Sermão da Montanha: 154

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CAPÍTULO 10
Ilustração tribal

"BEM-AVENTURADOS OS TRISTES"


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Não parece estranho que Jesus tenha proclamado felizes os tristes? Ele que disse a seus discípulos: "Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, para que minha alegria esteja em vós e seja perfeita a vossa alegria e ninguém mais tirede vós a vossa alegria"!

Antes de tudo, convém distinguir duas espécies de tristeza e alegria, uma tristeza central, permanente, por vezes circundada de alegrias periféricas, intermitentes – e uma alegria central, permanente, que, por vezes, se acha envolta em tristeza periférica, intermitente.

Com outras palavras: pode haver uma tristeza-atitude e uma alegria-atitude – como também pode haver uma tristeza-ato e uma alegria-ato. Pode alguém ser triste e estar alegre – como também pode ser alegre e estar triste. O que é decisivo é a atitude interna, permanente, negativa ou positiva. E essa atitude radica, em última análise, num profundo substrato metafísico, a VERDADE, ou então o seu contrário. Quem tem a consciência reta e sincera de estar na 5erdade é profundamente alegre, calmo, feliz, embora externamente lhe aconteçam coisas que o entristeçam – e quem no íntimo da sua consciência, sabe que não está na 5erdade é profundamente triste, ainda que externamente se distraia com toda a espécie de alegrias.

Quanto mais triste o homem é internamente, pela ausência de harmonia espiritual, tanto mais necessita ele de alegrias externas, geralmente ruidosas e violentas. Esse homem não tolera a solidão, que lhe traz consciência mais nítida da sua vacuidade ou desarmonia interior; por isso, evita quanto possivel estar a sós consigo; procura companhia por toda a parte, e, quando não a pode ter em forma de pessoas, canaliza para dentro da sua insuportável solidão parte dos ruídos da rua, por meio do jornal, do rádio, da televisão. Alguns vão mais longe e recorrem a entorpecentes – maconha, cocaína, morfina, etc. – para camuflarem, por algum tempo, a sensação da sua triste solidão.

Quem teme a concentração necessita de toda a espécie de distrações para poder suportar a si mesmo. E, como essas distrações e prazeres, pouco a pouco, calejam a sensibilidade, necessita esse homem de intensificar progressivamente os seus estimulantes artificiais para que ainda produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por fim, nem já os mais violentos estimulantes lhe causam mossa – e então esse homem chega, não raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas "alegrias" que põe termo à sua tragédia por meio do suicídio. Outros acabam no manicômio. É que nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.

Enquanto o homem não descobrir a bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir a sua fome e sede de felicidade com essas horrorosas alegrias da vida material. Essas alegrias externas, porém, têm sobre ele o efeito da água do mar, que tanto maior sede dá quanto mais dela se bebe.


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Mas, quando o homem acerta em descobrir a bela tristeza da vida com Deus, renuncia espontaneamente a essas horrorosas alegrias da vida sem Deus, ou então satura de espiritualidade todas as suas materialidades, transformando em oásis de vida abundante o seu velho deserto morto.

E então compreende ele o que o divino Mestre quis dizer com as palavras "não dou a minha paz assim como o mundo a dá". O que o mundo dá não é paz real, é apenas uma trégua artificial, espécie de armistício temporário e precário entre duas guerras, ou melhor, em um campo de batalha de guerra permanente. A paz do Cristo, porém, é uma paz profunda e sólida, porque é nascida da Verdade que liberta.

O homem cuja felicidade nasceu da verdade é calmo e sereno em todas as vicissitudes da vida, porque sabe que não precisaria mudar de direção fundamental se a morte o surpreendesse nesse instante. Perguntaram ao jovem estudante João Berchmans, que estava jogando bola, o que faria se soubesse que, daí a cinco minutos, tivesse de morrer; respondeu calmamente: "Continuaria a jogar. " Assim só pode falar quem tem plena certeza de que está no caminho certo, em linha reta ao seu destino, embora distante da meta final.

Ora, esse caminho não pode deixar de ser estreito e árduo, uma espécie de tristeza, como é toda a disciplina; mas no fundo dessa tristeza externa dormita uma grande alegria interior. É, todavia, uma alegria anônima, silenciosa, imponderável, como costumam ser os grandes abismos e as grandes alturas.

