Filosofia cósmica do evangelho

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CAPÍTULO 30

"SEDE INTELIGENTES COMO AS SERPENTES – E SIMPLES COMO AS POMBAS!"


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Que a segunda parte desta recomendação seja do Cristo, condiz com o conteúdo das nossas teologias e dos nossos devocionários; mas que também a primeira parte seja dele, isto desdiz e destoa de tudo quanto costumamos dizer, pensar e escrever sabre o Nazareno.

No entanto, poucas palavras caracterizam melhor do que estas o gênio cósmico do filho do homem e do filho de Deus. Nestas palavras, brevíssimas e imensas, vem compendiadas a história evolutiva do gênero humano de centenas de milhares de anos, do passado, presente e futuro.

Inteligência de serpente – simplicidade de pomba!. . .

A história da humanidade começou, propriamente, com o despontar da inteligência, simbolizada pela serpente. Verdade é que, antes dessa alvorada intelectual, já existia o homem, mas apenas em estado potencial, embrionário;

nesse homem pré-intelectual, meramente sensitivo, já existia, em estado latente, o homem de hoje. Nesse tempo remotíssimo, o homem era intelectualizável, como a criança intra ou extra-uterina dos nossos dias; mas não era ainda intelectualizado como hoje. A criança, embora não revele inteligência, é um verdadeiro ser humano; basta que o resto da sua evolução corra normalmente para que, a seu tempo, se revele a inteligência velada;

porquanto, o dom do intelecto (não o grau de inteligência) é, hoje em dia, um elemento universalmente transmissível de pais a filhos.

Se o homem não tivesse passado do estado sensitivo, intelectualizável, para o estado de intelectualização em que hoje se encontra, não seria possivel a sua evolução ulterior, ultra-intelectual, rumo à razão, ao espírito. Assim como sem sentidos normalmente desenvolvidos não há inteligência, de modo análogo, sem uma inteligência normal, não pode haver vida racional. A natureza é progressiva, sem lacunas nem intermitências. Não quer isto dizer que o homem, para evolver rumo à razão, deva possuir uma inteligência extraordinária; basta que tenha a faculdade normal de pensar. Da mesma forma, para que um homem seja inteligente não se requer que seja fisicamente um atleta, de músculos hipertrofiados, mas que o seu organismo seja normalmente desenvolvido de tal modo que possa servir de base e veículo para ulterior evolução rumo à inteligência. Muitas vezes, a hipertrofia, quer do corpo quer do intelecto, é antes empecilho do que auxílio para o estágio evolutivo subsequente. Quem só vive para treinar o bíceps material, dificilmente terá tempo nem interesse para robustecer a inteligência; e quem só vive para cultivar a agudeza mental, raramente atingirá a zona do mundo racional.

Era indispensável que, primeiro, despontasse a "estrela d’alva", o Lúcifer (porta-luz), para que depois pudesse nascer o Lógos, a "luz do mundo".

Quando se diz ao homem comum que Lúcifer é o precursor do Lógos (Cristo), fica ele horrorizado com tão sacrílega "irreverência"; porque, para ele, Lúcifer é Satanás, o diabo em pessoa – tamanha é a confusão creada por certos teólogos inexperientes no plano da intuição racional.

Quando então um desses homens escandalizados esbarra, por exemplo, com o hino pascal "Exultet", que, no sábado de aleluia, se canta à entrada das igrejas católicas; e quando percebe e compreende as palavras: "O felix culpa!

O vere necessarium Adae peccatum. . . " – fica esse homem totalmente desnorteado.

Por que?

Porque, desde pequeno, ouviu que Lúcifer é o irreconciliável adversário de Deus; e vê-se em face dum dualismo enigmático.

Como pode haver uma "culpa feliz", como pode existir um "pecado verdadeiramente necessário"? E como é que uma igreja ousa proclamar tão horripilante heresia?

É que, nesse glorioso hino ecoam certas vozes que se perderam no Cristianismo mais puro, que entraram na liturgia e lá estão até hoje, em contradição com o escolasticismo mental.

Naqueles tempos remotos, Lúcifer era ainda considerado como precursor do Lógos, como vemos na obra de Orígenes, do segundo século da nossa era.

Nesse tempo, Lúcifer não era simplesmente Satanás, o diabo. Lúcifer era a serpente, o intelecto virgem, não antirracional, não-satanizado, não-diabólico.

Lúcifer era a força que conduziu o homem do Éden, das trevas da inconsciência, para a luz crepuscular da consciência individual, intelectual. A "culpa" ou o "pecado" de Lúcifer não era um pecado no sentido de hoje. Lúcifer, como diz a própria palavra, era o "porta-luz", aquela faculdade do homem que o tirou das trevas do inconsciente e o levou à semi-luz do consciente. Lúcifer, a serpente, é pois, a ego-consciência personal do homem pós-edênico.

O Lógos, o Cristo, é a Razão, a consciência cósmica. Mas, como poderia aparecer essa consciência universal sem que primeiro aparecesse a consciência individual? Como poderia o homem edênico, inconsciente, cristificar-se pela consciência universal sem que, primeiro, se luciferizasse pela consciência individual? Como poderia o homem dar o último passo da sua evolução sem dar antes o penúltimo?


* * *

* * *

Quando Jesus recomenda a seus discípulos que sejam inteligentes como as serpentes, refere-se ele à consciência individual, ao Lúcifer do intelecto, que deve necessariamente preceder, na evolução cronológica o advento do Lógos.

Lúcifer sem Lógos, é o Intelecto.

Lúcifer contra Lógos, é Satan.

Lúcifer com Lógos é o Cristo, o filho do homem, o homem integral, o homem cósmico.

Lógos sem Lúcifer não existe, porque seria Razão sem Intelecto, o que é absurdo, porque a Razão necessita do Intelecto como sua base de operação.

O intelecto é o princípio da individuação consciente, a Razão é o princípio da universalização pleni-consciente.

A Razão, o Lógos, o Cristo, é simbolizado pela pomba, que não é sagaz nem agressiva como a serpente, mas mansa, meiga, pacífica.

A consciência individual, ou inteligência, tem a tendência de usar de violência física ou mental para conseguir os seus fins egoísticos – ao passo que a consciência universal, crística, é inimiga de qualquer espécie de violência, quer física quer mental. A violência mental, a sagacidade intelectual, é alheia à Razão. Onde termina o espírito da força, ali começa a força do espírito.

Essa simplicidade racional ou espiritual não implica na negação da inteligência, é ultramental, assim como o sol meridiano não nega a alvorada matutina, mas a ultrapassa em sua plenitude.

Um animal não pode passar a ser racional – mas sim um homem intelectual.

Nem pode um ser tornar-se intelectual sem passar pelo período da sensitividade.

A razão supõe o intelecto, o intelecto supõe os sentidos. A super-estrutura ergue-se sobre a sub-estrutura.

Nunca apareceu no mundo um homem mais racional e mais intelectual do que o profeta de Nazaré, no qual essas duas faculdades celebram a mais perfeita sinfonia. Nele, a inteligência da serpente estava perfeitamente integrada na simplicidade da pomba; ele é, segundo suas próprias palavras, a "serpente erguida às alturas", o intelecto sublimado pela razão, o Lúcifer que culminou no Lógos.

Quando a serpente horizontal do intelecto, pecável, é sublimada à serpente verticalizada da razão, impecável – então atinge o homem a plenitude da sua evolução, o Lúcifer da consciência individual se funde no Lógos da sua consciência universal. . .

O felix culpa!. . .








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