Triunfo da Vida Sobre a Morte, O
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# PREFÁCIO
Este livro é o quarto e último volume da série "Sabedoria do Evangelho", cujo primeiro volume se intitula "Filosofia Cósmica do Evangelho", o segundo "Sermão da Montanha", e o terceiro "Assim Dizia o Mestre".
Os três primeiros volumes tratam, de preferência, da vida pública e dos ensinamentos do Nazareno, ao passo que este quarto volume abrange os acontecimentos da última semana da vida terrestre dele, desde o domingo de ramos até à ascensão.
Chamamos a atenção do leitor que, ao relatarmos a paixão e morte de Jesus, não seguimos a interpretação tradicional dos teólogos, que vêem na morte de Jesus um ato expiatório pelos pecados da humanidade, mas seguimos as palavras do próprio Mestre e de seus primeiros discípulos, que não se referem a essa ideologia teológica, que é o reflexo da mentalidade da Sinagoga judaica, que matava anualmente o chamado "bode expiatório", cujo sangue era oferecido a um Deus ofendido pelos pecados de Israel. Esta ideologia não se encontra nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, nem no quinto evangelho do apóstolo Tomé, descoberto no Egito, no ano 1945. Se o Evangelho do Cristo fosse simplesmente a doutrina do Jesus humano, que era de raça judaica, refletiria, possivelmente, a ideia da Sinagoga de Israel; mas ele afirma que é do seu Cristo divino: "A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. . . As minhas obras são do Pai, que em mim está. " A mensagem do Cristo não é continuação duma doutrina antiga; é uma revelação nova, oriunda do Cristo cósmico: "Foi dito aos antigos – eu porém vos digo. . . " Paulo de Tarso, depois da sua queda dramática às portas de Damasco e sua conversão ao Cristo, viu-se perplexo em face da morte voluntária de Jesus, e retirou-se para os desertos da Arábia, onde permaneceu três anos, e julgou ter descoberto o motivo dessa morte, estabelecendo um paralelo entre a crença judaica no bode expiatório e Jesus, cujo sangue nos teria purificado de todo o pecado.
A cristandade do primeiro século não aceitou integralmente a ideologia sacrificial de Paulo no tocante à morte de Jesus. Muitos viam na morte dele um paralelo à morte dos antigos profetas, perseguidos e mortos por seus conterrâneos incipientes; apenas uma parte da cristandade primeva aceitou a interpretação de Paulo, como explica criteriosamente Frei Leonardo Boff, no seu livro "Jesus Cristo Libertador" (Editora Vozes).
Repetidas vezes predisse Jesus a sua morte violenta e voluntária, e nenhuma vez afirmou que ia morrer para reconciliar a humanidade com um Deus irado e ofendido. Aos discípulos de Emaús, decepcionados com a morte violenta do Nazareno, responde ele: "Não devia então o Cristo sofrer tudo isto para entrar em sua glória?" A crença na morte expiatória de Jesus se generalizou mais tarde, em consequência dos decretos de Concílios Eclesiásticos. A tentativa de provar esta ideia pelas palavras do Profeta Isaías (capítulo
53) não procede, porque o profeta, no exílio babilônico, quando se refere aos sofrimentos do ebed Yahveh (servo de Deus) não fala de Jesus, mas de Israel, cujos pecados de idolatria provocaram o sofrimento dos inocentes.
Jesus, nas últimas 15 horas da sua vida mortal, sujeitou-se voluntariamente à violência dos seus inimigos para realizar o plano cósmico da encarnação do Verbo destinada a levar a natureza humana ao zênite da sua perfeição, na pessoa de Jesus de Nazaré, totalmente integrado no espírito do seu Cristo divino. Essa plena integração no Cristo divino equivalia à desintegração ou morte do Jesus humano, como ele mesmo disse aos seus discípulos: "Convém a vós que eu me vá, porque, se eu não me for, não poderá vir a vós o espírito da verdade. " Esta plenificação crística da natureza humana na pessoa de Jesus transbordou beneficamente para o bem da humanidade: "Da sua plenitude todos nós recebemos, graça e mais graça. " A redenção da humanidade pelo Cristo é um fato, porque o Cristo realizou plenamente a humanidade individual de Jesus, fazendo-a "entrar em sua glória", e essa cristificação da humanidade em Jesus abriu as portas para a redenção e cristificação da humanidade em outras creaturas humanas idôneas para essa Cristo-redenção.
A ideologia teológica de haver Jesus morrido para pagar a Deus pelos débitos da humanidade pecadora supõe diversas premissas inaceitáveis, como sejam: que Deus se possa sentir ofendido por suas creaturas, quando o senso de ofensa e ofendibilidade é atributo de um caráter mesquinho; supõe um Deus vingativo, que em vez de perdoar, exija satisfação; supõe ainda um Deus injusto e cruel, que exija sofrimentos e morte atroz do único homem inocente para se dar por quite pelas culpas dos devedores.
Essa ideologia também amesquinha a grandeza do Cristo, reduzido a um bode expiatório e tapa-buracos da humanidade pecadora.
Por outro lado, o conceito de um homem plenamente realizado pela integração no Cristo faz aparecer o Redentor nos esplendores de uma luz sobre-humana e eleva o Cristo a uma grandeza cósmica.
Todo o sofrimento voluntário de Jesus é um sofrimento-crédito, e não um sofrimento-débito por pecados alheios; este sofrimento fê-lo entrar plenamente em sua glória, como ele disse aos discípulos de Emaús, e como já pedira ao Pai, na última ceia: "Pai, é chegada a hora: glorifica-me com aquela glória que eu tinha em ti, antes que o mundo fosse feito. " É notável que o próprio judaísmo tenha abandonado, desde o primeiro século da Era Cristã, a ideia e a prática do bode expiatório. É tempo para que também o cristianismo abandone essa ideia de morte expiatória e se integre na verdade do Cristo glorioso.
A sublimação do Cristo por seu sofrimento voluntário é indicada na Epístola aos Filipenses: "Ele, que estava na glória de Deus, não julgou necessário aferrar-se a essa divina igualdade, mas despojou-se dos esplendores da Divindade e revestiu-se de forma humana, tornando-se homem, servo, vítima, e crucificado; e por isto Deus o super-exaltou, de maneira que, em nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, dos celestes, dos terrestres e dos infraterrestres, e todos confessem que o Cristo é o Senhor. " Estas palavras inspiradas de Paulo admitem que o Cristo, depois da encarnação, morte e ressurreição, se tornou um super-Cristo, por ter descido voluntariamente às baixadas humanas, e sendo por isto elevado às alturas cósmicas, proclamado como Senhor por todas as creaturas do Universo visível e invisível. Foi elevado ao zênite do ômega, porque desceu ao nadir do alfa, como diria Teilhard de Chardin.
Através das paginas deste livro trataremos da paixão e morte de Jesus à luz de um plano cósmico pré-estabelecido: que o Cristo, por sua encarnação e morte, seria "super-exaltado", como diz o texto grego original; elevado a um plano superior de grandeza e de glória.