Sermão da Montanha: 154
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"CUIDADO QUE NÃO PRATIQUEIS AS VOSSAS BOAS OBRAS PARA SERDES VISTOS PELAS GENTES"
Repetidas vezes, e de modos vários, insiste Jesus neste preceito ou proibição, que, à primeira vista, parece ser de caráter simplesmente ético. Entretanto, esse inextirpável desejo de publicidade, embora ético em suas ramificações, tem as suas raízes embebidas no abismo da metafísica.
Há em toda tendência publicitária algo de profano e prosaico – como existe em toda atitude silenciosa algo de sagrado e poético. Todas as coisas grandes estão envolta sem silêncio e mistério. Parece que o silêncio engrandece e o ruído amesquinha todas as coisas.
Quando o homem recebe alguma grande inspiração e a assoalha aos quatro ventos, ela enfraquece e se esteriliza – mas quando ele a guarda na solidão de um grande silêncio, ela se robustece e fertiliza. Vigora secreta afinidade entre solidão e sacralidade – e há semelhança entre publicidade e profanidade. Na origem da vida física colocou a natureza humana o sentimento do recato e pudor – e o início da vida espiritual também está envolto na misteriosa castidade de uma profunda reverência. Toda a decadência do indivíduo ou dum povo começa invariavelmente com a perda do pudor e da reverência pela vida, quer material, quer espiritual. "Não pratiqueis as vossas boas obras para serdes vistos pelos homens!" Qual a razão última por que todo homem profano – isto é, de consciência apenas físico-mental – sente a imperiosa necessidade de fazer alarde das suas boas obras? Por que quer ver-se admirado, louvado ou de outro modo qualquer ser recompensado pelo bem que pratica?
É porque todo homem profano é essencialmente mercenário – e esse espírito mercenário é indício da sua fraqueza. O homem interiormente rico, completo, sadio, não tem necessidade de ser recompensado, nem compensado, nem pensado; só o pobre e indigente é que deseja ser recompensado, porque fazer o bem é para ele um sacrifício, uma perda; quer ser compensado, porque se sente incompleto; deve ser pensado porque está doente e chagado.
O homem de sentimentos mais nobres, é claro, não espera receber dinheiro nem outro equivalente material por seus atos bons – mas todo homem que ainda se move no plano da consciência horizontal julga-se com o direito de receber por suas boas obras pelo menos uma palavrinha de reconhecimento, de gratidão, de apreciação, e aguarda sobretudo algum resultado visível por seus trabalhos e esforços – e esse desejo dos resultados palpáveis também é, em última análise, espírito de espírito mercenário. A própria esperança de receber, em troca de suas boas obras, o céu – isto é, uma recompensa externa e adicional ao fato de ser bom – é desejo impuro e mercenário. Dificilmente encontraríamos entre milhares de homens um só que fosse capaz de prosseguir, corajosa e serenamente, uma árdua empresa espiritual ou beneficente, através de anos e decênios, sem jamais receber uma palavra de estímulo externo em forma de louvor ou aplauso.
Por que é que só nos sentimos seguros e corajosos quando, pelo menos de vez emquando, alguém nos louva ou quando aparecem resultados visíveis do nosso trabalho?
É porque todo homem profano, como já foi dito alhures, é essencialmente extroverso, objetivado; não tem noção clara de si mesmo a não ser quando o seu ego é, por assim dizer, refletido no espelho de algum objeto. Assim como ninguém pode ver o seu próprio rosto, ou a cor dos seus olhos senão quando refletidos em um espelho, semelhantemente, também, o homem profano só conhece o seu sujeito interno quando refletido por um objeto externo – como uma onda de radar, que só dá sinal de si quando, depois de emitida, encontra no seu caminho um objeto donde possa ricochetear e ecoar rumo ao aparelho emissor.
A consciência físico-mental, relacionada com os objetos, é sempre indireta.
Quando ninguém reflete o meu ato, nada sei da natureza do meu ato. Mais ainda, quando pratico um ato bom e ninguém me louva nem reconhece essa bondade, pouco a pouco começo a duvidar da natureza positiva desse ato; e se alguns vão ao extremo de tachar de mau o meu ato bom – por quanto tempo serei capaz de crer na bondade do meu ato?
Meu Deus! Como o homem profano depende do mundo externo! Como ele é escravizado pelo reflexo da opinião pública! Não possui nenhuma autonomia e segurança intrínseca e por isto necessita dessas escoras e muletas extrínsecas.
Quando, então, o homem profano consegue ultrapassar a invisível fronteira que medeia entre o seu pseudo-eu, ou ego personal, e o seu verdadeiro Eu crístico, o seu divino EU SOU – então caem por terra todas as escoras e muletas; então proclama ele a sua verdadeira independência, a "gloriosa liberdade dos filhos de Deus".
Daí por diante, não mais pratica ele boas obras para ser visto e louvado pelos homens; essa atitude lhe pareceria tão absurda e ridícula como arrastar-se arrimado a muletas em plena saúde.
A partir daí, toda a firmeza e segurança lhe vêm de dentro, das profundezas da sua consciência espiritual. Esse homem conhece-se a si mesmo por intuição íntima, e não necessita de derivar esse conhecimento das palavras dos que não o conhecem. Ele sabe que os seus atos e sua atitude estão sintonizados com a Lei Eterna, e a consciência nítida dessa harmonia lhe dá tão grande firmeza e serenidade que, ainda que todo o mundo o louvasse, nem por isto se sentiria mais seguro; e embora o mundo inteiro o censurasse e condenasse, nem por isto perderia esse homem um só grau da sua segurança e tranquilidade interna; e ainda que os seus trabalhos não surtissem nenhum efeito palpável, ele prosseguiria a trabalhar com o mesmo afinco e otimismo de sempre. "Trabalha intensamente – diz a sabedoria oriental – e renuncia a cada momento aos frutos do teu trabalho!" O homem que conquistou essas alturas é supremo árbitro da sua vida e não necessita de olhar para a direita, para a esquerda, para trás, a ver se os homens louvam ou vituperam os seus atos. Nem há motivo para fazer publicidade das suas boas obras, porque elas são boas em si mesmas, independentemente da aprovação ou reprovação de terceiros. "Não pratiqueis as vossas boas obras para serdes vistos pela gente!" – isto é um ultimatum para a consciência físico-mental e um veemente chamariz para a consciência espiritual.