Triunfo da Vida Sobre a Morte, O

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CAPÍTULO 32
Ilustração tribal

"ESTÁ CONSUMADO!. . . PAI, EM TUAS MÃOS ENTREGO O MEU ESPÍRITO!"


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São estas as derradeiras palavras que sabemos de Jesus, durante a sua vida mortal. Afirma o crucificado que está tudo consumado e, por isto, terminada a sua missão terrestre, entrega sua alma às mãos do Pai dos céus.

E agora, qual o resultado dessa grande obra de 33 anos?

Está consumada a nossa redenção, dizem os teólogos. Jesus nos mereceu a eterna salvação com a sua vida e morte; destruiu o pecado e poder de Satanás; derrotou a morte.

Há quase 2. 000 anos que a cristandade está habituada a ouvir estas palavras – e até hoje quase ninguém sabe o que elas significam. Se está destruído o pecado e a morte, por que é que a humanidade é cada vez mas pecadora, e porque os homens continuam a morrer? E o poder de Satanás, será que diminuiu?. . .

Quando, daqui a poucos decênios, a humanidade cristã celebrar o segundo milênio após o nascimento de Jesus, certamente os teólogos e outros oradores tornarão a afirmar, com grande entusiasmo e júbilo, que a humanidade está remida há 20 séculos – e ninguém vê nada dessa redenção. . .

As igrejas cristãs afirmam que os merecimentos de Cristo são como que um imenso tesouro de luz e força, que pode e deve ser apropriado pelos homens.

Um vasto setor da igreja cristã faz depender essa apropriação dos merecimentos de Cristo do uso de certos ritos chamados "sacramentos", sobretudo, batismo, confissão e comunhão; e conhece uma determinada classe de homens incumbidos de aplicar aos "leigos" esse tesouro do Cristo, de que o sacerdócio se diz depositário exclusivo. Isto faz lembrar certa espécie de magia, cujos efeitos dependem de determinados vocábulos, gestos ou fórmulas secretas, como o conhecido "Sésamo, abre-te!" do livro "Mil e Uma Noites".

Outro setor dessa mesma igreja afirma que a utilização desse "tesouro de merecimentos de Cristo" depende de atos de fé que o homem faça, e que o último segredo da força redentora está na morte ou no sangue de Jesus derramado nas alturas do Gólgota.

Quer seja por meio de ritos sacramentais, quer seja mediante atos de fé, o mistério persiste, indevassado, indevassável. Ninguém sabe, ao cero, o que a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo realizaram no mundo e qual a diferença real entre a humanidade pré-crística e a humanidade post-crística. "A tal ponto amou Deus o mundo que lhe enviou seu Filho Unigênito, para que todos os que nele crerem não pereçam, mas tenham a vida eterna. " "Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim não morrerá eternamente, e, ainda que tenha morrido, viverá para sempre. " Nestas e em outras palavras do Evangelho e do próprio Cristo estão contidas duas coisas certas:
1) que o homem pode viver eternamente, e também perecer para sempre, deixando de existir como ser individual,
2) que a vida eterna depende da fé, e a morte eterna depende da falta de fé em Jesus Cristo, porquanto: "Ninguém vai ao Pai a não ser por mim. " Que é isto, fé?

Um ato do intelecto? Um entender?

Um ato da vontade? Um querer?

Não! Fé, no sentido em que aparece no Evangelho, não é um simples entender ou querer – é algo como um misterioso contato espiritual com o mundo de Deus e do Cristo; uma experiência íntima, uma vivência interna, uma tal ou qual sintonização do homem total com a divindade, uma captação de ondas divinas que transfigurem a vida do homem espiritual, mental e corporal. É o "renascimento pelo espírito" é a "creação do homem novo em Cristo". A fé não é como que um "remendo novo em roupa velha", mas é a abolição total e irrevogável do homem velho e sua substituição pelo homem integralmente novo, revestido da túnica nupcial do reino de Deus.

Essas misteriosas ondas crísticas a serem captadas não andavam no ar antes que o Verbo se fizesse carne e habitasse entre nós; mas agora, estão no mundo, e no mundo ficarão até à consumação dos séculos. O Cristo eterno e onipresente é como que uma estação emissora a irradiar poderosas vibrações de luz e força; compete ao homem captar essas ondas, sintonizar o seu aparelho receptor por essa frequência, pôr a sua vida individual em perfeita consonância com essas vibrações crísticas.

