Sermão da Montanha: 154
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"PEDI, E RECEBEREIS; PROCURAI, E ACHAREIS; BATEI, E ABRIR-SE-VOS-Á"
Assim disse o Mestre, e prosseguiu, confirmando esta grande verdade cósmica: "Pois todo aquele que pede receberá; quem procura achará; e a quem bate abrir-se-lhe-á".
Mais uma vez enuncia Jesus uma lei eterna e infalível, baseada na polaridade de todas as coisas. É necessário que o homem peça, procure, bata – mas nada disto é suficiente. O pedir, procurar, bater não é causa daquilo que ele recebe, acha e das portas que se lhe abrem; mas tudo isto é condição indispensável, fator preliminar para que a graça de Deus possa entrar em movimento, agir rumo ao homem que assume essa atitude propícia, que crea em si essa atmosfera e esse clima favorável para que a plenitude de Deus possa fluir para dentro da vacuidade do homem. Não há, nem jamais poderá haver, um pedir, um procurar, um bater tão poderoso que possa produzir, causar de dentro de si mesmo, o menor dos dons espirituais, porque esses dons são essencialmente gratuitos, são puríssima graça, e, portanto, 100% de graça. É cegueira espiritual e orgulho luciférico pensar que o homem-ego, o homem-persona possa causar, isto é, merecer algo daquilo que lhe é dado, que ele acha ou que se lhe abre. O abrimento duma janela não causa a luz solar que vai iluminar a sala; a adubação duma planta não causa o seu crescimento, florescimento e frutificação – mas esses atos são necessários como condições preliminares para que a causa possa atuar e produzir de si mesma os seus efeitos, para que o sol possa iluminar a sala, para que a vida cósmica refletida na planta possa expandir-se. Nenhum abrir de janela pode causar luz solar; nenhum adubar de planta pode crear vida.
A causa é sempre um fator interno – ao passo que a condição é apenas um adjutório externo. Nenhum fato material ou mental pode causar um efeito espiritual, porque, em hipótese alguma, pode o efeito ser maior que sua causa.
Deus dá a quem pede; Deus faz achar a quem procura. Deus abre a quem bate. Deus é sempre a causa intrínseca do efeito; o homem é apenas condição extrínseca do mesmo. O homem que se considera causa de um efeito espiritual, que julga poder merecer um dom divino, dá prova de profunda ignorância aliada a uma detestável arrogância. É a satanidade do ego que se arroga semelhante grandeza e poder.
Se alguém alega que não necessita de pedir nada a Deus, porque Deus já sabe perfeitamente de que o homem tem mister, mostra que não compreendeu a razão de ser desse "pedir". Não pedimos para lembrar a Deus o que, porventura, tenha esquecido, mas sim para crear dentro de nós mesmos um ambiente tal que o espírito de Deus encontre a necessária afinidade por onde possa atuar sobre nós. O objeto do "pedir" não é Deus, mas o próprio homem.
A graça de Deus está sempre presente ao homem, mas nem sempre o homem está em condições de receber essa graça. O pedir, procurar, bater faz com que também o homem se torne presente a Deus que sempre está presente ao homem. Quem se acha em plena luz solar, de olhos fechados, não vê a luz, embora presente; mas, se abrir os olhos, verá a luz solar que sempre estava presente. O pedir, procurar, bater é como que um abrir de olhos à luz de Deus.
Torna favorável a disposição desfavorável do homem – e onde quer que haja disposição favorável, a graça de Deus atua poderosamente.
Há três classes de homens:
1) os que não pedem, não procuram, não batem em portas fechadas, mas esperam que Deus faça tudo por eles, como a outros tantos autômatos passivos e inertes; esses nada recebem, acham, nem encontram portas abertas;
2) os que pedem, procuram, batem com impetuosidade, na convicção de que essa sua atividade humana possa produzir de si mesma o resultado desejado; são os autossuficientes, os autocomplacentes, os que têm ilimitada confiança na onipotência do seu ego físicomental-emocional; esses não recebem dons divinos, mas recebem, quando muito, os pequenos dons correspondentes à potência ou impotência desse seu ego humano;
3) há, finalmente, os que pedem, procuram, batem, creando destarte uma atitude de receptividade, esvaziando-se do seu pequeno ego humano, produzindo em si uma espécie de "vórtice de sucção", que atrai com silenciosa veemência a plenitude de Deus.
