Sermão da Montanha: 154
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"AMAI OS VOSSOS INIMIGOS"
É este, sem dúvida, um dos tópicos evangélicos mais repetidos no mundo cristão – e de todos o menos praticado. E a razão última e mais profunda dessa falta de prática do amor aos inimigos nasce duma falsa compreensão dessas palavras do Mestre. A imensa maioria dos cristãos julga tratar-se aqui de um imperativo categórico do dever compulsório, quando, de fato, se trata de um ato de querer espontâneo; não do heroísmo duma virtude ética, e sim da evidência de uma sabedoria cósmica. Naturalmente, para que o dever compulsório da virtude possa converter-se no querer espontâneo da sabedoria, terá de acontecer algo de imensamente grande entre esse doloroso dever de ontem e esse glorioso querer de hoje.
Que é que deve acontecer entre esses dois pólos adversos?
Deve acontecer uma grande compreensão.
É sabido que tudo que é difícil não tem garantia de perpetuidade – mas tudo que é fácil tem sólida garantia de indefectível continuidade. Enquanto o "amor aos inimigos" se nos apresentar como um dificultoso dever compulsório, uma virtude ou virtuosidade, é claro que não temos a menor garantia de que vamos amar nossos inimigos, amanhã e depois, mesmo que talvez hoje os amemos.
Só quando o dificultoso dever compulsório se transformar num jubiloso querer espontâneo, e quando a virtude passar a ser sabedoria e profunda compreensão da realidade, é que o nosso amor aos inimigos deixará de ser um fenômeno intermitente, passando a ser uma realidade permanente.
Estas palavras de Jesus não têm, pois, em primeiro lugar, caráter ético, mas sim um sentido metafísico, visando estabelecer a solidariedade cósmica através da sabedoria da compreensão.
Exemplifiquemos.
Alguém é meu inimigo, e eu sou inimigo dele. Estamos ambos no plano negativo, nas trevas, ele e eu.
Alguém é meu inimigo, mas eu não sou inimigo, e sim amigo dele; neste caso, ele está na zona negativa das trevas, mas eu estou na zona positiva da luz.
Ora, como a luz sempre atua positivamente, rumo à construção, e as trevas atuam negativamente, rumo à destruição, é certo que, no caso de um encontro mútuo entre a luz e as trevas, o positivo eliminará o negativo, e não vice-versa. "A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a prenderam (extinguiram)".
O preceito de amar nossos inimigos é, pois, antes de tudo, um postulado de caráter metafísico, único capaz de estabelecer solidariedade cósmica.
Sendo eu de vibração positiva, filho da luz, posso ajudar a quem é negativo, filho das trevas. Se eu não for positivo, nada poderei fazer em benefício do meu semelhante negativo, porque ambos estamos no mesmo plano negativo, fraco, inerte. Mesmo no caso em que eu não tenha ódio real a meu inimigo, não o posso ajudar eficazmente, porque sou neutro e fraco; só no caso em que eu seja realmente positivo, pelo amor, é que posso ajudar a quem está no ódio, contrapondo uma "violência espiritual a uma violência material", no dizer de Mahatma Gandhi.
Se odeio a quem me odeia, acrescento negativo a negativo, aumentando as trevas do mundo.
Se deixo de odiar a quem me odeia, não aumento os fatores negativos, mas também não destruo o que já existe, deixando as trevas no status quo.
Se amo a quem me odeia, neutralizo o negativo do meu inimigo com o meu positivo, eliminando assim as trevas e dando vitória à luz. É este o único modo eficiente de tornar o mundo melhor: substituir as trevas negativas do ódio pela luz positiva do amor.
O Sermão da Montanha, a filosofia da Bhagavad Gita, a sabedoria do Tao Te Ching, a vida de Gandhi e de todos os grandes iluminados, estão baseados nesta matemática espiritual. "Um único homem que tenha chegado à plenitude do amor neutraliza o ódio de milhões. " (Mahatma Gandhi)
Acresce outro fator importante. Quando odeio a quem me odeia, não apenas aumento as trevas em que ele está, mas também aumento as minhas próprias trevas, direta e indiretamente. Diretamente, pelo próprio ódio que produzo em mim, como vimos, e indiretamente porque todo pensamento, sobretudo quando transformado em atitude permanente, produz vibrações de certa categoria; e estas vibrações, segundo uma lei cósmica inexorável, demandam automaticamente aquela zona onde encontram afinidade vibratória: vibrações negativas associam-se a vibrações negativas, vibrações positivas vão em busca de vibrações positivas, no mundo da humanidade, e até dos seres infrahumanos.
Nesse mergulho no mundo das vibrações, os meus pensamentos em marcha são saturados dos elementos, negativos ou positivos, conforme sua natureza e afinidade, que encontrarem no ambiente, e, carregados dessas vibrações, os meus pensamentos voltam a mim, porquanto os meus pensamentos, por mais transcendentes que pareçam e distantes de mim, estão sempre imanentes em mim, inseparavelmente unidos à sua causa e fonte, e a natureza da sua saturação se refletirá necessariamente sobre seu emissor. Se, por exemplo, é emitido por mim um pensamento de ódio ou malquerença com10 graus de negatividade e encontrando lá fora um ambiente carregado com 20 graus negativos, este pensamento de ódio volta a mim saturado de 20 graus de negatividade ou malquerença, duplicando, portanto, o meu próprio estado negativo, e fazendo-me duas vezes pior do que eu era antes. "Cada um colherá conforme o que tiver semeado. " "Quem ventos semeia, tempestades colherá. " É de todo indiferente que a pessoa por mim odiada "mereça" ou "não mereça" o meu ódio; em qualquer hipótese, eu contribuo para tornar o mundo pior, porque me tornei pior a mim mesmo, parte integrante deste mundo. Eu, o sujeito e autor do meu ato, sou atingido pelo efeito do mesmo, muito antes que o objeto seja atingido. Ninguém pode atingir o objeto antes de atingir o sujeito. O mal que faço, ou procuro fazer a algum outro, me atinge a mim mesmo em primeiro lugar, e fere o sujeito de um modo muito mais grave do que possa ferir o objeto. "O que entra no homem não torna o homem impuro, mas o que sai do homem, isto sim, torna o homem impuro. " O mal que os outros me fazem não me faz mal, porque não me faz mau. Antes que o mal faça mal a outros, já fez mal ao malfeitor, porque o fez mau. Não é certo que o objeto seja atingido por meu mal, mas é absolutamente certo que o sujeito é atingido por ele.
Esse impacto do meu pensamento sobre os objetos ou pessoas é, antes de tudo, sobre o meu próprio sujeito, é tanto mais veemente e destruidor, quanto maior for a vibração emocional de que o pensamento está saturado.
Amar seus inimigos é, pois, um preceito de sabedoria cósmica, porque promove a auto-realização do homem, a sua verdadeira cristificação.