Triunfo da Vida Sobre a Morte, O
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"UM DE VÓS ME HÁ DE TRAIR"
Os acontecimentos do último domingo, em Jerusalém, devem ter levado Judas 1scariotes ao máximo da sua decepção. Era ele o único judeu integral entre os apóstolos; os outros onze eram galileus, judeus híbridos. Mais do que ninguém ansiava Judas pela libertação de Israel.
Era na Judeia, sobretudo na capital, que fervia o ódio contra os dominadores estrangeiros, que, havia mais de meio século, dominavam a Palestina.
Repetidas tentativas de revolta haviam falhado.
A indiferença de Jesus em face do patriotismo judaico manifestada no último domingo, deve ter acelerado a resolução final de Judas. Se Jesus não se interessava pela libertação de Israel, falando de um reino que não era deste mundo, que interessava ainda ser discípulo do rabi da Galileia? Sabia ele que, há tempo, procuravam os chefes da Sinagoga prender Jesus, mas sem alarmar o povo, sobretudo os galileus, que o veneravam como um grande Mestre e benfeitor.
Entrou Judas num entendimento com a Sinagoga para lhe entregar o Mestre sem alarme popular. Sabia ele que Jesus costumava, à noite, ir com seus discípulos ao horto das oliveiras, chamado Getsêmane. Nessa solidão era fácil prendê-lo sem alamar o povo.
Não era, certamente, intenção de Judas levar Jesus à morte. Nem mesmo acreditava que a Sinagoga conseguisse capturá-lo, porque conhecia os poderes mágicos de que dispunha o Nazareno. Combinou com o chefe da Sinagoga a prisão de Jesus, recebendo como pagamento adiantado 30 moedas de prata, que era então o preço de um escravo.
A Sinagoga pôs à disposição do traidor um destacamento de soldados romanos, que estavam a serviço do templo. Mas, a estas horas noturnas, estava o horto das oliveiras em trevas; como podiam os soldados identificar Jesus, que estava com seus discípulos? Judas combinou com a Sinagoga uma senha: o homem a quem ele abraçasse e beijasse era o Nazareno.
Na noite marcada, quinta-feira, achava-se Jesus com seus discípulos numa casa celebrando a cerimônia do cordeiro pascal. Judas estava com eles, e daí seguiu para o Getsêmane.
Durante a ceia, disse Jesus em voz alta: "Um de vós me há de trair. " Apavorados, perguntavam uns aos outros: "Sou eu, Mestre? Sou eu?". . .
Esta interrogação geral mostra que Judas não dera sinal de seu intento;
ninguém suspeitava que fosse ele o traidor.
E, como Jesus não indicasse nenhum dos doze como sendo o traidor, Pedro, impaciente, pediu a João que perguntasse diretamente ao Mestre quem era esse infeliz.
Para compreender o que se segue, é necessário lembrar que, nesse tempo, já haviam os judeus adotado o costume romano de se reclinarem à mesa, cada um numa espécie de sofá, apoiado sobre o cotovelo esquerdo, à altura da mesa, e com os pés para fora. Na última ceia estava João reclinado ao lado de Jesus, e Pedro ao lado de João, de maneira que Pedro não podia falar diretamente com Jesus. Oposto a Jesus, do outro lado da mesa, estava Judas.
Pedro, voltando-se para João por sobre o ombro esquerdo, pediu que este perguntasse pelo nome do traidor. João, voltando a cabeça para trás, perguntou ao Mestre, e este lhe disse em voz baixa: "Aquele a quem eu der o pão embebido em vinho, esse é. " E deu o bocado de pão com vinho a Judas, por sobre a mesa.
A partir daí sabia João que Judas era o traidor, mas não transmitiu a Pedro a dolorosa revelação, por mais que este insistisse.
É deveras estranha essa atitude do "discípulo amado". Tendo diante de si o colega traidor, guarda profundo silêncio. Nem sequer falou a Judas, dissuadindo-o do crime. Se o Mestre sabia quem era o traidor e não o revelava, devia ter as suas razões para isto. E por que devia o discípulo proceder de outro modo? Sepultou em profundo silêncio o doloroso segredo.
Depois da ceia, disse Jesus a Judas: "O que queres fazer, faze-o já. " Por sinal que Judas sabia que o seu plano era conhecido de Jesus – mas permaneceu impenitente.
Os três JJJ do cenáculo – Jesus, João e Judas – silenciam o mistério da traição. Jesus disse apenas "o Filho do Homem vai à morte, como está escrito, e vai ser traído; mas ai do homem por quem ele for traído; melhor lhe fora não ter nascido. " Por sinal que Judas era culpado de traição, embora esta estivesse nos planos cósmicos do Cristo. O homem pode realizar os planos divinos, ou pelo bem ou pelo mal, mas é responsável por seus atos livremente cometidos.
Nenhum homem pode frustrar os planos de Deus, mas pode fazer o bem ou o mal, para sua própria felicidade ou infelicidade. Ninguém perde a liberdade individual dos seus atos. "Para entrar em sua glória", permitiu Jesus a sua morte, para a cristificação do seu Jesus humano permitiu tudo o que ia acontecer.