Essa consonância ou sintonia do nosso aparelho receptor consiste na vivência ética, isto é, numa persistente harmonia com a Verdade, a Justiça, o Amor, a Benevolência universal; consiste numa espontânea e jubilosa vontade de querer dar e servir, numa constante e universal solidariedade.

Esta vivência ética não é causa da nossa redenção, mas é condição indispensável para a mesma, é uma espécie de veículo ou canal através do qual fluem as águas da vida eterna.

A redenção objetiva é um fato histórico, permanente, indestrutível, mas a redenção subjetiva é um problema individual, que se renova com o nascimento de cada creatura humana. O nascimento material de cada indivíduo humano é uma espécie de encarnação do Verbo de Deus, mas o seu renascimento espiritual é uma ressurreição e ascensão; entre aquela encarnação e esta ascensão podem decorrer séculos e milênios. Entre aquela involução e esta evolução do espírito de Deus no homem processa-se o drama cósmico da redenção do homem, que não é um simples fato automático produzido pelo poder divino, nem um simples produto do poder humano, mas um processo bilateral, divino-humano.

A parte divina nessa epopeia da redenção é a graça.

A parte humana é a fé, não uma fé puramente teórica, apenas inteligida com a cabeça e querida com o coração – mas uma fé praticamente vivida, sofrida e também gozada, com todas as potências do homem.

Esta fé integralmente vivida, sofrida e gozada, vem admiravelmente descrita no maior documento de redenção subjetivo, que é o Sermão da Montanha. Se essa redenção subjetiva, oriunda duma fé integralmente vivida, não se associar à redenção objetiva realizada pelo Cristo, não há salvação, não há vida eterna.

Crer no Cristo Redentor a fim de possuir a vida eterna significa, portanto, unir a redenção subjetiva da ética da vida à redenção objetiva da mística que o Cristo realizou no Gólgota. As ondas da redenção objetiva estão no espaço, lançadas pela "divina emissora" do Cristo – mas a redenção subjetiva depende da captação dessas ondas pelo indivíduo humano. A graça de Deus é um fato universal – mas a fé humana é um problema individual.

Deus, através do seu Cristo cósmico, está sempre presente a cada um de nó " – mas nós nem sempre estamos presentes a Deus. Pode o sol meridiano iluminar-me com seus fulgores – mas eu posso fechar os olhos e ignorar esse sol presente, como se estivesse ausente; neste caso, o sol está objetivamente presente a mim, mas eu estou subjetivamente ausente do sol.

Só existe para mim aquilo que afeta a minha consciência; o que não afeta o meu consciente pode existir mil vezes, para mim não existe. Essa inexistência subjetiva de uma realidade objetiva vem da minha ignorância, que é o meu grande pecado. Eu sou remido na razão direta que tenho consciência de Deus, e estou irredento na medida da minha inconsciência de Deus. "A vida eterna – diz o divino Mestre – é esta: que os homens te conheçam, ó Pai, como único Deus verdadeiro, e o Cristo, teu Enviado. " Se a vida eterna é "conhecer", isto é, ter consciência espiritual de Deus, então a morte eterna é não conhecer a Deus.

Ora, sendo que toda a alma humana, como já dizia Tertuliano no segundo século, é crística por sua própria natureza; sendo que, como escreve Paulo de Tarso, o espírito de Deus habita no homem; sendo que, segundo as palavras de Jesus, o reino de Deus está em cada um de nós – é possivel essa transição da ignorância para a sapiência, do não-saber para o saber, do inconsciente para o pleni-consciente. E isto é redenção. "Está consumado. " O Cristo consumou a redenção objetiva – mas todo discípulo do Cristo deve realizar em si a redenção subjetiva, que não pode ser realizada, como quer por magia ritual, pela simples aplicação dum sacramento; nem por um simples ato teórico de fé intelectiva e volitiva.

O processo da redenção subjetiva está, todo ele, no Sermão da Montanha.

Se de alguém é o reino dos céus; se alguém vê a Deus; se alguém é filho de Deus; se alguém tem fome e sede da justiça e é saciado; se alguém é consolado em sua tristeza; se alguém recebe um grande galardão nos céus – está ou não está esse homem plenamente remido? Remido por meio de que?

Objetivamente pelo poder do Cristo Redentor, subjetivamente pela sua fé intensamente vivida e sofrida.

A redenção integral do homem está entre o monte Calvário e o monte das bemaventuranças.

O homem pleni-redento é um homem "consumado", realizado, cristificado.

Entregou ao Pai o seu espírito. . .







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