ego, que precede necessariamente o nascimento do Eu da "nova creatura em Cristo".

Quem não morreu não vive plenamente – e quem não tem vida plena não tem fé. Morrer para viver – é esta a grande verdade! Não basta ser morto compulsoriamente – é necessário morrer espontaneamente, para poder crer.

Só um voluntariamente morto é que é um verdadeiro crente, e, neste caso, o seu "crer" é um verdadeiro "saber" e "saborear". Esse "saber" e "saborear", após a morte mística do egocídio voluntário, é que introduz o homem na vida eterna, numa vida que ultrapassou o precário nascer e o precário morrer e é um firmíssimo viver. Vida que ainda conheça nascer e morrer não é vida plena, é apenas uma pseudovida ou uma agonia prolongada, um ligeiro parêntese de luz entre duas trevas, um subitâneo lampejo em noite escura. Somente uma vida que brotou duma morte voluntária é que é vida integral.

Isso é "ter fé no Cristo" – e essa fé, que é um saber vital, é que garante vida eterna.


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Se esse Cristo que nos garante vida eterna fosse um Cristo ausente e longínquo, como poderíamos ter fé vitalmente nele? Como poderia o meu Cristo vitalizante estar fora de mim? Como poderia a minha vida sem morte ser algo transcendente? Não é a vida a coisa mais imanente que em mim existe?

Não sou eu mesmo, potencialmente, essa vida que me vitaliza?. . .

Tão profundamente imanente em mim é esse Cristo vitalizante que até parece ausente, porque o abismo da minha tenebrosa imanência é, para mim, para meu velho ego, uma ausência, uma inexistência, uma irrealidade.

Quando então esse meu Cristo ignoto se torna um Cristo noto, quando o Deus desconhecido passa a ser um Deus conhecido – então tenho eu a impressão de que o Cristo desceu dos céus e entrou em mim. De fato ele veio dos céus, dos céus profundos que em mim estão, cobertos pelas espessas nuvens da minha ignorância. Mas quando as nuvens se dissipam e o que estava objetivamente presente e subjetivamente ausente se torna também subjetivamente presente, graças à transição da ignorância para a sapiência – então eu recebo o Deus do Universo de fora como idêntico Deus do meu Universo de dentro.

E esse "Universo de dentro" se chama minha "alma", o meu divino "Eu", o meu "Cristo interno".

E então eu tenho fé no Cristo, no meu Cristo. . . Já não vivo eu, mas vive em mim o Cristo; sou plenamente vivido; vivificado e vitalizado pelo meu Cristo, externo e interno, porque eterno.

E então, olhando em derredor, eu exclamo: "Que é da tua vitória, ó morte?

Que é do teu aguilhão, ó morte?. . .

Foi a morte tragada pela vida!. . . " "Minha vida, porém, é o Cristo". . . "Não sou eu que vivo. . .

O Cristo vive em mim". . .

"Eu sou a ressurreição e a vida. . .

Quem tiver fé em mim não morrerá. . .

E, ainda que tenha morrido, Viverá eternamente". . .



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