Aos olhos dos profanos, leva o homem espiritual uma vida tristonha e descolorida; o seu ambiente parece monótono e cor de cinza como um vasto deserto. E talvez não seja possivel dar ao profano uma ideia da profunda alegria e felicidade que o homem espiritual goza, porque esta felicidade jaz numa outra dimensão, totalmente ignorada pelo profano. O homem habituado a certo grau de espiritualidade tem uma imensa vantagem sobre o homem nãoespiritual; não necessita de estímulos violentos para sentir alegria, porque a sua alegria não vem de fora, e sim de dentro. Basta-lhe uma florzinha à beira da estrada; basta o sorriso de uma criança caminho à escola; basta o tanger de um sino ao longe; basta o cintilar de uma estrela através da escuridão – tudo enche de alegria, suave e pura, a alma desse homem, porque ela está afinada pelas vibrações delicadas que vêm das luminosas alturas de Deus. E as fontes da sua alegria brotam por toda a parte; nem é necessário que saia de casa para encontrar motivos de alegria, porque a sua alegria é de qualidade, que não está sujeita às categorias de tempo e espaço, como as alegrias ruidosas e grosseiras dos profanos. Um único grau de alegria-qualidade dá maior felicidade do que cem graus de alegria-quantidade.

Por isto, a vida do homem espiritual é uma bela tristeza, ao passo que a vida do homem profano é uma pavorosa alegria. Mas o homem espiritual prefere a sua bela tristeza à pavorosa alegria do profano, que ele compreende perfeitamente, porque também ele já passou por esse estágio infeliz – ao passo que o profano não compreende a felicidade anônima do iniciado, porque nunca passou por essa experiência.


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O homem espiritual da bela tristeza é proclamado "bem-aventurado", e tem a certeza de ser consolado. Um dia, a sua bela tristeza de hoje se converterá numa jubilosa alegria de amanhã. E isso pode acontecer mesmo antes de ele morrer fisicamente. Quando plenamente realizado no Cristo, pode dizer como este, em vésperas de sua morte: "Dou-vos a paz, deixo-vos aminha paz para que minha alegria esteja em vós e seja perfeita a vossa alegria". Pode dizer, também, com um dos homens mais cristificados que a humanidade conhece: "Transbordo de júbilo em todas as minhas tribulações".

Para a maior parte dos homens, a vida presente não é ainda uma Páscoa em toda a sua plenitude; é antes um sábado de soledade, misto de alegria e tristeza, de gozo e sofrimento, de sorrisos e de lágrimas, espécie de luminoso arco-íris sobre as águas escuras de um dilúvio.

Mas, nesse misto de luz e de trevas, há um quê de inefável poesia, porque toda a poesia profunda e real é polarizada de suavidade e amargura, de alegria e sofrimento, de certeza e incerteza, devido às condições da vida presente. O certo é que nenhum homem espiritual estaria disposto a trocar sua silenciosa felicidade pelas ruidosas alegrias dos profanos.

Geralmente, os homens mais felizes são ignorados pela humanidade que escreve e lê livros e jornais, que fala do alto dos púlpitos e das tribunas, que perde tempo com rádio e televisão ou procura salvar o gênero humano pela política, Os milionários da felicidade são, quase sempre, os grandes anônimos da história, os "não-existentes". Os poucos homens que aparecem em público são raras exceções da regra. O grande exército dos "bem-aventurados" não aparece em catálogos e cadastros estatísticos. São os irmãos anônimos da "fraternidade branca" que estão presentes em toda a parte onde haja serviços a prestar, mas ninguém lhes percebe a presença, porque sempre desaparecem por detrás das suas obras. Os muitos e os ruidosos que se servem das suas obras como de fogo de artifício e deslumbramento pirotécnico para iluminar a sua personalidade não fazem parte da "fraternidade branca", porque não se eclipsaram no anonimato da benevolência universal.

Os verdadeiros redentores da humanidade são tão felizes no cumprimento da sua missão que nunca esperam pelos aplausos das plateias, mas desaparecem por detrás dos bastidores do esquecimento, no mesmo tempo em que terminam a sua tarefa. São igualmente indiferentes a vivas como a vaias, a aplausos como a apupos, a louvores como a vitupérios, porque eles vivem no mundo da silenciosa e profunda verticalidade invisível, incompreendidos pelos habitantes da ruidosa horizontalidade visível. "Bem-aventurados os que estão tristes – porque eles serão consolados. "



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