Neste sentido dizem os livros sacros: "Deus resiste aos soberbos (os da segunda classe), mas dá sua graça aos humildes". Humilde, humildade, é palavra muito mal compreendida, como se fosse algo indigno de um homem de brio e senso de dignidade, quando, na realidade, não é senão a verdade sobre o próprio homem e a vivência em plena sintonia com essa verdade, O orgulho é sempre filho do erro, a humildade é sempre filha da verdade.
Quando Jesus diz de si "as obras que eu faço não sou eu quem as faz, mas sim o Pai que em mim está" – ou "a minha doutrina não é minha, mas sim a daquele que me enviou" enuncia ele esta grande verdade: Não é o meu pequeno ego humano, a minha pessoa (o meu Jesus humano) que produz esses efeitos espirituais, mas é o elemento divino em mim, o meu divino Cristo (meu Pai) que tal coisa produz. O seu humano ego é apenas o canal e veículo por onde fluem as águas divinas dos grandes efeitos realizados.
Em última análise, toda a santidade repousa num problema de compreensão da realidade. O pecador é, acima de tudo, um ignorante da realidade, que se deixa iludir por aparências e pseudo-realidades; é um "insipiente", isto é, um "não sapiente", o que equivale a dizer, um ignorante. "Disse o insipiente em seu coração: Não há Deus!" Isto diz o ignorante, não o sábio ou sapiente.
Todo o segredo da vida espiritual e auto-realização consiste em que o homem trabalhe intensamente, como se tudo dependesse do seu trabalho – e ao mesmo tempo confie em Deus, como se tudo dependesse unicamente da graça divina. Se conseguir sintetizar numa perfeita harmonia esses dois elementos, aparentemente incompatíveis, nada lhe será impossivel, porque essa atitude o tornará onipotente por participação.
Quem lança mão de todas as previdências humanas – e ao mesmo tempo confia plenamente na providência de Deus, é inderrotável.
Este princípio, mutatis mutandis, vale, aliás, para todas as atividades humanas.
Muitas vezes, trabalhamos intensamente, estudando, pesquisando, torturando o corpo e a mente – sem solução alguma. Depois, desistimos e tratamos de outros assuntos – e eis que, subitamente, a solução aponta, como que por milagre, e todo de improviso, em nossa mente! Algo em nós continuou a trabalhar, subterrânea ou subconscientemente, enquanto o nosso consciente se ocupava com outras coisas. Isaac Newton, não raro, adormecia sem ter conseguido o resultado de um cálculo matemático ou a visão nítida duma lei astronômica – mas, durante o sono, a solução se cristalizava com absoluta clareza, de maneira que, ao acordar, a podia lançar ao papel sem dificuldade.
O grande industrial norte-americano Roberto Le Tourneau voltou, altas horas da noite, de uma reunião da Sociedade Missionária a que pertencia, e tentou, embora exausto, terminar o desenho de uma peça de máquina que tinha de entregar na manhã seguinte; mas adormeceu sobre o papel, mal iniciara o desenho. Na manhã seguinte verificou, com grande surpresa, que o desenho estava pronto, e mais perfeito do que ele o poderia fazer em estado de consciência vígil.
Quando o povo atribui a Deus as palavras "Homem, ajuda-te – que eu te ajudarei!" – enuncia esta mesma verdade.
Crear em si mesmo uma atitude de intensa receptividade, sem, contudo, esperar o resultado dessa atitude – é esta a mais difícil de todas as artes. E poucos chegam a ser mestres nessa arte. Relativamente fácil é alguém se convencer de que a sua contribuição humana não seja necessária para as obras divinas, uma vez que Deus é onipotente e não necessita de nenhuma das suas creaturas – esta atitude prevalece no oriente, O homem ocidental, essencialmente ativo e dinâmico, facilmente cai no erro contrário, julgando poder produzir o resultado total só com sua atuação, que ele considera não só necessária, mas também suficiente.
O Cristo, porém, se acha equidistante desta atitude ocidental e oriental; ele é universal, cósmico.